As Pedras

“Com as pedras do caminho, construirei a minha casa” ou “com as pedras que me atirarem, construirei o meu castelo”. Acho mais pertinente a primeira frase, mais afeita à minha personalidade. A segunda, pretenciosa, ainda que demonstre fortaleza de propósito.

No entanto, não creio que para a Maria Bethânia Ortega, nada disso importe. A Tânia, para cercar a nossa mangueira, em substituição à grama, pisoteada e arrancada pelos cães, decidiu colocar pedras brancas de jardim. Esse visual limpo, parecia ser solução para evitar que a terra fosse escavada pela comunidade canina. Bethânia, simplesmente ficou fascinada por elas. Começamos a encontrá-las dispersas nos mais diversos pontos da área da casa, carregadas pela pequena boca da artista — na cama do casal, na sua própria caminha, no corredor dos quartos, em cima do sofá ou espalhadas pelo quintal.

A Lívia disse que numa das ocasiões, encontrou um desenho triangular, como se fosse uma obra artística ou disposição cabalística. Numa dessas, encontrei três pedras colocadas do mesmo lado, a cada dois degraus. Intencional ou não, de início, eu a admoestava por agir dessa maneira, mas ao perceber que a atração pelas pedras era mais forte do que ela, deixei de falar num tom acusador. Hoje, ao chegar de um compromisso, ela me recebeu com uma pedra na boca. Pensei até que fosse um presente pessoal, mas permaneceu com ela até deixar numa das casinhas.

Pela Internet, cheguei a ver vários vídeos de cães de aparências similares, variações da raça dachshund, que praticam os mesmos atos com objetos diferentes, desde arcos a bichos de pelúcia. Antes, outras coisas sumiam e quando as encontrávamos, estava ou na caminha dela ou dentro dos vasos das plantas, enterrados. De certa forma, talvez esse fascínio pela pedras brancas evite que não suma outras tantas coisas que só venhamos a descobrir tempos depois.

Outra curiosidade é que ela tenha preferência pelo mesmo formato de pedra, mais plana. Se bem que as arredondadas, como são em maior número, também compareçam ao acervo artístico da Bethânia. Essa minha filha já compareceu como tema em meu primeiro livro — REALidade, pela Scenarium — pelo ciúme expresso por latidos sentidos quando acaricio as suas pares da família. Tem um olhar expressivo, uma inteligência incrível, uma postura que comunica os seus desejos de maneira clara e, aparentemente apresenta pendores artísticos e místicos. Ágil, é uma acrobata que anda pelas muretas como se fosse uma gata.

Dada a crença que sejam espíritos em evolução, é bem possível que, assim como outras criaturas da sua espécie, eu volte a encontrá-la em forma humana e possamos interagir com conversas que faria com que a conhecesse mais profundamente. Porque eu não alcanço toda a sua complexidade, mas sei que ela me entende completamente…

Reflexão*

A Penélope comeu e se posicionou junto à porta da sala. Passou a olhar para fora, parecendo contemplar o Sol a rebater nas paredes e no piso do quintal. Talvez refletisse. Naquele momento, quis penetrar em seus possíveis pensamentos e saber se eles iam para além dos desejos imediatos – descansar, parar de sentir dor, dormir – e depois voltar a comer… O que não duvidava é que se me aproximasse dela, simplesmente buscaria as minhas mãos para um toque de carinho…

*Texto de 2017. Atualmente, ela fica a observar e a brincar no imenso quintal do Céu.

O Ovo

Ontem, varria o quintal quando vi restos de um ovinho de lagartixa, bichinho que admiro muito. Fiquei feliz com os passinhos imaginados do Hemidactylus mabouia recém-nascido por nosso quintal, espaço que considero um abrigo da vida, incluindo plantas, pássaros visitantes, aranhas, borboletas e outros insetos. Eu sempre fui fascinado por Ciências e quando criança acreditava que as simpáticas lagartinhas que subiam pelas minhas paredes eram descendentes diretas dos dinossauros. Eu era fascinado pela Origem das Espécies, de Darwin, e as via como representantes ao alcance dos olhos da seleção natural e adaptação dos seres que pululam pelos continentes e oceanos.

Criador de galinhas e amante dos pássaros, principalmente pela capacidade de voar, sonho de todos nós, nunca havia imaginado que esses seres fossem resultado da adaptação daqueles que dominaram o planeta por 160 milhões de anos. O termo “evolução” visto no sentido de aprimoramento é demonstrado cabalmente quando percebemos que o necessário foi feito para que as antigas espécies que aqui viviam, se adaptassem para aproveitar os recursos disponíveis. Se estivessem ainda caminhando entre nós, não teriam chance de continuarem ativos. Um meteoro os aniquilou em pouco tempo, a nossa espécie o faria não tão rapidamente, mas assim como faz com as que se adaptaram às circunstâncias terríveis do clima instável que resultou do choque, certamente ocuparia seus habitats, os matando.

Somos como um meteoro. Nós estamos aqui há apenas 200 mil anos. A força do impacto de nossa presença é equivalente a de um corpo imenso vindo do espaço que colidiu neste planeta de 4 bilhões e meio de anos. Em pouco tempo, extinguimos diversas espécies de plantas e de animais, devastando grandes áreas em terra e no mar. Supostamente desenvolvemos um cérebro com imensa capacidade cognitiva. Contudo, a nossa inteligência parece estar voltada para uma sanha conscientemente destrutiva. Se não for precipitado por algum acidente, deverei morrer até a chegada de meados deste século. E sinto que não verei a nossa espécie evoluir para a cultura de preservação da vida pela simples percepção de sua vital importância para a nossa própria preservação.  

Recentemente, chegaram a mim Elton John e as três Kardashians galo e galinhas garnisés proporcionando uma viagem na minha história pessoal. Diferente de 50 anos antes, desde há muito sei que são descendentes dos colossais animais que caminharam pelo chão no qual pisamos. Eu os vejo não apenas com o respeito que sempre dei a todos os seres, franciscano que sou, mas também por sua história antiga, apesar da conformação recente em termos de características morfológicas. Mesmo porque a adaptação das espécies ao meio é constante. Um pouco mais tarde, li a notícia da descoberta do ovo que abrigou “Baby Yingyang”, fóssil do embrião de um bebê dinossauro perfeitamente preservado. Pertencente ao grupo dos terópodes oviraptorídeos, parentes distantes das aves, a projeção em vídeo de sua existência me emocionou. Hoje, dia de #TBT, não vejo algo que mereça maior homenagem do que a lembrança de uma vida de 66 milhões de anos, ainda que não tenha chegado a eclodir em toda a sua potencialidade.

O bebê YingYang