Projeto Fotográfico 6 On 6 / Anatomia Dos Passos

De supetão, a Lunna proclamou: haverá “6 On 6”! Mal acreditei que já estaríamos no sexto dia de Novembro, sendo que não faz muito tempo, era 6 de de Janeiro. O que fiz foi produzir os passos de um só dia, o de hoje mesmo, uma segunda-feira em que estou no Litoral Paulista (que a maioria chama de Baixada Santista) para cuidar da casa que frequentamos há, pelo menos, 50 anos. Este é um lugar que me remete a um período importante para mim.

Passando pela antiga região do Ipiranga, vejo que as velhas casas estão dando lugar a empreendimentos residenciais em forma espigões — símbolo da anatomia retilínea e sem graça de uma cidade-monstro-transmutante — que usou uma fórmula de cientista louco. A vetusta chaminé, símbolo do antigo progresso que antigamente até parecia feia, mas atualmente ganha contornos de saudade.

Indo em sentido do Litoral pela Rodovia dos Imigrantes, nome mais do que perfeito, passa-se por Riacho Grande, tão grande que parece um imenso lago. Quando eu o vejo, já sinto um frisson com a perspectiva de encontrar muito mais água logo mais — a do mar de amor de menino.

Logo, descendo pela Imigrantes, os contorlitoral

nos da Serra do Mar nos invade a visão e o espanto devocional a desbravadores que a transpuseram para chegar ao alto do Planalto Ocidental Paulista no qual a cidade de São Paulo (nunca) adormece em berço esplêndido, a 725 metros de altitude. Ainda bela e com o mesmo aspecto que os habitantes originais da terra frequentavam quando eram senhores de toda ela, me emociono pelo simbolismo que apresenta.

Após as curvas que abraçam as laterais do promontório, antes dos tuneis longos que adentram a Serra do Mar vislumbro as linhas das cidades litorâneas ao oceano. O Sol como testemunha. Na sequência, por túneis sinto me intrometer no corpo de um ser mitológico. A Muralha silenciosa ecoa o som dos carros que a atravessam sem a minha reverência que me faz pedir perdão por aquela invasão.

Assim que a série de túneis termina, na entrada que tomamos em direção à Praia Grande, à direita vê-se um pequeno conjunto de casas que formam uma tríade de perfeito sonho de lugar. Marca uma visão idílica, uma imagem para onde fugir a imaginação e ficar.

Na casa da praia volto a ser menino, tiro a camisa, decomponho o ser austero, voltado para as tarefas sérias em série que surgem como se fossem minas plantadas para explodirem aos meus pés. Com o celular deixado de lado, vou ao mar, esqueço de mim e de todos em mim. Converso com as ondas e me remodelo ao som de seus rugidos. Hoje, as águas estavam especialmente revoltas, puxando o meu corpo para mais para dentro, me expulsando como se eu fosse um brinquedo jogado por uma criança birrenta. Entendo a sua força, deslizo a favor da espuma ondulante, branquidade em forma de felicidade.

Participam: Lunna Guedes

Verões

Meu pai, Sr. Ortega, meus irmãos Marisol e Humberto, além de mim, chupando picolé… por volta de 1973.

Na imagem acima, retirada de um registro que estava em um pequeno binóculo desses que não existem mais, estou com cerca de 12 anos. Portanto, há 50 anos antes. Estava na mesma localização que estou agora, junto ao mar que tanto amo. Naquela época, a Praia Grande era a praia dos farofeiros, com as ruas tomadas por ônibus de excursão. Hoje, é uma cidade pujante, cheia de novos empreendimentos imobiliários. A rua da casa onde estou desemboca de frente para o mar. Fica entre a estátua de Yemanjá e Netuno (ou Poseidon), na Cidade Ocian. A depender do gosto pessoal, agradando de romanos a gregos e baianos, as entidades estão bem representadas. Mais novo, era fascinado pelos dois totens, mas enquanto Netuno me atraía, Yemanjá me causava certo receio de me aproximar. Talvez porque não conhecesse profundamente a sua história, talvez porque a fascinação pelas mulheres estivesse associada ao temor em mergulhar no meu amor por elas.

Passado meio século, em meio às águas marinhas, repito os gestos do garoto da mesma forma, mais pesado, mas nem tanto que as ondas não consigam relativizar através de seu poder em igualar a todos. Como não estou usando lentes de contato (já perdi uma no embate com as vagas), míope, em determinado momento comecei a me aprofundar na sensação de voltar às águas passadas, fazendo mover o moinho dos pensamentos que começaram a atravessar a minha mente sem que conseguisse apreender quase nenhum por muito tempo.

Relaxei e consegui vivenciar um sentido de permanência calma em meio ao mar revolto, mas quente. Eram as mesmas ondas da mocidade, como se experimentasse a eternidade. Não foi nova essa experiência de viagem pelos tempos. Cheguei a criar um conto numa dessas oportunidades — Curumim. O importante para é conseguir ter essa integração-acolhimento com o meio aquoso. Em outra ocasião, mais recentemente, escrevi um livro inteiro de crônicas — Curso de Rio, Caminho do Mar — pela Scenarium, em que a interação com o mar me salvou de uma séria crise de ansiedade.

Enfim, ainda sou o garoto que ao caminhar para a praia, ouvia os sapos a coaxarem no mangue hoje ocupado por uma fieira de edifícios. As calçadas em que piso são marcadas com os meus pés descalços com o desenho dos dedos. O Sol é o personagem constante e a sua luz explosiva me alimenta de radiação. Eu preciso disso para continuar a viver os dias asfaltados em São Paulo, com as minhas atribuições profissionais. Voltarei todas as semanas do Verão de 2023. É um compromisso que estabeleci comigo e que espero cumprir. Estou em falta e preciso reparar isso com o garoto e o velho vestidos de calção e maiô vermelhos.

O velho, em janeiro de 2023…

Notícia Velha*

Praia Grande, São Paulo, em 20 de Julho de 2020

Estamos envolvidos no enredo da Pandemia desde meados de março de 2020. Essa marcação seria desnecessária, se o eventual leitor deste texto estiver no Presente. Porém, quem estiver correndo os olhos por estas palavras no Futuro, estará em seu presente sem uma doença que afligiu a população de todos os países, com dolorosas perdas pessoais, sociais, depressão econômica e instabilidade política. Estabelecido o “quando”, cumpre dizer “onde”. Estou no Brasil (ou estive) e talvez quem me leia repercutirá o que leu no meu hipotético futuro em que estarei fora deste território ou, fortuitamente, fora desta dimensão.

Estou no meu Passado alguns dias fora de São Paulo, em Cidade Ocian, na Praia Grande, no litoral que, com o tempo, ganhou o nome de Litoral Santista, por influência da cidade mais importante da região. Quanto ao tempo, me refiro à importância que este local representa em minha história pessoal. É como se o que experimentei aqui tenha sido tão forte que retorno às vivências ensolaradas e delas me alimente no Presente, mesmo neste dia frio de julho. Aproveito o tempo para ler, escrever e fazer exercícios localizados (músculos superiores), ciclismo e caminhada. Estes últimos, com o uso de máscara, atento que estou ao contato com os aerossóis. 

Você, do Futuro, que talvez não esteja entendendo ao que estou me referindo, saiba que o contágio pelo Novocoronavírus podia ocorrer de variadas maneiras pelo ar, no contato com objetos infectados (infimamente) e, principalmente, no contato físico próximo (sem o uso de máscara). A depender do futuro que esteja vivendo, o uso de roupas impermeáveis ou objetos similares já é uma realidade para uma parcela da população, a se considerar que as diferenças sociais não terão sido superadas, como é, aliás, característica intimamente ligada às sociedades humanas, permanentemente.

De certe maneira, o que na Índia milenar tornou-se o padrão na formação de sua sociedade a divisão em castas foi reproduzida pelas sociedades modernas, principalmente nas Capitalistas de forma mais premente, mas também naquelas que buscou adotar o Socialismo como caminho. Eu deverei morrer sem ver alguma mudança para melhor no meu País com relação a essa questão. Não ajudou em nada a eleição de um sujeito despreparado, sub-reptício e claramente propenso a não cuidar da sua nação em que existe, na verdade, a vontade de radicalizar as diferenças.

Incisivamente, percebo que no segundo ano de seu mandato, o Ignominioso investe no quanto pior, melhor. Desconfio que as falas toscas que caga por sua boca visa provocar a situação em que ele se sente mais à vontade a desorganização, a mentira e o engano a confusão, enfim. Mas não apenas por palavras, mas também com ações, o Ignominioso busca aplicar exatamente o plano que alardeou na campanha o desmonte de todo o sistema de suporte à população em estado vulnerável, a invasão da Amazônia por motosserras e a liberação indiscriminada de garimpos nas reservas indígenas. A chegada da Pandemia de Covid-19 para ele foi praticamente um bônus que aliviou o caixa do INSS no pagamento de muitas aposentadorias com o “cancelamento de CPFs” (numa expressão comum entre os milicianos como ele) em massa de idosos.  

Há a chance da chegada da vacina antes do previsto, até o final de 2020. Se pudermos manter o distanciamento social, o uso constante de máscara (apesar do capitão de milícias a tê-la como símbolo de oposição à sua diretiva) e álcool em gel regularmente, nós poderemos iniciar uma vacinação no início de 2021. O que me preocupa é que a capacidade de produção mundial de imunizantes é de dois bilhões por ano. Seria importante haver a aquisição o maior número de doses possível para que, com o tempo, possamos atingir a imunidade vacinal em vez da tese ridícula de imunidade de rebanho por contágio propalada pelo Governo Federal, o que levaria a centenas de milhares de mortos.

Sozinho, refugiado na casa da praia, sem poder ir às águas do mar que tanto amo, mesmo neste frio de inverno, fico a viver um humor pendular ao sabor das notícias cada vez piores que prevê que cheguemos a incríveis 90.000 mortos até o final do mês. Estamos sem ministro da Saúde e não sei que pessoa séria assumiria a pasta neste governo inoperante e sinistramente adepto de uma política negacionista que poderá levar o Brasil a um estado de indigência planetária.

*Texto de 20 de julho de 2020, que deixei de lado por achar cansativo ao repisar assuntos repetitivos. Quase um ano depois, não perdeu a atualidade. É como se estivéssemos presos num Limbo.