Brumadinho

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Há uma Rua 2 em cada lugar do mundo…

Estar em Brumadinho foi um dos eventos mais felizes do ano passado, já no final de seu percurso. Reunimos a família e lá fomos para as Minas Gerais, que conhecia apenas por pequenas incursões em algumas cidades por ocasião das minhas atividades profissionais. O objetivo principal, além voltar a reunir a família em um mesmo tempo e espaço, era o de conhecermos o maior museu a céu aberto do planeta: Inhotim. Nele, a Natureza, bela e variada, em arranjos únicos de composição, se apresenta junto a incríveis criações artísticas humanas, em um contraponto que só posso classificar como uma experiência de imersão em realidade paralela.

De Minas, gosto do povo, admiro seus escritores, amo Drummond, venero Guimarães Rosa. Sou fã de músicos e compositores como João Bosco, Milton dos mil tons e da turma do Clube da Esquina.  Considero Minas o Estado que poderia exemplificar várias das melhores características do povo brasileiro – sobriedade, simpatia discreta e desconfiada, olhar de avalista de joia preciosa. Insulado por suas montanhas, o mineiro apresenta um vasto mar interiorizado para onde navega quando quer se recolher.

Em Brumadinho, tivemos contato mais de perto com os donos da pousada onde nos hospedamos – Rozângela e Luciano. Pessoas exemplares, com clareza de ideias, maturidade de sentimentos e saudade permanente do filho na França. Todos os dias, os via conversando através de mensagens, via imagens ou voz, com a parte de seus corações que estava do outro lado do Atlântico.

Certo dia, saímos para encontrar uma das muitas cachoeiras da região. Em dois carros, nós sete andamos por vários caminhos, ladeados por cercas das mineradoras por quase todos os cantos. Chegamos à vila junto ao Córrego do Feijão, com a informação onde haveria uma queda d’água. Véspera de Natal, descobrimos que seria difícil chegar a alguma das corredeiras por ali. Tentamos nos informar com alguns homens que estavam na pracinha quase em frente a Rua 1 com a Rua 3. Havia fotografado a placa da Rua 2 (nome do meu livro de contos) a uma razoável distância dali.

Achei engraçada essa aparente incongruência em que os números estavam tão afastados uns dos outros, em travessas que saíam da via principal. Coisas poéticas de Minas. Apesar de tentarem ajudar, os informantes pareciam confusos, como se não conhecessem o local. Talvez estivessem apenas gostosamente bêbados. Não tinham ideia do que lhes ocorreria dali a um mês. Cervejas nas mãos, vida mansa, dias previsíveis…

 

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Restaurante fechado

Decidimos buscar o outro lado da cidade, em direção à Aranha. Deixamos aquele espaço para trás – um antigo casarão, transformado em restaurante que fechou, casas, pousada, a igrejinha local, pequeno comércio de portas descidas e dois botecos abertos – sem imaginarmos, nós e eles, o drama que se avizinhava. Porém, apesar de previsível, já que estavam estabelecidas todas as condições para o horror que ocorreria, a vida seguia seu curso de rio limpo.

Atravessamos a região, em busca da cachoeira perdida. Sem conseguirmos, acabamos decidindo comer algo no Bar do Jiló, na esperança que na véspera de Natal estivesse aberto, contra todos os prognósticos. Quando nos aproximamos, carros parados junto ao bambuzal e à uma precária cobertura, denunciaram que ele estava servindo o seu famoso peixe frito. Seu João Jiló – antigo vendedor de verduras e hortaliças – nos atendeu com a simpatia de homem gordo que era.

Cenário de fundo, as águas do Paraopeba apresentavam um tom barroso. Disseram que era resultado do uso das suas águas pelas minas de ferro da Vale. Ao buscar refrigerante no barzinho, acompanhei três homens subindo em um barco para pescarem. Ao me virem, mesmo sem me conhecerem, convidaram para a empreitada. Respondi que não teria tempo. Além do que, se há algo que não vejo nenhuma graça é ficar horas e horas à espera que um bicho escorregadio, como o peixe, fisgar o anzol. Partiram contra a correnteza, munidos de natural coragem e cervejas…

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O Paraopeba, já enlameado antes do vazamento

Descobrimos com casal Gontijo que o nome Brumadinho deriva da cidade ao lado, conhecida como Brumado que, aliás, tem outro nome oficial, ao qual não me lembro. A origem se deve às constantes brumas que caracterizam a região. Após passarmos momentos descontraídos com os Gontijo, Jiló, sua filha e cachorros de rua que ficaram aos nossos pés e alimentamos com carne de peixe sem espinho, as meninas voltaram para o ROZtel. Eu e a Tânia, fomos a um supermercado para buscarmos itens para a ceia de Natal. Até retornarmos para São Paulo, dois dias depois, pudemos vivenciar o bom clima, o ar puro, a vida pacata de uma cidade privilegiada por abrigar pessoas de grande qualidade. A benção daquelas montanhas é também sua maldição. Isso vale para Minas Gerais inteira.

Mesmo a uma boa distância física do fato do dia 25 de janeiro, o que aconteceu com os mineiros de Brumadinho, nos atingiu igualmente. Foi uma parte do corpo brasileiro que foi invadido por todo aquele excremento. Gerações de políticos, de todas as orientações ideológicas, participaram desse concerto macabro. Não há o que consertar. O que aconteceu não tem remédio. Nós devemos lutar para que esse terror seja a base de sustentação para a revisão de nossos valores como nação. Devemos reavaliar nossas prioridades. Sem isso, a alternativa é que voltemos a chorar muitas mais vidas perdidas por pura ganância, materializada por contribuições para parlamentares e bônus de executivos sujos de sangue.

 

Por Rozângela Gontijo – Com a morte/lama na alma

“A morte de um ente familiar/amigo abre um buraco em nós. A morte de tantos, milhares de entes, pessoas, animais, plantas, pedras e rios deixa um abismo. Essa sensação abismal de morte/ausência/desaparecimento é uma das piores do mundo porque não pode ser representada. É a manifestação de um Nada absoluto. Como fazer o luto de um rosto que não se pode imaginar/pensar nessa grandeza de tantos, tantos, tantos que se infinitam? A imaginação não dá conta, o pensamento se perde e o Nada absoluto se revela no sentimento mais terrível para o ser humano: a angústia. A angústia é o sentimento do terrível inapresentável que sobrevém em nós e tudo que podemos ver é essa lama que inundou nossa alma.”

 

 

 

BEDA | 82% Jogam

Jogos
Distração ou vício?

Trem do Metrô lotado. Pescoços que, se girarem para esquerda ou para direita, desembocariam em bocas vizinhas. Metido meio de lado entre corpos, fico de frente para a tela do monitor da TV Minuto. Até que surge a manchete: “82% dos brasileiros jogam no celular”. Seria um enunciado que indicaria certa generalização, mas mesmo desbastados os números parciais, é um dado que surpreende.

A minha irmã joga muito. Conheço um ou outro que também passa parte do seu tempo a ir e vir no sentido de lugar nenhum, mas para avaliar melhor esse índice, levantei alguns dados. 92% dos lares ou 138 milhões de pessoas, têm celular. Dessas, 116 milhões, estão conectadas à Internet – um pouco mais de 50% da totalidade dos brasileiros, estimados em 210 milhões de habitantes. Assim, os proclamados “82% dos brasileiros que jogam no celular (com Internet) constituem cerca de 95 milhões de usuários.

Restam outras questões. Os jogadores jogam um jogo ou outro, de vez em quando? Ou jogam o tempo todo? São viciados, à ponto de deixarem de fazer qualquer coisa para continuarem a jogar? Quaisquer que venham a ser as respostas, pela inferência que faço, atingiremos uma proporção muito grande, ainda que não haja exatidão nos números. Eu devo ser um daqueles (poucos) que não jogam nenhum jogo em celular. Desde o começo, os utilizei como instrumentos de comunicação e veiculação de conteúdo para as redes sociais. Talvez, nesse quesito, tenha me excedido um pouco. Um outro jogo…

Confesso que houve um período, durante o primeiro ano do Segundo Grau, que cheguei a pular os muros do CEPAV* para jogar Fliperama e Pebolim com meus colegas de classe, mas durou apenas aquele ano passado entre meus pares da sala exclusivamente masculina, separada da outra, de meninas. Experiência mal sucedida, que tornaram as duas classes um pesadelo para os professores. Atualmente, os jogos estão ao alcance de nossas mãos.

Dessa forma, um artigo de comunicação acaba por estabelecer a incomunicabilidade como item primordial de sua utilização. Afinal, jogar contra a máquina desenvolve a capacidade de… isolar as pessoas. Há jogos que podem ser jogados por dois jogadores no celular. Mas eles estarão distantes, apesar de conectados. A avalanche de tecnologia se mostra ineficiente para estabelecermos uma sociedade igualitária e comunicativa, nos alienando – de ideias, propósitos e ações efetivas. Nunca a solidão foi tão escancarada.

É bem possível que, nas próximas eleições, a tendência do brasileiro em jogar esteja exacerbada. Cansados dos políticos profissionais, os eleitores-jogadores apertarão botões na busca de conquistar pontos para vencer, a se importarem com propostas “de vencedores”. Aliás, esta eleição está a parecer certo jogo de cartas – Truco. Os candidatos gritam muito a cada jogada, sem nenhum propósito a não ser acabrunhar o adversário. Na pesquisa que realizei, um dos enunciados proclama uma defasagem de números – contra os 92% dos lares com celulares, somente 66% apresentam saneamento básico. Essa inversão de valores reais é mais uma amostra do resultado de nossa jogatina política, já há muito tempo, em que todos nós perdemos.

*Colégio Estadual Padre Antônio Vieira, em Santana – São Paulo.

Participam do BEDA:  Claudia — Fernanda — Hanna — Lunna — Mari