15 / 10 / 2025 / Professar

Eu professo. Não como profissão, ainda que seja uma profissão de fé no espargir do conhecimento. Sempre que posso, tento transmitir o que sei, o que aprendi, mas não deixo de conjecturar que seja uma imposição de “saberes” aos quais a quem atinjo com a minha suposta sabedoria não requerida. Fico pensando que o meu entendimento possa ser mal compreendido como algo supérfluo. Ou que eu mesmo o transmita de modo a parecer uma imposição. No entanto, há professores que agem com arrogância por atingir um patamar de conhecimento certificado. Antes, eram tratados como semideuses em uma sociedade que respeitava o estudo. Ao mesmo tempo, com o passar dos tempos e as mudanças sociais e tecnológicas, há quem olhe para o estudo como algo anacrônico numa época em que o acesso à Internet transformou as relações de acesso ao “saber” imediato.

Algo que é mais recente, a IA, em menos de dois anos revolucionou a identificação da realidade com a possibilidade de certo grau de ficcional. Se tudo é possível, quase nada possa ser afiançado como verdadeiro. Distinguir entre o que é relevante e o que não é num cenário que passa a ser suspeito de manipulação, ultrapassa os limites aceitáveis de estabilidade social em que as disputas políticas atingem níveis extremos de radicalização. Ou seja, as versões ganham patamar de suspeição de lado a lado. O conhecimento perde valor dessa maneira, porque é manipulável como, aliás, sempre foi. Apenas que a manipulação atingiu um nível de ciência nunca antes alcançado. Ou seja, chegamos ao paradoxo de que desenvolvemos tanto conhecimento tecnológico que, num apertar de botões, podemos torná-lo obsoleto como meio de vivenciarmos a realidade.

Como me chamam de um sujeito professoral e que, em última instância seria a profissão pela qual gostaria de ser reconhecido — Professor — homenageio àqueles que têm a dura tarefa de transmitir a seus alunos as condições necessárias para que possam escolher o caminho que queiram tomar entre tantas variantes atraentes, mas suspeitas de serem insatisfatórias para as suas vidas.

Foto por Pixabay em Pexels.com

04 / 08 / 2025 / BEDA / O Dia Seguinte

Tentei me lembrar do dia seguinte em que pela primeira vez estive com uma mulher, a própria mulher com a qual vim me casar. Ocorreu há 38 anos antes e estava a dois meses de completar 27 anos. Certamente sou um caso raro de homem que se preservou até encontrar alguém com quem quisesse ficar. A história por trás de ter deixado de ter experiências sexuais anteriores é plena de oportunidades que evitei que acontecesse. Os motivos foram tantos quanto subjetivos, alguns que até esqueci, mas o maior era o medo que eu tinha de me envolver e envolver outra pessoa com todas as minhas idiossincrasias, devidamente consideradas fora do comum. No dia seguinte estava frustrado com o meu desempenho na ação propriamente dita. O que buscaria resolver com uma maior assiduidade na prática. Claro que isso acabou por desencadear na notícia da gravidez da Tânia. Usávamos a chamada Tabelinha, que deu certo por três meses.

A minha expressão pessoal era avessa à realidade imediata das pessoas com as quais convivia. Tinha comportamentos esquisitos, ouvia músicas incomuns como Jazz ou instrumental clássico e menos fora do comum como a MPB de Caetano, Chico, Gil, Jards Macalé, Ivan Lins, Djavan e outros tantos alijados da realidade da Periferia. Tinha o hábito da leitura compulsiva. Fazia o Curso de História, na USP, mas planejava passar para o de Português já de olho na possibilidade de me tornar escritor. Certamente seria Professor, mas ao mesmo tempo vivia em choque com o Sistema que impõe um “jogo de cartas marcadas” no qual que não queria ingressar. Mas como já disse Vinícius: “a vida tem sempre razão”.

Em três meses, a minha vida tomou um rumo diverso do que havia imaginado, mas que hoje abençoo. Aliás, se há uma postura que não adoto é do jogo do “Se“. Se isso ou aquilo tivesse acontecido deixo apenas para as histórias que crio como escritor, somente como expediente no desenvolvimento de temas mais intricados, dadas as “realidades” possíveis. Cheguei a este quadrante satisfeito com o rumo que acabou por encetar a minha vida.

Vila Madalena / O Carlos

– Me paga uma cerveja?

Levanto os olhos do meu computador, onde escrevo o meu novo artigo e vejo Karl Marx… ou alguém muito parecido. A luz que vinha da janela do bar onde, num canto, eu tenho uma mesa cativa quase debaixo da pequena escada caracol, lhe emprestava uma aura de eternidade. Não o conhecia, mas lhe indiquei a cadeira à frente, sempre vaga para os meus encontros profissionais ou amigáveis. Chamei à Cíntia com a mão e pedi para que lhe trouxesse uma caneca com uma cerveja que eu gostava, artesanal.

– Bom dia! Como você se chama?

– Ah! Bom dia! Desculpa a falta de educação! Fico assim quando estou com fome… Meu nome é Carlos

– Quer comer alguma coisa?

– Oh, não! A cerveja já me basta como alimento… O senhor é escritor?

– Nada de “senhor”! O meu nome é Francisco. Sou escritor, sim…

– Desculpa em interromper o seu trabalho. Eu o vi de fora e fiquei fascinado por sua “ausência”. Como se fosse um pianista executando uma partitura em seu momento de transe.

– Gostei da sua imagem. Também escreve?

– De outro modo. Sou compositor, mas atuo apenas como músico. Lançar composições autorais no mercado do jeito que está – concorrido e parcial – é só para os mais fascinados pelo sucesso comercial… e que não se importam em fazer concessões. Prefiro tocar em barzinhos…

– Que instrumento toca?

– Baixo, guitarra, violão… o que estiver precisando.

– Sabe o que é interessante? O meu artigo é sobre a letra de uma música. Não é o caso de decifrá-la, mas interpretá-la. “O Quereres”, do Caetano

– Eu amo “O Quereres”! É quase perfeita! Dentre os vários versos, há um que até entendo o que Caetano quis dizer, mas não acho que não sejam tão opositores assim…

– É? Qual passagem?

– “Onde queres família, sou maluco / Onde queres romântico, burguês”…

– Por que, não?

– Olha, só um doido para querer formar uma família nos dias de hoje… E o romantismo é uma criação burguesa. Surgiu no Século XVIII, com a Revolução Francesa, ascensão da burguesia, da liberdade individual. Nada mais burguês, já que não estar preso às convenções é algo apenas reservado às classes econômicas mais aquinhoadas, que não precisam seguir regras. Já estão com a vida ganha… Trabalhador não pode transpor certos limites…

– Você fala bem… como um professor…

– Ah, não queria parecer professoral. Já dei aula antes de viver como instrumentista. Sou formado em Sociologia.

A cada frase terminada, Carlos pontuava tomando um pequeno gole de cerveja, como se quisesse economizar.

– Você deve andar na corda bamba. Ser professor ou músico não deve ser fácil… Mas olha quem está falando… Tenho que produzir bastante para pagar as contas. Às vezes, trabalho no automático. A dona do bar é minha amiga. Permite que ocupe esta mesa. Disse que dá uma um certo ar intelectual ao lugar. Na verdade, ela gosta da minha presença. Sempre que recebo uma visita, a pessoa se torna freguês.

Um belo rapaz se aproxima da minha mesa e se posiciona ao meu lado. Ao virar o rosto, ele me dá

uma bitoca.

Fala, querido!

– Tô indo para o apartamento, tá bom, Chico?

– Fica à vontade! Berenice está com saudade de você!

– E eu, dela! Ela melhorou das dores nas pernas?

– A mesma coisa… se puder, faça uma massagem nas suas pernas e pés, tá bom? Esse é o Carlos, músico. Estamos discorrendo sobre um artigo que tenho que entregar.

– Olá! Tudo bem?

– Sim! Prazer em conhecê-lo…

Matheus! O meu nome é Matheus!

– O prazer é meu!

– Até mais, Chico!

– Inté!

Trocamos outro beijo leve nos lábios. Logo após a saída de Matheus, Carlos sorriu e perguntou a quanto tempo conhecia o Matheus.

– A vida toda, dele…

Diante do olhar entre espanto e censura, expliquei.

– Ele é meu filho. Ele sempre me chamou por meu apelido. Nos cumprimentamos com selinhos desde que ele era bem novinho. Gostava de beijar todo mundo. A mim, minha ex-mulher… os tios, primos…

– Ele tem um porte atlético! O que faz?

– Estuda Direito. Fica um pouco comigo, um pouco com a minha ex-mulher e o pai biológico dele. Mas é a mim que considera como pai e assim me chama quando quer conversar sobre algo mais íntimo.

– Quantos anos ele tinha quando você se casou com a…?

Ella, com dois “eles”… Estávamos namorando e ela anunciou que estava grávida. Logo, providenciamos os papéis. Eu sempre quis me casar! Apesar de acalentar o sonho de ser escritor, eu trabalhava com comércio exterior, acredita? Ganhava bem… até que…

Inesperadamente, fiquei emocionado. Não esperava que a velha história ainda me tocasse daquela maneira. Mesmo sendo tão clichê…

Matheus tinha 14 anos e percebeu que a mãe estava se comunicando frequentemente com um tal de Raul, como ouviu chamá-lo. Ciumento, me falou sobre ela estar namorando pelo telefone, marcando encontros. Ao interpelá-la, me confessou que estava tendo um caso com o sujeito. Perguntei a quanto tempo. Respondeu que quando me conheceu, tinha acabado de romper com ele. Gostou de mim. Eu parecia ser cara legal, além de estável financeiramente. Achou que talvez o esquecesse… Preciso também de uma cerveja…

Sinalizei para a Cíntia para que nos trouxesse mais duas canecas. Carlos rapidamente tomou o que restava da primeira. Com os seus olhos de pensador alemão parecia me ouvir com um ar de real tristeza, como se fosse um velho amigo.

– Foi então que fez a revelação que me derrubou. Ella havia tentado ainda mais uma vez voltar com Raul. Saíram, foram prá cama e ela engravidou. Quando revelou sobre a gravidez, Raul disse que não se importava… Ela que tirasse! Pai e mãe religiosos, sem nenhuma outra opção, me usou. Foi a melhor coisa que poderia ter feito. Mesmo iludido por considerar Matheus meu filho natural, nunca me separaria dela. Estava apaixonado por minha família. Só ocorreu a separação porque voltou a encontrar a quem sempre amou. Raul havia se separado da esposa, deixando a casa para ela e o casal de filhos, irmãos do Matheus.

– Nossa! Que história! E Matheus, com quem ficou?

– Tivemos que contar tudo com muito cuidado, mesmo porque Raul queria conhecer o menino. Apesar de tudo, era seu direito, assim como era direito do Matheus saber. Mas menti quando disse que sabia desde o início não ser seu pai biológico. Mesmo porque, era estéril…

– Caramba! Até nisso mentiu?

– Sim e não! Sempre tentamos ter outra criança. De fato, era mais um desejo dela do que meu. Após a revelação, procurei fazer um exame que constatou a minha esterilidade. Quando Matheus soube de tudo, ficou desesperado. Disse que queria ser meu filho, não daquele sujeito que nem conhecia direito. Como já tinha 14 anos, apesar dos apelos da mãe, ele escolheu ficar comigo. A Berenice, nossa auxiliar, nos ajudou muito. Com a ausência tanto dos meus pais quanto os de Ella, que morreram quando Matheus ainda era pequeno, ela representou muito bem o papel de avó. Nós a amamos como tal!

– E quando mudou de atividade?

– Quase ao mesmo tempo em que ocorreu a separação. Acho que precisava de uma sacudidela para mudar. Dei sorte de ter conhecidos que me indicaram para a realização de artigos na área de comércio exterior. Gostaram de meu estilo menos pomposo para explicar o funcionamento do mercado, esse ser invisível. Logo, estava escrevendo sobre outros assuntos.

– Que legal! Nunca imaginei que teria uma manhã tão inspiradora apenas porque desejei matar a minha sede! Você é foda, Francisco!

– Pode me chamar de Chico! Nunca havia contado essa história para ninguém de maneira tão aberta! E para quem nem conhecia. Foi a cerveja mais bem paga que banquei! De repente, me senti aliviado!

– Olha, preciso ir ensaiar! Eu vou me apresentar junto com uma cantora ótima, na próxima quinta-feira. Lá no Bar do Pereira, conhece? Vai lá me visitar! E sempre que tiver chance, virei aqui com segundas intenções…

Após engolir de uma vez um pesado gole de cerveja, testemunhei o sisudo Karl Marx a rir desbragadamente. Saiu, caminhando rua abaixo. Há 1 Km, ficava o Bar do Pereira. Vila Madalena confirmou que continuava a ser um país incrível!

Imagem ilustrativa do Bar São Cristovão, na Vila Madalena.

Educador Físico

Eu, de costas, junto com parte de meus colegas no curso do Prof. Luiz Henrique Duarte

Neste julho de 2022, faz 13 anos que iniciei o curso de Educação Física. Estava com 47, quase 48 anos que completaria logo mais, em outubro, e lá foi o quase cinquentão fazer parte de uma turma de jovens que buscavam o sonho de começar uma profissão com a qual se identificavam. Quer dizer, eu era um dos poucos que realmente iniciava do zero o estudo dos fatores que desvendavam o movimento do corpo humano. Boa parte dos estudantes já estavam envolvidos com a atividade física como instrutores informais, com o conhecimento desenvolvido através da atividade prática.

De início, a módulo era o de Licenciatura. Isso me daria a oportunidade de dar aulas em centros educacionais. Mas esse não era o meu objetivo imediato. Dois anos antes, eu tive um episódio de hiperglicemia resultante da Diabetes, só então identificada. Fui parar na UTI, passando perto de morrer, assim como já havia ocorrido com um amigo querido. Através de uma dieta rigorosa, baixei o meu peso, o que foi suficiente para deixar de tomar insulina injetável e passasse apenas à medicação diária de controle.

Assim como quando havia me tornado vegetariano, aos 17 anos, o meu corpo mudou de forma. De 105 Kg passei a 75 kg, desencadeando um processo estranho – eu me assustava sempre que ao espelho não reconhecia o meu rosto. Mais jovem, na primeira fase de emagrecimento, ocorreu o contrário. As pessoas me olhavam assustadas por minha magreza – choque inevitável decorrente da adaptação à nova alimentação – enquanto cria que continuava com o mesmo corpo. Ou seja, havia desenvolvido distúrbio de imagem. Corriam os anos 80, época do advento da AIDS e muitos me olhavam com desconfiança. Não ajudava em nada a minha iniciativa de raspar a cabeça. Alguém chegou a dizer que eu parecia um refugiado de campo de concentração.

Essas experiências me levaram a escolher a Educação Física para compreender os processos metabólicos e as possiblidades do desenvolvimento do corpo através de processos mecânicos propiciados pela atividade física. Porém, eu nunca voltaria à faculdade se não fosse o incentivo da Tânia, preocupada com o meu semblante um tanto tristonho. Decretou que eu estava sofrendo sintomas de “Síndrome do Ninho Vazio”, caracterizado pela perda da função de pai, diante da ausência cada vez mais acentuada das minhas filhas em casa.

Além disso, especulou a possiblidade de que pudesse vir a ganhar muito dinheiro como eventual técnico de Futebol, assim como Muricy Ramalho, cotado na época para um salário de 500 Mil Reais mensais no Palmeiras. Na realidade, as funções exercidas pelo profissional de Educação Física são mal remuneradas em todas as suas vertentes, incluindo a do professor, a não ser que o profissional alcance o reconhecimento como personal trainer ou atue em uma carreira como técnico esportivo de algum esporte popular em um clube de projeção. Isso, depois de muito tempo de atuação e aprimoramento técnico

Normalmente, assim como ocorre até com os médicos em início de carreira, o processo de proletarização das profissões é cada vez mais acentuado. As mudanças no perfil das mais antigas, além do surgimento de novas atividades profissionais tem alterado o mercado de trabalho. A tendência é o do desaparecimento de muitas delas, mas creio que o de transmissor de conhecimento continuará a ser essencial, como se provou na Pandemia. Por isso, já em nos Anos 80, quis me tornar professor, mas de História. Nessa minha segunda incursão, mudei radicalmente ao escolher algo ligado à atividade física. Porém, se enganam os que creem que não seja requerido o uso da mente, do raciocínio, do estudo para isso. Depois dos três anos de Licenciatura, quis fazer o Bacharelado. Estava decidido em terminar a graduação básica. Como qualquer área de conhecimento, o aprendizado nunca termina. Vale para o estudo, vale para a vida. 

Terminei o Bacharelado em 2013. Havia a possibilidade de até exercer a profissão em um projeto que fui chamado a participar, mas no mesmo período aumentou bastante a minha atividade como locador de sonorização e iluminação. Até pouco tempo antes, além de me ajudar a compreender a biomecânica corporal e ter tido contato com jovens que me estimularam com a sua energia, tinha dúvidas do real valor da minha passagem pela faculdade. Até que começou a pipocar as publicações de lembranças em que meus colegas de curso me buscavam para tirar dúvidas em relação às matérias, trabalhos e até passar indicações de estudos. Eu não era o melhor aluno da classe, mas era bom na escrita, estruturação de textos e formulação de trabalhos escritos. Nesse quesito, ajudei a vários dos meus colegas na conclusão do curso e sinto ter cumprido o meu papel.

Outra consequência que observei é que a passagem pelo exercício da escrita, ainda que tenha sido eminentemente técnica no curso de especialização profissional, me proporcionou a retomada pelo gosto de escrever novamente. Dois anos depois, ingressei na Scenarium, Eu me beneficiei do conhecimento adquirido nesse período, o que é mais do que se pode esperar da maioria das coisas que aprendemos ao longo de nossa existência. O estímulo pessoal provocado pelo contato com o pessoal da Educação Física também me ajudou na revitalização de ideias, melhoria na qualidade de vida concomitantemente ao desenvolvimento de consciência corporal. E como já disse Beda, um pensador britânico, existem três caminhos para o fracasso: não ensinar o que se sabe, não praticar o que se ensina e não perguntar o que se ignora. E eu continuo um eterno curioso sobre a vida.

Cauby Peixoto*

Cauby Peixoto, se apresentando no antigo salão social da S.E. Palmeiras, por ocasião do aniversário do clube, em 2005.

Grandioso. Estrela no palco. Protagonista na vida. Voz cristalina, mesmo com o corpo envelhecido e alquebrado. Donde suponho que a sua voz incrível não era daqui. De onde quer que ela tenha vindo, voltou para onde veio… A minha mãe brincava que poderia ter sido o meu pai… Por vários motivos, sabemos que seria impossível…

Mas Deus me deu a oportunidade de estar algumas vezes com ele, ouvindo-o de perto, através do meu trabalho. Uma de suas características era falar bem baixinho quando não cantava, tanto para se comunicar quanto para se fazer ouvir entre as canções. Na ocasião da foto acima, um dos espectadores reclamou que a sua fala estava quase inaudível, ao que respondeu que não era nossa culpa, mas porque ele tinha o costume de preservar a sua voz o máximo que pudesse, a não ser quando cantava. Para ouvi-lo no camarim, tínhamos que nos aproximar bastante devido a essa precaução.

Outro de seus costumes era o de chamar de “professor” a cada um dos colegas de trabalho – incluindo músicos e técnicos – equiparados num título de deferência. Educado e apesar de no final de sua carreira estar perdendo a audição, não saía fora do tom equilibrado. A minha admiração por ele crescia conforme o tempo o debilitava, ainda que mantivesse a excelência no canto. Provavelmente um artista de ouvido absoluto, num projeto do qual participei, observou discrepâncias nos arranjos que estavam sendo montados para os shows. Foi a única ocasião em que o vi se alterar um pouco, ainda que mantivesse a elegância.

Que seja bem recebido de volta às outras estrelas, ao brilho que tentava reproduzir em suas roupas. Obrigado por compartilhar conosco da sua magia, Cauby!

*Texto de 16 de Maio de 2016, por ocasião do passamento de Cauby Peixoto, um dia antes, aos 85 anos.