Quando, pela noite adentro, eu a penetro Não sou eu, nem de longe, nem de perto Eu sou outros, eu sou diversos, eu sou forte É meu tempo, é cedo, é tarde, eu sou a morte!
No corpo dela, eu me recordo, eu me visito Estou em meu espaço, eu gozo, eu grito Também sou eu, sou dela, eu suo, eu me sujo É um mundo de pureza para qual eu fujo!
Assim, eu, ser penetrante pela noite escura Busco de peito aberto, a minha sorte futura Por mim, para mim, com ela, por ela, para ela Para, juntos, amarmos em realidade paralela…
Sábado, normalmente, é um dia de trabalho para mim. E neste último, não foi diferente. Dia 25 de Março, estive em trabalho de parto. Homens também geram do seu “útero”, ainda que inexistente fisicamente, os seus filhos. E isso é uma REALidade. Tinha que ser na Vila Madalena. Eu não acredito em coincidências. Madalena era o nome que a minha mãe preferia nomear-se, mais do que o prenome Maria que também carregava. O seu nome foi dado em a homenagem à Maria Madalena, discípula de Jesus. Uma maldita entre as mulheres, ativista das boas novas. Ela, passados dois mil anos, ainda é motivo de discussões acaloradas por seu papel preponderante e proximidade com o Mestre.
Dito isso, mal dito talvez, esclareço que ser maldito é um característica particular de quem escreve. O escritor é um formulador de orações coordenadas, essa coisa antiquada e quase sem função em tempos de onomatopeias. Nada contra a quem se exprime dessa maneira. Mas é um anátema enviada ao sistema que não estimula a diversidade de expressões e faz crer aos mais jovens, que estão a chegar agora no planeta, que essa deva ser a regra. Ler, escrever, executar operações, como pensar a palavra, estimula o raciocínio, a planificação das ações, a antecipação das consequências. Que governante desejaria isso a um eleitor, por exemplo? Um leitor é, provavelmente, o pior eleitor para os mercadores do templos políticos.
Maldições à parte, bendigo o dia do meu encontro, patrocinado por Edward Hopper, com Lunna Guedes e, por decorrência, com o Marco Antonio Guedes. Eles são os mentores e malditos promotores da Scenarium Plural – Livros Artesanais, selo editorial que engloba seres que acreditam no ato da escrita como uma missão pessoal. Missão, eis outra palavra maldita. Ela está indissoluvelmente ligada à religião e creio que, como escritores que a compomos, religiosamente escrevemos para nos expormos como transformadores-transformados-em transformação. Malditos mutantes, nos unimos para orar orações em louvor aos deuses das Letras.
No Sábado Maldito Na Vila Madalena, compareceram amigos, conhecidos e parentes dos escritores que estavam a lançar os seus filhos, em páginas, à luz do mundo. Os meus companheiros de Scenarium – Aden Leonardo, com “Diário das Coisas Que Não Aconteceram”, Akira Yamasaki, com “Oliveira Blues” e Virginia M Finzetto, com “vi e/ou vi” – além de alguns dos formuladores da Revista Plural Avesso, em caminho conduzido por nosso Mário de Andrade. Estiveram lá, Joaquim Antonio, Marcelo Moro, Claudinei Vieira, Maria C. Florencio, Roseli V. Pedroso, Tatiana Kielberman(minha revisora), entre outros, a prestigiar-nos. Sei que quem não pode comparecer, estava igualmente presente de coração, a torcer para continuemos a cumprir a maldição de escrever – função artesanal e plural – livros de maldições, para o livramento da maldição do obscurantismo urdido pelos donos do Poder.
*Texto de 27 de Março de 2015, gerado a partir do lançamento de REALidade, meu primeiro livro pela Scenarium.
Domingo de Páscoa. O texto a seguir eu escrevi e não publiquei. Deixei numa capsula do tempo para ver como seria lê-lo algum dia. Queria recuperar algum escrito para a postagem deste domingo e eis que me apareceu o que está a seguir, devidamente guardado sob o símbolo do cadeado, com o nome de Notas Sobre Janeiro De 2022. Mudei o título, mas o que percebi é que é tudo tem caminhado muito rápido no atual quadrante brasileiro. A Ômicron assim como surgiu, se foi, como se fosse uma tempestade de verão, deixando o seu rastro de destruição, como a que ocorreu em Petrópolis em Fevereiro. Logo depois, o interesse pela mortandade causada pela incúria da administração pública na fiscalização de moradias em encostas foi substituído pelo início da Guerra da (na) Ucrânia, uma possibilidade indefinível, a não ser para os serviços secretos dos atores do proscênio que “sabiam” que ocorreria.
Para não deixar barato, um parlamentar brasileiro foi até onde ocorria o drama e transformou tudo em oportunidade para desfilar a mentalidade abjeta de uma boa parte de quem tem o poder no Brasil. Enquanto isso, as Forças Armadas buscavam reforçar suas demandas para manter seus armamentos em posição de ataque em alcovas de aquartelados particulares, com dinheiro público. A Pfizer, fabricante do Viagra e da vacina contra a SARS-COV-2, rapidamente recebeu dividendos que durante meses lhes foram recusados pelo último produto e que ajudaria a salvar milhares de vidas caso tivesse tido com a mesma facilidade de aquisição. E estamos apenas no primeiro terço do ano…
“É bem significativo e nada contraditório (no Brasil) que o Carnaval seja transferido para o dia em que se comemora o enforcamento e esquartejamento de um homem que lutou pela liberdade. Assim como seja tradicional que Judas seja malhado no Sábado da Aleluia por ter cumprido o percurso da Paixão daquele que pregou o perdão. Como Abril é pródigo de acontecimentos, dia 22 se completará mais um aniversário de “terra à vista”. Anos mais tarde, após a chegada dos visitantes de pele clara, Pindorama foi invadida por hordas daqueles que construíram uma História de sangue jorrado em profusão.
Prestes a ser comemorado o aniversário da cidade de São Paulo, podemos ver a reprodução atualizada dos grupos de homens e mulheres da terra, nômades se reunindo em coberturas em torno do Pátio do Colégio. A diferença é que há 468 antes, elas eram eficientes por ser o estilo de vida que as comunidades dos originais da terra conheciam. Atualmente, as tendas são moradias improvisadas, a única maneira que os desvalidos da terra encontraram para se abrigarem das intempéries. O choque de uma cidade defasada entre a grandeza que sonhou e o atraso do sistema que se nos é imposta é gritante e, ao mesmo tempo, surda.
Como a conta sempre chega, os não vacinados ou com vacinação incompleta contra a Covid-19 da variante Ômicron ocupam mais de 80% dos leitos de UTI e Enfermagem, retirando espaço de outros pacientes com tratamentos precários, incluindo o câncer, assim como aconteceu na pior fase da Pandemia. Conheci casos de pessoas que morreram por não continuarem o cronograma dos procedimentos necessários para a cura. O Negacionismo ou a escolha de caminhos que envolvem interesses do deus dinheiro ocorre em todas as frentes — social, econômica e psicologicamente — o que não impede que a Realidade sempre se imponha, não sem muitas dores para um grande número de pessoas.”
Sobre esta imagem de 2014, legendei: “Dia de ‘Dono de Casa’ – fazer a feira, varrer o quintal e a casa, alimentar os animais, cuidar das plantas, lavar a louça e fazer o jantar. E não é que eu gosto?”
Em 2020, a respeito da foto que surgiu como lembrança, comentei: “Continuo gostando da atividade, mas atualmente para mim, todo dia é dia de ‘dono de casa’. Estávamos vivendo a plena Pandemia de Covid-19 em seu início que apenas especulávamos a duração, profundidade e extensão temporal e mortalidade. Tenebrosamente, o Governo Central relutava a aceitar o que os cientistas, epidemiologistas e órgãos nacionais e internacionais de Saúde alertavam sobre o que o titular da cadeira presidencial chamou de “gripezinha”.
Tudo parece tão distante, como se fosse outra vida e para seiscentos e cinquenta mil pessoas – em números oficiais – a “outra vida” é uma realidade. Até agora, são cerca de trinta milhões de casos contabilizados, diversos com severas sequelas. Então, estar à época como apenas como um “dono de casa” não era o pior dos mundos. Mas a continuidade do processo de ausência de atividade profissional gradativamente começou a pesar. O desgoverno e a pequenez ética apresentada pelos asseclas no poder colaboravam para que tudo ficasse pior.
Fazer atividades caseiras nunca foi algo que me desestimulasse. Ao contrário, varrer sempre foi uma tarefa prazerosa em que os pensamentos passeavam a cada varrição. Criei vários bons textos enquanto retirava a sujeira do piso da casa ou do quintal. Lavar louça é um processo terapêutico para mim. Fico relaxado ouvindo música ou “assistindo” algum programa na TV. Limpar os móveis, organizar a bagunça da sala (se bem que o escritório viva de pernas pro ar), recolher o lixo ou fazer o almoço e o jantar me fazem bem. O problema é quando tudo se transforma em exercício “permanente”, sem prazo para acabar, as devidas repetições cotidianas. Na Pandemia, isso pareceu não ter prazo para terminar.
Atualmente, as coisas tendem a melhorar, sempre tendo a possibilidade do surgimento de variantes mais virulentas de SARS-COV que voltem a nos assombrar no futuro, em que o meu setor de atividade – prestação de serviços em eventos – que propicia a aglomeração, seja considerado uma “ação terrorista”. Como consequência, voltarei a exercer uma função fundamental, rotineira, trabalhosa, que aprecio, mas que é pouco valorada. Que seja apenas por prazer e não por obrigação que possa continuar a exercê-la.
Seria tão fácil se a luz revelasse tudo… A excessiva claridade também pode ofuscar a realidade pois o que ela revela está além da capacidade que algumas pessoas têm em enxergá-la. Há os cegos por opção ou com incapacidade de percepção. Os que favorecem as distorções, as angulações os posicionamentos, as posições as lentes reducionistas, as que ampliam o que é pequeno demais. Há os que estão a ver o que acontece, cientes das consequências e desejam se beneficiar com a miopia ou cegueira coletiva, incentivada ao afirmarem de que também não veem nada… O entendimento da realidade imediata acaba por se tornar algo tão pessoal que é comum duas pessoas brigarem por concordarem no conteúdo mas não na forma. Radicalmente acho que só nos entendemos intimamente no escuro com as bocas abertas e as línguas caladas num beijo profundo…