BEDA / Deseducação

De acordo com uma reportagem de O Globo, “O Governo de São Paulo recusou livros didáticos do MEC para usar apenas seu próprio material digital em alunos do 6º ao 9ºano do Primeiro Grau. O Estado alegou que possui material didático próprio para manter a ‘coerência pedagógica’ e que escolas têm a orientação de providenciar a impressão do conteúdo digital sempre que houver necessidade.

O governo de São Paulo decidiu não aderir ao Programa Nacional de Livros Didáticos (PNLD), do triênio de 2024 a 2027, para o segundo ciclo do ensino fundamental (entre o 6º e o 9º ano). Segundo Ângelo Xavier, da Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional (Abrelivros), essa é a primeira vez que isso acontece desde a criação do programa, há mais de 80 anos. Com isso, os estudantes de São Paulo, a partir do 6º ano, só terão material digital. Para os anos iniciais, material digital com suporte físico; nos anos finais e ensino médio 100% material digital”.

Lembrando que não há custo do Estado no recebimento do material didático, foi decidido aderir apenas à compra de obras literárias para o PNLD e do material didático para a educação de jovens e adultos (EJA). Foi uma tomada de decisão unilateral, sem consulta às escolas ou especialistas, pelo Secretário da Educação paulista, Renato Feder. Obviamente, alinhado à orientação do Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.

O carioca e bolsonarista Tarcísio foi uma invenção do ex-presidente brasileiro para concorrer ao Estado que se constitui no segundo orçamento nacional, atrás apenas do Brasil. Antes de ser colocado no jogo, não conhecia São Paulo e não saberia distinguir localizações tão distantes quanto São José dos Campos e São José do Rio Preto. Eleito pela população paulista majoritariamente conservadora do Interior, está tentando implementar uma visão programática à Direita.

O sujeito disse a que veio ao trazer a visão belicista à Segurança Pública inefetiva no Rio de Janeiro. Permitiu e abençoou uma operação gigantesca, utilizando uma força composta por 600 homens na invasão a uma favela no Guarujá, em resposta à morte de um PM da ROTA. Até o momento, a operação gerou 14 mortos e contando, com a acusação recorrente de moradores na prática de torturas para obtenção de informações e execuções.

No Litoral Paulista, devido ao Porto de Santos, grandes traficantes com ramificação internacional, mantém o domínio de comunidades que recorrentemente foram deixadas de lado pela Administração Pública com relação aos investimentos em melhorias da infraestrutura. Seria o caso de uma operação que envolvesse a utilização de inteligência policial (o que no Brasil parece ser uma contradição em si) do Estado e da Polícia Federal. Mas Tarcísio pretende que São Paulo se torne um enclave opositor às políticas governamentais do Governo Federal.

O que parece contraditório é que o avanço tecnológico no combate à letalidade na condução da segurança – o uso de câmeras nos uniformes policiais pretende impor o material didático virtual como única alternativa de ensino.  No caso da Educação, o que parece ser um avanço, esbarra na precária rede de Internet nas escolas, além da falta pura e simples de tablets, laptops e computadores de mesa suficientes para todos os alunos nos próprios escolares. Mas quando ocorre uma ação dessa turma dessa magnitude, não podemos deixar de perceber que o custeio de novos apetrechos terá um gasto bastante atraente para alguns agentes da área digital ligados ao financiamento da sua campanha ao governo paulista.

Eu conheço um pouco da realidade de escolas estaduais na Capital e sei que ainda que sejam fornecidos aparelhos suficientes, a estrutura digital é deficiente para atender a esse plano que visa, prioritariamente, o afastamento da orientação do Governo Federal na área didática. É uma guerra ideológica escamoteada pelo termo “manutenção da coerência pedagógica” paulista. Sei que o futuro será a utilização cada vez maior de recursos digitais. O que não quer dizer que seja exatamente um progresso humano, mas o subdesenvolvimento de funções mentais, físicas e psicológicas de nossos jovens.

A experiência sueca, que buscou a mesma orientação agora preconizada, deu meia volta, já que os índices de aprendizagem caíram drasticamente. A começar com a quase extinção da escrita à mão, já referenciada como excelente para o desenvolvimento motor e cognitivo. Uma decadência de mão única para a queima virtual de bibliotecas inteiras e tentativa do controle absoluto sobre o comportamento humano, finalmente condicionado à virtualidade.

Texto participante de BEDA: Blog Every Day August

Bob F / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes / Mariana Gouveia / Claudia Leonardi

Tortura

Da primeira metade do Século XVI ao final do Século XIX — quatro séculos de Escravidão.

Dois policiais prenderam um suspeito de participar em um arrastão. Segundo disseram, como o detido resistia à prisão em vez das prosaicas algemas, os dois homens – altos e fortes – o amarraram pelos pés e pelas mãos. A cena causou espanto porque o suspeito, em sendo preto, encarnou o sistema que ainda hoje marca a nossa Sociedade o escravismo. O Tempo pareceu retroceder séculos antes quando pessoas pretas eram tratadas como peças propriedades objetos de uso que, menos que animais, não deveriam expressar sentimentos ou emoções, à custa de punições.

A Corregedoria da PM afastou os dois “capatazes” ou “capitães-do-mato” alertando que aquele não era o procedimento regular na detenção de um suspeito. Apesar dos urros de dor, a única providência que tomaram foi o de colocá-lo numa maca para aliviarem o carregamento do peso do corpo amarrado. A juíza do caso entendeu ou foi dada a relatar que “não há elementos que permitam concluir ter havido tortura, maus-tratos ou ainda descumprimento dos direitos constitucionais assegurados ao preso”. Soube-se depois que se baseou apenas nos depoimentos dos policiais, sem que tivesse visto o registro amplamente divulgado pela imprensa. É natural que diante de um ato de violência como um furto, roubo ou assalto fiquemos indignados e queiramos que o criminoso seja impedido de delinquir e punido.

Mas a que preço? Qual o limite que devemos chegar para ver a lei ser cumprida? Ver a dignidade humana vilipendiada?  E quando um representante da lei julga que não há maus tratos nesse caso, qual seria a sua opinião ao ver o seu filho sendo tratado dessa maneira? “Ah! Meu filho nunca faria isso! Porque foi bem-criado, frequentou boas escolas, tem uma família estruturada!”. É bem provável que esse não fosse o caso do prisioneiro tratado como “peça de museu da escravidão”.

Fosse ele branco, bem-vestido, documentado, endereço conhecido e, por critério equânime, carregado como um pedaço de carne por suspeita em participação em um arrastão, duvido que não houvesse uma comoção social. Há pessoas insuspeitas que fazem qualquer coisa para conseguir algo para trocar por droga, como já testemunhei acontecer.

Num evento que fizemos, um microfone foi levado por alguém que, soube depois, era usuário de droga. Para nós, foi um prejuízo importante, pois estávamos iniciando a nossa trajetória. Para ele, a chance de cheirar mais uma carreira. Acabamos por não dar queixa. Por sorte, nunca mais topamos com a pobre criatura. Neste caso, o arrastão se deu numa mercearia. O objetivo era obter algo para comer.

O fato é que, graças ao sistema escravocrata que imperou por séculos no Brasil, terminado de uma forma que jogou os escravizados na rua, com raras exceções, criamos um ciclo vicioso que gerou repercussões graves nas relações sociais, no Presente totalmente desequilibradas. Há uma dívida a ser paga pela Sociedade brasileira para que reparemos os malefícios causados pelo antigo modo de produção. Para que interrompamos o rolo compressor que penaliza a todos nós é necessário diminuirmos as distâncias entre os componentes do quadro socioeconômico.

A Educação é o meio mais nobre para que isso se dê de forma sustentável, mas demanda vontade política e recursos (sem desvios) às instituições educacionais e aos professores, além de tempo. Enquanto isso, há medidas que devem ser implementadas para tornar o ambiente social mais respirável e o humano menos cruel. Caso contrário, continuaremos a ver reproduzidas situações que, ainda que não devam esquecidas, deveriam ficar apenas no Passado. Isso, para termos uma mínima chance de nos tornarmos uma grande nação no Futuro. Nossos filhos nos agradeceriam muito.

Cena de 05 de Junho de 2023 135 anos após a Abolição da Escravidão.

Os Mafiosos*

Tony Montana

Antonio Raimundo Montana, conhecido como Tony Montana, é o personagem fictício interpretado por Al Pacino no filme Scarface, codinome, advindo de uma cicatriz no rosto, é resultado de uma briga quando criança. Seu pai o abandonou quando era pequeno e o relacionamento com sua mãe e irmã sempre foi instável. Refugiado ilegal cubano, fugitivo do regime comunista de Fidel Castro, seu amigo Manolo “Manny” Ribera em um acordo com um chefão das drogas de Miami, em troca de  alguns serviços, resultou no green card para Tony, que trabalhava como lavador de pratos em uma lanchonete até entrar definitivamente na máfia que controlava o comércio de entorpecentes. Traços marcantes do personagem eram o uso abusivo de cocaína e o assassinato frio, com requintes de crueldade de suas vítimas. Acabou se casando com Elvira, a loira personagem de Michelle Pfeiffer, ex-esposa de seu antigo patrão. Scarface pode ser considerado um dos grandes filmes sobre a Máfia do cinema americano, juntamente com The Godfather e Goodfellas.

Além disso, Scarface, de 1983, com o argumento de Oliver Stone e direção de Brian De Palma, inspirou outras mídias e modelos de expressão:

  • O jogo Grand Theft Auto: Vice City tem muitos traços que indicam serem inspirados no filme e em Tony. O personagem principal do jogo se chama Tommy Vercetti. A mansão dele é idêntica à de Tony, bem como uma casa onde se acha um banheiro sujo de sangue com uma serra elétrica, uma das cenas do filme.
  • Foram criados dois outros jogos em sua homenagem: Scarface: The World Is Yours Scarface: Money, Power, Respect, ambos lançados em 2006.
  • Vários rappers aderiram à expressão: “Money, Power, Respect”  ̶  o grupo The Lox  fez um CD com esse nome.
  • Também foi criado um jogo de celular em sua homenagem. A trama do jogo é parecida com Mafia Wars e se chama Scarface: The Rise of Tony Montana.
  • rapper e integrante do grupo de K-pop sul-coreano BTSAgust D (Suga) fez uma música em referência a ele em sua mixtape solo intitulada Agust D.
  • Um miliciano brasileiro atuante no Rio de Janeiro, o adotou como ídolo e ao ser preso, encontrou-se bonecos na prateleira inspirados no personagem Tony Montana, junto a um pequeno cartaz com a inscrição AI-5.

O Ato Institucional nº5  (AI-5), baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do Gal. Costa E Silva, foi a expressão mais significativa da Ditadura Militar brasileira, que durou de 1964 a 1985. Vigorou até dezembro de 1978 e produziu uma série de desdobramentos arbitrários de efeitos duradouros, como a morte e desaparecimento de opositores. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção ao governo para punir arbitrariamente os que fossem críticos do regime ou inimigos atuantes. Isso incluía prisões sem justificativas e torturas realizadas por agentes militares e civis para a obtenção de possíveis informações de ações que viessem a atacar o governo.

No campo cultural, censurou inteiramente ou vetou partes de roteiros de cinema, peças de teatro, novelas de TV, músicas, livros e jornais. Em lugar de notícias, alguns periódicos passaram a dar receitas culinárias. A Imprensa foi impedida de noticiar acontecimentos que denunciassem ou minimamente indicassem algo que viesse a demonstrar desvios de conduta dos participantes do chamado “governo revolucionário”.

O que os militares denominaram de Revolução foi basicamente um golpe de estado realizado pelas Forças Armadas, no mesmo formato que imperou no continente latino-americano durante décadas do século XX, normalmente ligados à direita patrocinada pelos Estados Unidos da América. Em sentido contrário, o exemplo mais famoso de uma revolução influenciada pela esquerda tradicional foi a cubana, liderada por Fidel Castro. Seria por isso que o Fabrício Queiróz teria Tony Montana como ídolo, por ele ser um fugitivo do Regime Castrista? Ou por que ele ter angariado tanto poder a ponto de ser um exemplo de sucesso na seara do crime? Ou a realidade que ele vive espelha exatamente o clima de violência e negação de humanidade ao qual se acostumou na formação da quadrilha da qual participa? Isso explicaria a falta de empatia de seu Chefe direto? Será que tanto ele quanto o Chefe conseguem distinguir entre realidade e ficção?

Eu não sei de quase nada, mas desconfio de muita coisa. Normalmente, por observação. O fascínio por poder dessa turma que atua no governo brasileiro mistura alhos com bugalhos e desvios de conduta com estilos formais que denotam projeções de personagens maiores do que suas ações. É comum se refestelarem no uso de interjeições, palavras de ordens e palavrões. “Fuck” foi pronunciada 182 vezes por Tony no filme Scarface. 37 palavrões foram proferidos na reunião ministerial de 22 de abril de 2020. 29 deles, pelo Chefe do grupo. Apraz aos nossos mafiosos promover atos kitsch associados à riqueza, como pilotarem jet-esquis ou se mostrarem montados a cavalos em público, sobranceiros.

Gostam de alardearem atributos com ares de arrogância e de realizarem movimentos que demonstrem força. Algo como, por exemplo, dizer que tem histórico de atleta e fazer excêntricos “abdominais de pescoço”. Suas atitudes são baseadas em profecias ou restauração de paraísos perdidos, utilização de frases bíblicas que, vez ou outra, vão de encontro a ideais de dominação hegemônica de um País originalmente múltiplo em termos raciais, sociais, religiosos e econômicos como o nosso. Uma pandemia, a saber que provavelmente os eleitos de Deus estariam protegidos contra ela, viria bem a calhar para eliminar parte da população, exatamente aquela que representa a menos interessante para quem deseja um país padrão  ̶  pobres, velhos e doentes crônicos  ̶   tomadores de recursos. Deixaria correr solta a manifestação de sua força se não fosse a intervenção das outras instâncias institucionais.

Associada às iniciativas negacionistas, abominam o Conhecimento e a Ciência. Guindados ao poder pela pregação de seu evangelho particular, buscam desmantelar a Educação e as plataformas de expressão de artistas que exprimam um estilo de vida que destoem de seu projeto. Efetivamente, atacam um outro flanco do ambiente pernicioso que aviltaria o ideal de Pátria sem ideologia  ̶  a Cultura  ̶  na verdade, uma ideologia branca, de viés fascista-miliciano. Não é por outro motivo que propõem liberdade de armamento para a população. Que população seria essa? Minhas filhas, a Marineide, o Seu Zé da esquina, escritores, artistas, religiosos, locutores esportivos? Ou milicianos, que já usam armas com desenvoltura e já participam das máfias que prosperam à sombra do vácuo do Estado?

O Escritório do Crime de Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, constitui um desses grupos de milicianos. Surgiu inicialmente como matadores de aluguel e, aos poucos, cresceu com a adesão de “de agentes de segurança do estado, entre servidores da ativa, aposentados e afastados. O grupo se imiscuiu em atividades ilegais, como a grilagem de terras, a construção e venda de imóveis sem licença, a extorsão de moradores e de comerciantes e o controle e cobrança de serviços essenciais como água, gás, luz e transportes públicos. A quadrilha também negocia permissões para que candidatos possam pedir votos nas áreas que domina. Só faz campanha ali quem paga pedágio”. Não duvido que possa ter se tornado, de fato, em reduto de votos de simpatizantes da milícia, como a famiglia que está em Brasília, ao molde dos antigos “currais eleitorais” da política brasileira, em que se colocavam eleitores em cercados até serem liberados para a votação. Os modernos currais se expandiram pelas redes sociais, armados de fake news, lançadas alegremente por uma fake elite e robôs pagos a soldo por empresários fakes.

Adriano Nóbrega, ex-capitão do BOPE, líder do grupo miliciano Escritório do Crime, em 2005 foi homenageado em projeto de resolução proposto por Flávio Bolsonaro, então deputado do PP, com a Medalha Tiradentes, a mais alta honraria da Assembleia Legislativa do Rio, arquivo vivo no caso da morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Depois de permanecer escondido com a ajuda de políticos e outros criminosos, está morto. Sua esposa, sumiu. Sua mãe, que foi assessora do mesmo Flávio, desapareceu. Fabrício Queiróz, amigo de 30 anos de Jair Bolsonaro, operador financeiro do grupo chefiado por Flávio, foi preso há pouco, na casa do advogado da famiglia. A amizade com Adriano “se formou dentro da Polícia Militar do Rio. Em 2003, os dois amigos participaram de uma ação da PM na Cidade de Deus que resultou na morte de um técnico de refrigeração. Há 17 anos, esse caso se arrasta entre a polícia e o Ministério Público, à espera de uma conclusão”. A ajuda de políticos poderosos tem preservado Queiróz de não ser punido. Sua esposa, Márcia, é fugitiva procurada. Não sei se o Santo Tony Montana, mesmo que com armas em punho, poderá ajudá-lo nessa etapa em que os soldados devem sumir ou se calar para o bem da segurança do Chefe e subchefes.

*As informações factuais deste texto foram amealhadas através do Wikipédia, órgãos de Imprensa como G1, Revista Época, El País, noticiosos de rádio, TV, YouTube e por observações e vivências pessoais.