11 / 12 / 2025 / Sobre o Tempo

Quando digo que tento viver um dia de cada vez, muitos poderão argumentar que devemos planejar o Futuro e, por isso, a nossa cabeça não deve ficar totalmente presa ao Presente. Ora, não vejo melhor maneira de estruturar o Futuro do que vivermos o Presente da melhor e completa maneira possível. A cada passo que dermos no bom caminho, agora, nos conduziremos para a melhor chegada, lá adiante. Como o que ocorre conosco nos dias que correm, é consequência direta do nosso Passado. Quando coloco “Presente”, “Passado” e “Futuro” entre aspas o faço porque o “Tempo”, para mim, é relativo. Eu diria até que o “Tempo” não existe, pelo menos da maneira que o estipulamos, medido em números. O que chamamos de “Tempo” diz mais respeito aos efeitos dessa contagem de números sobre a nossa matéria, o que, nesse caso, chega a ter certo fundamento. Porém, relaciono o “Tempo” mais a um estado mental e, dessa maneira, os três ”tempos” se confundem. O nosso ”Passado” apenas nos explica o “Presente” e o nosso “Futuro”, acontece agora.

05 / 12 / 2025 / Conversa Entre Nós (O Eu Atual E Do Futuro) Sobre O Passado

” — Obdulio, eu, aqui do Presente pergunto a você, no Futuro: se lembra de como conhecemos a Tânia?

Dois ou três anos antes de nos casarmos, sequer sabíamos de sua existência. Fico imaginando se, depois de tanto tempo, ainda estejamos juntos. 

Ela veio com a nossa prima Vanir e outra amiga de Volta Redonda, onde vivia, para fazerem testes de admissão em hospitais de São Paulo. A querida Vanir era filha da branca Tia Ermelinda, com o nosso tio Manoel, preto. Eu sempre achei a história dos dois, incrível — aos 12 anos de idade, ao chegar ao Porto de Santos, vinda da Espanha com a Vó Manuela e nossos outros tios, ela se assustou ao ver o primeiro homem preto de toda a sua vida. Talvez, um estivador. Quando viva, a tia me disse que aquele ser lhe pareceu impressionante.

E como era impressionante o grande Tio Manoel. Não sei se ainda se lembra, mas ele trabalhava na Siderúrgica Nacional e se distinguia pela inteligência, apesar da formação educacional precária. Eu gostava de ficar ao seu lado a ouvir histórias quando visitava aos tios e os primos, todos muitos bonitos e enormes. A prima Vanir me adorava e quando me apresentou à Tânia, se referindo à minha eventual beleza e personalidade, esta revelou mais tarde que chegou a rir por dentro. Aquele sujeito que nós éramos, de cabelos desgrenhados, a usar camisas postas ao contrário e de atitudes um tanto ríspidas… não era bonito e muito menos interessante. Ao vê-la, não me lembro e não sei se você se lembrará — já que a nossa memória é um tanto randômica — de emitir alguma palavra. Talvez tenhamos grunhido algo. Com certeza, aquela magrela com voz de taquara rachada não chamou a nossa atenção. Em maio deste ano, completamos 36 anos de união familiar oficial.”

Foto: arquivo pessoal (2012).

11 / 10 / 2025 / O Arco Do Tempo*

desço os olhos para as linhas que desenham
rostos e paisagens em fotos de décadas
repassadas em cores e descores
cumpro o destino da flecha atirada por Chronos
personagens dos quais sou um
e mais nenhum
papai vovô irmãos
sonhos em desvãos
que nunca foram realizados
os meus indecifráveis
vivia fora do mundo aceitava
sem sorrisos que cedo morreria
quase obsessão aos 33 de Cristo
aos 40 de John aos 27 de Morrison
sempre haverá quem morra jovem
em cada uma das idades
aos borbotões a toda hora
ainda não foi a minha agora
se for antes dos 80 morrerei contente
não sei de amanhã vivo o presente
lembro que vovô me amava
me achava inteligente
antes de partir cuidei dele
banhava o ajudava a comer caminhar
pedi perdão porque sabia que não cumpriria
as suas ambições não queria ser homem importante
influente intendente industrial comerciante
buscava ser simples despojado pés no chão
me sentia desmembrado desmemoriado
de um passado que sabia existir
vidas passadas realidades não alcançadas
já entendia que o futuro não contava
mas ainda cultuava a esperança um país diferente
múltiplo raças misturadas riqueza distribuída
hoje morro todos os dias às vezes de hora em hora
a grandeza desmesurou-se em sentido contrário
nos apequenamos repugnantes ruminantes
de mentiras e contradições
dos templos ocupam-se os vendilhões
crenças transformadas em crendices
fé em feitiçarias em salões dourados
em palácios de mandatários
estamos nos finais dos tempos
mais um tempo de finais
no eterno ciclo de decadências
e de mercados baratos na venda de consciências…

*Poema de 2022, aos meus 61 anos…

09 / 10 / 2025 / Librinando

Os registros que aqui aparecem foram feitos ontem, na Cidade Ocian, Praia Grande, hoje considerado o segundo maior município da Baixada Paulista que, devido à influência da cidade de Santos, é mais conhecida como Baixada Santista. Fazia 17ºC e chovia intermitentemente. Ora com um chuvisco, ora mais intensamente, a tamborilar uma canção fora de ritmo. Saí de bicicleta mesmo assim, como fazia quando mais novo. Recebia a água no rosto como se fosse uma benção natural de quem estava livre de qualquer julgamento na cidade de pouco movimento que se escondia do frio úmido. A faixa de areia estava vazia e o Mar me convidava a visitá-lo mais tarde. E assim o faria.

Vestido com a minha sunga escura, naquele tempo chuvoso, devia causar um certo assombro em quem me olhava passando descalço. Como estava sem óculos, apenas imaginava que assim fosse. Aliás, a minha rua estava vazia de pedestres e um carro ou outro passava para acessar a avenida junto a praia. Cheguei à faixa de areia que umedecida, guardava o registro de estrelinhas feitas pelos pés de pombos solitários, além de pegadas de cães vadios que passearam antes que eu chegasse. Pensei que fosse o único a estar por ali, mas um grupo de adolescentes marcavam a sua presença festiva, brincando na chuva enquanto outros quatro estavam no mar brincando nas ondas, assim como eu faria dali a pouco. Mais alguns metros mergulhei na minha infância. O Mar estava agitado, com ondas a configurar desenhos diversos, que se faziam e se desfaziam em segundos. Mesmo nos dias em que o Sol se mostrou abertamente, não havia me divertido tanto. Por quarenta minutos, me senti pleno. Estar ali foi o meu presente que levaria dentro de mim.

A minha intenção era ficar hoje também por lá, sozinho. Comemorar o meu aniversário comigo mesmo, além do mar, ondulando, mergulhando, trocando confidências com Iemanjá. Estar na água me recompõe a mente, me ilumina a alma. Naquele dia nublado, úmido e frio eu me senti aquecido e quase adiei a minha volta à São Paulo. Mas decidi estar com a minha família, dando a sexagésima quarta volta em torno do Sol, completado às 2h da manhã. Tenho ouvido muito um antigo compositor cearense que dizia que nada é divino, nada é maravilhoso. Mas a sua franqueza negativa apenas mostra o avesso da realidade múltipla da vida. A cada mergulho, lavo o nosso presente em minha pele e reconstruo o meu passado. Chego aos 64 ainda curioso sobre o que a existência tem a me apresentar.

11 / 08 / 2025 / BEDA / Os Presentes

Da esquerda para a direita, temos Ingrid, Tânia, Lívia (com a Bethânia no colo), eu e Romy, a primogênita.

Ontem, foi Dia dos Pais. E eu sou um deles. Se alguém me perguntasse o que poderia me definir como homem, o fato de ser pai é o que mais se aproxima de como gostaria de ser reconhecido. Sou escritor, mas a minha história como pai tem sido muito mais desafiadora do que construir uma narrativa de qualidade. A ficção é mais fácil de ser desenvolvida do que a realidade cotidiana de cuidar de filhas num mundo em que as mulheres são tratadas como cidadãs de segunda classe, ainda que muitas sejam protagonistas de conquistas relevantes.

Como são as minhas filhas, em certo sentido. Elas são unidas, talentosas, bem sucedidas em suas atividades e, principalmente, boas pessoas, com uma visão progressista e solidariedade social com os despossuídos. O meu maior presente foi estar com elas num almoço gostoso e alegre. Considerando a roda viva que vivemos, foi um momento especial e memorável.