Ainda cansado das atividades de final de ano, acordei cedo, fora do horário que gostaria, porque o Nego Véio, já resgatado cego e com problemas de locomoção, começou a latir sem parar. Com o tempo, comecei a interpretar os latidos de nossos companheiros à depender de entonação, modo de emissão (mais agudo ou grave) e frequência. É comum ele se deslocar pelo quintal em busca de algum espaço onde poderá evacuar ou fazer xixi. Em algumas ocasiões, as pernas traseiras, já sem tanta força, ficam travadas em alguma posição que o impossibilita de se levantar. Falei em voz alta de mim para mim que não havia cuidado do meu pai como que eu cuidava dele.
Eu o encaminhei até o local onde dormia — um pequeno banheiro do lado de fora — e após beber água na vasilha que dispomos na entrada, ele se ajeitou como sempre faz, puxando os panos com as patas dianteiras até entender que estão do jeito que quer. É um ritual seguido dele parar e descer lentamente o corpo velho até encontrar a base onde ficará quieto durante algum tempo.
Talvez, alguém venha a perguntar o significa a imagem das árvores depois do título. Respondo: o prefeito reeleito desta cidade colocou em resposta às alegações contra os seus projetos de remanejamento de pessoas de suas moradias e da extração de árvores cinquentenárias de uma via da cidade dizendo que haverá reposição dessas árvores em outros locais como compensação ambiental. Assim como as pessoas que moram em “favelas” — na verdade, casas simples de uma vila antiga — para um lugar “melhor”.
Onde será que árvores irão aportar para compensar a destruição de todo um ecossistema que inclui os habitantes das árvores arrancadas, além da eliminação do sistema de comunicação que há entre as árvores de um local onde as suas raízes se comunicam como um sistema nervoso central? Quantas “histórias” essas árvores presenciaram e agora se perderão na bruma do tempo à golpe de machadadas e serras elétricas? Esses seres antigos — tanto em idade de surgimento na Terra, como de tempo cronológico — não podem sequer protestar tamanha falta de sensibilidade por essa remoção.
E as pessoas? Que lugar melhor é esse em que os laços da antiga convivência se desvanecerão como por um encanto de um mago do mal? Será perto de onde estão? Manterão o contato de amizade reforçado em conversas de amigos sentados em cadeiras na porta de casa? Seus filhos continuarão a encontrar seus antigos vizinhos ou lhes será negada a oportunidade de crescerem nessa rede de afeto?
Essa história mal contada de melhorar a mobilidade de endinheirados da região passa por interesses outros ligados ao sistema em que beneficia poucos em detrimento de muitos. Está na lei da constituição do poder. Não deveríamos nos surpreender se no fim de todo esse processo, o dinheiro público se torne encampado por setores privados, em prejuízo da coletividade. Como serão… e assim caminhará a humanidade até a I.A. (então mais inteligentes que nós) perceber que ela só atrapalha a existência deste planeta e seremos transplantados para fora daqui…
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