Vivemos pelos ponteiros do relógio… Ainda que sejam digitais, aparelhos nos apontam o tempo que com suas digitais marcam a nossa pele. Eu não vivo aqui. Vivo agora. O marcador do tempo determina o valor? Se durou pouco, é paixão? Se perdura, é amor? Sabemos — quanto mais tempo dura, maior a chance de frustração. Amantes em série preferem o momento violento e fugaz ao gostar longo e em paz… Amar deveria permitir se apaixonar pela mesma pessoa, sempre. E estar permanentemente apaixonado pelo ato de amar. Cinco, quinze, trinta anos… Creio que possamos amar apaixonadamente as diversas pessoas que são a mesma pessoa numa única relação, que é única por ser preciosa. Se for outro o caminho, que ao final de tudo, não falte, ao menos, carinho…
Quem ama de paixão, sabe — antes de morrermos mil vezes — nos despedaçamos dez vezes mil… Quem permanece intacto em uma relação — sem perceber a falta de algum pedaço — não está a amar…
Cabeça, tronco e membros — nada escapa à desconstrução de nosso ser… Quando amamos, quem nos vê caminhar pelos lugares, apenas se ilude que ali se move alguém integral — a respiração foge dos pulmões ou falta o coração — que bate em outro peito…
Tocados pelo outro, enquanto o sangue circula fora do corpo, os olhos se perdem em cada nuvem que passa e as pernas seguem por ruas pelas quais passeiam o ser amado…
No auge da paixão é doloroso amar, porque não estamos onde estamos… Desconcentrados de nós, variamos de senso, contrariamos o consenso, o equilíbrio é penso, o desejo é imenso de estar no outro, com o outro, pelo outro, pelo com pelo peles unidas…
Quando nos perdemos em nós, destroçados e trocados de corpos e mentes, ganhamos todo o Universo — o Inferno e o Céu — destino incerto, a terminarmos como solitárias moléculas dementes ou a renascermos amorosas sementes…
O último livro que me lembro de deixar de ler pelo meio foi “A Elegância do Ouriço”, de Muriel Barbery. O exemplar me foi ofertado por minha editora, Lunna Guedes e logo me apaixonei por sua narrativa. No entanto, assim como paixões que viajam para longe e deixam de participar de nossa vida diária, deixei de avistá-lo em determinado momento e devido a vários outros fatores, nunca mais retomei a sua leitura. Tenho impregnada em minha lembrança todos os traços das personagens, tramas e ambientes descritos que facilmente recomeçaria a conversar com ele, como se fosse aquele velho amigo com o qual retomamos o diálogo no ponto que fora interrompido anos antes, como se tivesse sido um dia antes. Ensaio essa ocasião tantas vezes que se tornou um hábito estranho.
Contudo o livro que abandonei por tempo indeterminado, até ter decidido retomá-lo definitivamente há poucos dias, quando fui questionado sobre meus projetos para 2019, foi o provisoriamente denominado “De Filho Para Pai – A Revolução Que Nunca Houve”. Decerto que ninguém ouviu falar dele. Ainda está em elaboração. Eu sou o autor. Comecei a escrevê-lo há alguns anos, não sei ao certo quantos. Um trecho aqui, outro ali. Eu me colocava diante do computador como se atirasse como uma metralhadora ou preenchia uma folha em branco com garranchos que tinha dificuldade em decifrar devido à raiva que impunha à escrita. Estava absorvido pelo processo. Até que começou a doer demais. Não consegui continuar…
Tema principal que estrutura o romance, em um movimento tão lento quanto interminável, a relação com o meu pai se deteriorou definitivamente. Até que, fisicamente, ele passou. Mas nunca me deixará de me acompanhar. Supostamente não restou nada que pudesse ser reerguido das cinzas. Além disso, Fênix mora longe do fosso que joguei nossa história. Mas pretendo restituí-la com toda a paixão que puder colocar nessa composição. Sofrerei, porque terei que reencarnar todas as minhas contradições e ficar diante do ídolo com os pés de barro – do qual fui gerado, carrego a herança e a carga pesada – em grande parte por mim repudiadas, ainda que reconhecidas como o melhor que ele poderia me ofertar.
O desejo de retomar a escritura d’A Revolução é o capítulo mais importante do meu Livro pessoal, porque é atual, apesar de discorrer sobre a antiguidade dos relacionamentos entre seres com papéis definidos antes de nascermos – pai e filho. Um livro que já escrevi em sangue, lágrimas, ferro e fogo, mas não li devidamente no espaço mental. Colocá-lo no papel – um material eterno – talvez faça com que redefina meu percurso. Espero não o abandonar no meio do caminho…