Notas Sobre A Vida Em Janeiros Passados

SOBRE OS JESUÍTAS (2019)

Este painel se encontra à esquerda do saguão de entrada da Casa de Portugal. Mostra o jesuíta português Manoel da Nóbrega entre os gentios da terra, em postura de força impositiva, apesar de apresentar, humildemente, os pés descalços. Se visitarmos um estabelecimento oficial espanhol em São Paulo, lá encontraremos a figura do espanhol José de Anchieta, a catequizar os nativos dos Campos de Piratininga. Oficialmente, os dois jesuítas foram os responsáveis pela fundação desta cidade que hoje completa 465 anos de nascimento, na inauguração da choupana que servia de escola e moradia. Por uma confluência de fatores, São PauloSampa, para os íntimos — tornou-se o que é. Qualquer definição que se dê a ela, em pouco tempo deixa de ter sentido, pois a metamorfose permanente é seu único traço definitivo e definidor. Em São Paulo nasci, vivo e espero morrer, a saber que já fui muitos e serei outros tantos até o fim — quando dispersarei meus átomos por esta terra que me formou.

SOBRE IMAGEM (2019)

Subo ao coletivo, passo a catraca, me sento junto à janela, a qual deixo entreaberta para sentir o vento e me refrescar neste dia quente. Começo a suar mais do que devia e percebo que a janela do meu lado estava fechada. Imaginei que tivesse acontecido pelo movimento do ônibus. Voltei a abri-la. Mais alguns minutos, a vejo novamente fechada. Estranhei e olhei para o banco de trás, onde havia uma moça que sorriu amarelo e murmurou: “o vento estava bagunçando o meu cabelo…”. Realmente, ela estava com os fios retos postos lado a lado como se fossem desenhados. Sorri de volta, outro sorriso amarelo. Não tive coragem de dizer a ela que a sua maquiagem, devido ao calor, estava escorrendo um pouco…

IN PLANET OF THE APES (2020)

“A primeira foto data de 2014. Treinava regularmente. Faz três anos, justamente em janeiro, que não entro em uma academia. O ritmo de trabalho aumentou tanto que não tive mais tempo para sentir a dorzinha gostosa da atividade física regular. Quando estou em casa, me dedico a escrever ou a realizar tarefas caseiras. Quando subiu a primeira imagem, de seis anos antes, percebi que usava a mesma camiseta — uma das minhas favoritas. Registro feito, não imaginava que a camiseta fosse tão velha. Já o velho, tenta viver um dia de cada vez. In Planet Of The Apes…”. Dois meses à frente, o mundo pararia…

463 ANOS (2017)

Nesta imagem, homenageio a minha cidade. Eu a produzi às 6h da manhã do horário de verão, ao passar pela Ponte da Freguesia do Ó. Quis captar a Lua, em sua fase crescente. Quase não conseguimos percebê-la. As luzes das Marginais roubam a cena, separadas pela escuridão do leito do Rio Tietê. De forma indireta, é uma maneira de reunir símbolos importantes desta metrópole — um rio morto pela poluição, vias de locomoção que estão normalmente congestionadas, luzes que nos confundem em vez de revelar, a beleza dos astros, esmaecida pela fumaça. Contudo, não viveria em outro lugar.

CLIMÁTICA (2017)

E o dia entardece como ontem. Depois de um dia nublado e/ou chuvoso, a luz deu o ar de sua graça sobre a terra paulistana dos quatro elementos e diferentes climas cotidianos.

FILME NOIR (2015)

Ao lado do Hotel Manchete, a Lanchonete E Bilhar Ideal. Com esse aspecto de filme noir dos anos 40 ou 50, já imagino que o cidadão sentado à frente da entrada seja um exímio jogador à espera do próximo “pato” a ser depenado em uma aposta — “bola sete na caçapa do meio!”.

SOBRE O LIXO (2016)

Sem cabeça para ficar… Sem pés para onde ir…

NOTAS SOBRE JANEIRO DE 2022

É bem significativo e nada contraditório (no Brasil) que o Carnaval seja transferido para o dia em que se comemora o enforcamento e esquartejamento de um homem que lutou pela liberdade. Assim como seja tradicional que Judas seja malhado no Sábado da Aleluia por ter cumprido o percurso da Paixão daquele que pregou o perdão.

Prestes a ser comemorado o aniversário da cidade de São Paulo, podemos ver a reprodução atualizada dos grupos de homens e mulheres da terra, nômades se reunindo em coberturas em torno do Pátio do Colégio. A diferença é que há 468 antes, elas eram eficientes por ser o estilo de vida que as comunidades dos originais da terra conheciam. Atualmente, as tendas são moradias improvisadas, a única maneira que os desvalidos da terra encontraram para se abrigarem das intempéries.

Como a conta sempre chega, os não vacinados ou com vacinação incompleta contra a Covid-19 ocupam mais de 80% dos leitos de UTI e Enfermagem, retirando espaço de outros tratamentos. O Negacionismo ocorre em todas as frentes — social, econômica e psicologicamente — o que não impede que a realidade sempre se imponha, não sem muitas dores.

BEDA / Nuvens

Outros tons de cores…
Outros ângulos da luz solar…
Entre as nuvens e a poluição,
poemas visuais se fundem
e se dissolvem
diante de nosso olhar…

Algo de muito perturbador existe em mim
Que prefere um céu nublado a azulado
As nuvens me trazem a ilusão de festim
Enquanto limpo, parece de tempo fechado…

Adriana Aneli / Alê Helga / Claudia Leonardi / Darlene Regina
/ Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Roseli Pedroso

BEDA / Scenarium/ No Mundo De 2020

2020

Soylent Green, que no Brasil foi chamado de No Mundo De 2020 e, em Portugal, de À Beira Do Fim, é um filme estadunidense de 1973, dirigido por Richard Fleischer e estrelado por Charlton HestonLeigh Taylor-YoungEdward G. Robinson. Vagamente baseado no romance de ficção científica de 1966 Make Room! Make Room!por Harry Harrison, que combina dois gêneros – policial-processual e ficção científica – trata-se da investigação sobre o assassinato de um homem de negócios rico. Em um planeta Terra com oceanos em extinção e alta umidade durante todo o ano, devido ao efeito estufa, resulta em poluição, pobreza, superpopulação, eutanásia e recursos naturais esgotados.

No ano de 2022, a cidade de Nova Iorque conta 40 milhões de habitantes. Para alimentar as inúmeras pessoas pobres e desempregadas, existem tabletes verdes chamados de Soylent Green, produzidos inicialmente através da industrialização de algas. Somente os ricos tem acesso a comidas raras, como carnesfrutas e legumes.

Quando um rico empresário das indústrias Soylent Corporation é assassinado em seu luxuoso apartamento, o detetive policial Robert Thorn começa a investigar. Ele de imediato suspeita do guarda-costas do empresário, que alega ter saído na hora do crime. Após interrogá-lo, Thorn vai ao apartamento do empresário e encontra indícios suspeitos, como uma colher com restos do caríssimo morango. Enquanto Thorn persegue o guarda-costas, seu idoso parceiro, Sol, começa a investigar os registros e papéis do empresário morto. Acaba por descobrir uma verdade estarrecedora sobre o tal tablete verde…” (Adaptado do Wikipédia).

Garotos, eu e meu irmão assistíamos em nossa TV preto e branco a filmes de todos os tipos. Os de ficção científica eram os nossos favoritos. Pessoalmente, comecei a gostar também de assistir a filmes europeus, musicais e noirs americanos. No Mundo De 2020, eu e o Humberto vimos juntos. Foi ele que chamou a minha atenção sobre o tema similar, quando o Capitão desdenhou do Covid-19, além de realçar que 90% dos abatidos pela doença seriam cidadãos acima de 60 anos, quase como a dizer que constituíam uma população “descartável”.

O personagem de Edward G. Robinson, emblematicamente em seu último papel antes de morrer, deseja se despedir dignamente da vida e adere a um programa de incentivo a eutanásia de maneira confortável e indolor enquanto revive em imagens cenas do belo mundo natural que existia antes de se tornar quase inabitável por conta do estilo de vida humano autodestrutivo que o levou ao caos.

Fica difícil cotejar o assunto do filme com a questão de os velhos serem considerados, em conjunto, um peso morto, normalmente usuários de programas assistenciais ou aposentadorias “dispendiosas” sem dar spoiler . Não o farei. O que o Capitão vocalizou, de alguma maneira, faz parte do pensamento de muitos que o elegeram. Ainda que muitos sejam igualmente velhos, que segundo discriminou, são pessoas de 60 anos ou mais. Como o dito cujo tem 65, talvez fosse ocaso dele mesmo pensar em se despedir dignamente da função que exerce por falta de condições em conduzir a administração do País.

Na pesquisa que fiz para rememorar os dados do filme sem parecer distante da mensagem que passa, acabei por encontrar várias informações interessantes. A realidade que mostra, de certa maneira, é o padrão da vida real de boa parte da população mundial – poluição, saneamento básico precário (“acostumada a nadar no esgoto”), escassez alimentar, precariedade de moradia, violência e superpopulação. Enquanto uma outra pequena parcela usufrui de uma estrutura impensável para quem está acostumado a se equilibrar entre a vida e a morte cotidianamente.

A chegada do Covid-19 parece tema de filme distópico, atingindo a todos de forma espraiada-generalizada. Porém nos Estados Unidos ela mostra a sua faceta mais grave ao avançar sobre as populações mais pobres, mormente constituídas por hispânicos e afrodescendentes. Muitos não têm planos particulares e não podem ser atendidos como ocorre no sistema de saúde brasileiro – representado pelo SUS – apesar da precariedade por causa dos escassos recursos muitas vezes desviados ou mal utilizados.

O Mundo De 2020 chegou, em muitos dos aspectos mostrados na produção de 1973, no mundo de 2020. Quando garoto, me assustei com as possibilidades tenebrosas que demonstrariam a tendência autofágica do homem moderno. Desde cedo, percebi o quanto caminhamos, por causa do sistema hegemônico que adotamos no planeta, para um estado irreversível de pobreza material de grande parte da população e de pobreza espiritual da parte que abocanha a maior porção dos recursos da Terra. Porque uns não abririam mão do poder que detêm, enquanto despossuídos almejam alcançar o mesmo poder, “decrescer” é um objetivo inalcançável nesta geração. Tenho por mim que se não desacelerarmos conscientemente, certamente seremos forçados a parar…

 

Beda Scenarium

 

Informações e análises adicionais em:
https://medium.com/ver-mais-text%C3%A3o/no-mundo-de-2020-909f3befcee5