10 / 11 / 2025 / Blogvember / De Repente, Escrevo Uma Anti-Carta…

… antídoto de páthos
porque escrever é paixão não se expressar seu antídoto
como se isso fosse doença e é…
rara enfermidade que gerou civilizações
a história histórias contos falas poemas folclores caminhos
sem escrever não somos nem aqui estaríamos
foi preciso pioneiros aqueles que manusearam instrumentos inéditos
o que os levaram a sentir esse movimento íntimo em diferentes culturas
ainda que vivessem em diferentes latitudes?
ser ser humano propiciou que construíssem impérios
domínios e dominações controles e escravizações
palavras religiões o bem e o mal
sortes
e mortes
tão nefasta quanto uma carta em branco
plena de silêncios acaçapada de ranço…

Participação: Lunna Guedes / Mariana Gouveia

Foto por Pixabay em Pexels.com

Desejo

Cedo, percebi a dependência de nosso comportamento amoroso a flertar com a nossa precariedade. Aliás, não somente quanto a relacionamentos pessoais, mas em todas as estâncias da vida. Agimos como dependentes da droga do desejo e suas consequências, numa eterna retroalimentação.

Sair desse ciclo é quase como morrer. Mas talvez não haja algo maior do que o desejo de morrer, ainda que muitos não reconheçam esse viés. Preferem negar a morte em vida, como se não existisse. Namoram a possibilidade de Eternidade ao abraçarem religiões que prometem a vida eterna.

Chegam a estipular condutas que garantam esse futuro num lugar edílico e com benefícios atraentes que só fazem sentido para seres encarnados. Como as húris, seres antropomórficos semelhantes às mulheres virgens, prometidas aos homens islâmicos bem-aventurados, a servi-los como gratidão por suas boas ações na Terra. É como se fossem condenados ao desejo permanente para empreender a eterna tarefa de alcançar a satisfação.

Aparentemente apenas os homens são premiados no Paraíso do Islã. Assim como aqueles outros que, valorosos em sua vida terrena, se sentam à direita de Deus-Pai na Eternidade, a fruir benesses, as quais compreendo que não iriam além de permanecer na benção da ignorância sobre todas as coisas. Ser curioso que sou, com insaciável sede de conhecimento, para mim, seria o Inferno. Atualmente, longe no distância, mas não dos nossos olhos, as duas versões religiosas mais influentes se digladiam à base de explosões de corpos, não sem antes aviltá-los.

O desejo é pessoal e intransferível. Os desejantes juntam-se para saciá-los, mas a consequência é aumentar o desejo mútuo. Por algum tempo, essa interação é satisfatória. Mas se uma relação é mesmo profícua, gerará motivação para a criação de novos desejos, muitos alheios aos dinamizadores desse processo.

Se estamos no mundo, devemos saber gerenciar essas circunstâncias que nos colocam muitas vezes contra as nossas orientações comportamentais. Abrir mão de novas experiências requer autocontrole. E não é contrário à “razão”, porque é comum replicarmos as mesmas ações nas novas relações com outros indivíduos.

A não ser que haja encaixe. Entrelaçamento de vivências, ainda que díspares. Aprofundamento de recíprocas experiências, mesmo que alternativas. Alternância de posições para a busca da satisfação comum. Desejável, não? Bem, somos bons em desejar…

Feliz Dia de São João!

Língua E Dedo

O assunto é um tanto espinhoso. Transita pela linha fina que existe entre aceitarmos a força que o Patriarcado exerce sobre nós — provocando efeitos dos mais perniciosos — e de como não o reforçar em nossas falas e comportamento social. Volta e meia caímos em armadilhas. Mesmo quem sempre tentou se desvencilhar das amarras machistas como eu, me pego diversas vezes em contradição. Desde muito cedo percebi que o que era incensado como privilégio masculino, joga sobre nós consequências que prejudicam a todos. Tornamo-nos meio-homens enquanto tentamos rebaixar as mulheres ao nível de nossas precárias medidas.

Todos nós — de gêneros, personalidades, preferências e identidades diferentes — claudicamos na compreensão do processo que engendrou a construção de nossa Sociedade e vivemos a reproduzir as suas deficiências. Entre eles, o sexo está no centro de vários desvios que acabam por desenvolver personalidades que não conseguem escapar ao vórtice que o coloca não como uma força criativa e energética, mas como estigma e, em sua égide, termina por suscitar o mal ao semelhante com ofensas, humilhações, ataques físicos e até assassinatos.

A sexualidade — ação, formação e ciência — força original humana, carnal, mas não menos vibracional e espiritual, permeia as relações sociais dos adultos de tal maneira que mal percebemos quando está presente em algum assunto, por mais prosaico que seja. Após certa idade, dificilmente alguém escapa à sua influência. As religiões, com as suas interdições, que a tudo proíbem, contribuem para que ocorra o inevitável choque traumático, tornando o conhecimento saudável do corpo e seus processos vitais desde o surgimento da puberdade e antes, quase impossível.

O prazer e a vivência benéfica da libido são transformados em pecado e findam por ser imputados como transgressões. Chefes religiosos conclamam a orações e pagamentos de penitências para alcançarmos a redenção, enquanto ocultamos o nosso desejo tão profundamente que quando irrompe o faz feito um vulcão, jorrando lava quente ao seu redor. Alguém sempre acaba magoado-queimado. Ou quase todos nós. Sou daqueles que entende o sexo como um elemento de transcendência. Apesar da química — em uma interpretação elástica — interferir nos encontros entre os corpos, a dimensão venerável do sexo para mim é evidente.

Contudo, não serei eu a erigir uma base filosófica que resolva as contradições ou instaure uma nova forma de ver o mundo. Seria uma embromação. Tudo já foi dito sobre o sexo no decorrer de milhares de anos de civilizações e culturas. Porém, são escolhidas justamente as regras que cerceiam essa pulsão vital. Filosoficamente, busco analisar certas questões relacionadas ao nosso comportamento sexual tentando destrinchar o que há por trás de certos “mandamentos” repetidos desde tratados até em rodas de amigos. Como exemplo, discorro sobre uma frase que inicialmente demonstraria um aspecto machista, mas que busquei outra forma de contemplá-la.

Um amigo antigo vivia a dizer, enquanto a passagem do tempo impedia que vivenciasse as proezas sexuais que protagonizou na juventude: “enquanto eu tiver língua e dedo, nenhuma mulher me mete medo”. Durante muito tempo o teor um tanto chulo da frase suprimia outra vertente ao qual cotejei indícios menos evidentes do que aparentava.

Primeiro, trata-se de um homem e uma mulher numa relação sexual. No entanto, poderíamos ampliar essas ações para outros agentes de diferentes identidades — o uso de artifícios e apetrechos que ultrapassam a simplicidade do contato entre as genitálias. Quando o sujeito revela que usaria língua e dedo para ajudar uma mulher a chegar ao orgasmo, compreende que na falta de um pênis inflado, ainda que simbolicamente representasse a sua masculinidade, ele não temerá o encontro.  

O que nos leva a questão — o homem teme à mulher ou à opinião que tenha sobre ele? Por amar a uma mulher, um homem se propõe a satisfazê-la, levá-la ao máximo do prazer, ainda que não possa ter uma ereção. Receia que a bem-amada entenda isso como falta de desejo. Teme que seja ridicularizado por não ficar de “pau duro” para ela. Uma mulher magoada, ao querer humilhar um homem, poderia vir chamá-lo de broxa. Nesse caso, ela se serve de uma ofensa de fundo machista, por mais que o Machismo seja a origem de inúmeros casos de abusos sofridos por ela. E será por causa do Machismo que o homem sofrerá quando não vier a responder às demandas e falhas intrínsecas à sua humanidade.

A formulação da frase mostra um homem frágil que busca sobreviver ao temor de broxar e ser atacado por isso. Em um filme de AlmodóvarCarne Trêmula — o marido paraplégico age exatamente dentro desse contexto para dar prazer à sua esposa até que eventualmente isso não seja suficiente para ela. Porém, entram tantos outros fatores alheios ao relacionamento sexual que não será apenas por esse olhar que as relações caminham para um desfecho explosivo.

Eu comecei a minha vida sexual tarde. Relativamente pouco tempo depois, casado, com duas filhas e uma terceira a caminho, a minha esposa aventou a possibilidade de que eu fizesse vasectomia. Ela penou nas gestações e nos dois partos anteriores e não queria mais passar por isso novamente. Ao mesmo tempo, tinha receio que o uso de contraceptivos bagunçasse ainda mais seu equilíbrio hormonal um tanto precário. Também se lembrava que a falta de uso da camisinha em um momento de ardor resultou na gestação de nossa terceira filha. No parto da caçula, decidiu fazer a laqueadura.

Eu acompanhava com empatia os enjoos, os vômitos, o mal-estar, o sono entrecortado, mas por mais que me sensibilizasse, não sofria o que ela sofria. Contrapus que o padecimento pelas gestações era primordialmente dela e que tão jovem eu não tinha condições psicológicas de me tornar infértil. Concordamos nisso na época e até este momento que isso tenha sido o melhor a fazer. Confesso que mesmo que não passasse pela minha cabeça ter outros filhos consanguíneos, a ideia de não mais tê-los me angustiava. Especulo se a postura de manter a fertilidade não seriam ecos do Machismo a reverberarem em minha psique — a do macho que se apraz de ainda poder fecundar uma fêmea…