Ao som de Whutering Hights, com Kate Bush, matar a fome do homem, pensar sobre a vida e versar… Creio que não haja coisa melhor do que plantar e colher, gerar filhos e vê-los crescer, o amor de uma mulher e comer de colher…
Da esquerda para a direita: eu, com Bethânia; Ingrid, com Bambino; Tânia, Lívia, com Lolla Maria e Romy
Como assim, trintou? A minha neném gordinha se tornou uma mulher com trinta voltas da Terra em torno do Sol nas costas? A criança que sorria pelos olhos pela boca, pelos cabelos pelos passos, pelas mãos que falava pelos cotovelos encontrou a maldade humana pelo caminho e chora entre as sessões e audiências?
A trintona se permite ser tristonha de vez em quando e adormece alisando o pelo de seu filho o menino Bambino mas celebra a alegria A gata que advoga causas humanitárias luta por justiça e igualdade todos os dias da noite até a manhã gosta de gente e promove a irmandade aprecia a beleza da vida apesar da sorte desdita da ação perniciosa e do descaso dos pobres de espírito contra os empobrecidos sem casa ou paradeiro se permite amar e ser amada?
A querida entre as queridas que se veste de paninhos e fica bem que tira os sapatos e põe os pés no chão da existência que chega ao seu primeiro terço usa colares de contas conta derrotas e vitórias colore o cinza do asfalto com suas fantasias ara o campo rega com lágrimas floresce a estrada enfrenta maldades comezinhas planta futuros melhora o presente Oh, Ingüity — pela voz da irmãzinha em prosa e verso você é o nosso presente para o universo…
O Reizinho imperava sobre tudo ao seu redor. Mesmo não sendo dono de tudo — na verdade quase nada lhe pertencia — dispensava a todos aquele olhar de que o espaço que dividia com as outras pessoas era de sua posse. Isso era irrefutável para qualquer um que o conhecesse. Os homens, o admiravam, as mulheres, o amavam. O que insinuasse desejar, lhe era oferecido. O que se inclinasse a pedir lhe era dado. No entanto, em verdade, o Reizinho vivia a deriva de si mesmo. Não se sentia senhor de seu corpo e muito menos de seu destino. O estranho é que o olhar que intimidava provinha de seu sentido de deslocamento. O Reizinho era um estrangeiro dentro de sua casa, quando normalmente saia em viagem em busca de seu coração, em longas sessões de circunspecção sobre o nada. Fora dela, caminhava como um posseiro de mentes, seduzindo inconsequentemente a qualquer um que se aproximasse demais de sua forte presença.
Em determinada época, o Reizinho começou a gostar de jardinagem, talvez a ocupação mais próxima de uma sensação de completude que já experimentara algum dia. Dera de passar grande parte do dia a remexer na terra, a podar galhos, a plantar sementes de flores diversas e plantas próprias para a infusão — hortelã, erva cidreira, erva doce, melissa, camomila… flores
Em uma parte afastada do canteiro, viu surgir uma haste portando um botão roseado, o que achou extraordinário, visto que não lembrava de que tivesse plantado uma roseira. Ela apareceu assim, do nada, impondo a sua força leonina de dona do jardim. O Reizinho, de dominador, passou a dominado pela Rosinha. Percebera, então, que encontrara um propósito para a sua vida. Dali por diante, sua função seria a de protegê-la e adorá-la. De vê-la banhar-se à chuva que a vestia com gotículas de diamantes com a qual dançava ao som do vento vespertino e à luz do sol matutino. Dali por diante, o Reizinho e a Rosinha permaneceriam unidos — o seu primeiro olhar pertenceria a ela; o perfume que evolasse se dirigiria apenas a ele, infinitamente… Mesmo que ambos soubessem que tudo era finito.