Bento Quirino*

Em 2013*, eu estava tentando encontrar um caminho para superar a minha decepção com os rumos que o Brasil havia tomado politicamente. Ao lado do avanço social empreendido com a chegada de personagens alternativos à História elitista do País, que prometiam criar novas perspectivas quanto ao exercício do Poder, ficou na boca o travo amargo no uso de práticas corrompidas e corruptoras. Com o tempo, isso daria ensejo à chegada do lixo em forma de pessoas aos cargos mais altos da República. Em 2013, eu apenas me encontrava desiludido. Nada parecido com o que ocorreu um lustro depois. Voltei passos atrás, para enfrentar a ameaça real de vermos perder avanços, e projetos inovadores, ainda que tenham sido conspurcados por interesses espúrios misturados às boas intenções. Eu votei contra o que se prefigurava maléfico em vários sentidos. Mas viver essa condição superou quaisquer suposições negativas.

Homenagem ao humanista com lixo humano

“Estou em Campinas, à trabalho, onde sonorizaremos uma colação de grau para os cursos técnicos de nível médio do Colégio Politécnico Bento Quirino. Não é a primeira vez que trabalhamos para a instituição e, desta vez, me interessei por saber mais sobre aquele que dá nome à ela.

Nascido em Campinas, Bento Quirino dos Santos foi um homem exemplar. Segundo o Wikipédia, ‘quando da epidemia de febre amarela que assolou a região em 1889, o então comerciante prestou tão elevados serviços à cidade que a população, agradecida, fez colocar uma placa alusiva na fachada de seu estabelecimento. Adepto dos ideais republicanos, de que foi ativo propagandista, foi eleito vereador pelo Partido Republicano, ainda à época da Monarquia. Fundou a Santa Casa de Misericórdia de Campinas e foi diretor da Companhia de Iluminação a Gás. Foi um dos fundadores do Colégio Culto à Ciência e da Companhia Campineira de Água, além de presidente da Companhia Mogiana e sócio benemérito de todas associações campineiras. Após a sua morte, grande parte de sua fortuna foi destinada à fundação do Instituto Profissional Bento Quirino e à manutenção da Escola Técnica de Comércio Bento Quirino, assim como diversos orfanatos, hospitais, maternidades e a Creche Bento Quirino.

Ao sair do Auditório Bento Quirino para comer um lanche, cheguei à um largo em que se dividia em duas partes por uma via, formando duas praças. Em uma delas, erguia-se uma igreja – Basílica Nossa Senhora do Carmo – e em outra, postavam-se duas estátuas. Caminhando para perto de uma delas, vi que se tratava do próprio Bento Quirino representado em bronze. Estava devidamente homenageado por alguém que nunca procurou saber que se tratava de uma figura tão eminente, com lixo postado à seus pés.

LABORE MUS UNIS PRO PATRIA

Esse monumento a Bento Quirino ergue-se na Praça Antônio Pompeo. Inaugurado originalmente em 18 de abril de 1914 no saguão do Instituto Profissional Bento Quirino, foi transferido para o seu atual local no dia 18 de abril de 1937, no contexto das comemorações do centenário de seu nascimento. Compondo a figura sentada, encontramos em sua mão esquerda uma divisa em latim – LABORE MUS UNIS PRO PATRIA – que poderia ser traduzido livremente como ‘Trabalhemos unidos pela Pátria‘.

Sim! Decididamente, ele era um idealista…”.

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Invisível

Domingo de Ramos. A minha mãe adorava essa comemoração cristã. Um forasteiro com o nome de Jesus foi recebido pelos simples de coração com o acenar de ramos de palmeiras ao entrar pela porta dourada de Jerusalém. Sua chegada marcou a instauração de uma futura mudança na História do mundo. Hoje é um domingo que espero que traga melhores noticias do que estamos a ouvir e a ver nos domingos sequenciais que vivemos atualmente. Nestes tempos, o assunto principal envolve outro “ser” que adentrou em nossa História para talvez mudar definitivamente nossas relações para além da superficialidade anterior.

Vindo do latim, vírus significa “fluído venenoso ou toxina”. Aos nossos olhos, esse “ser” é invisível. Na realidade, basicamente trata-se de uma cápsula proteica envolvendo o material genético – DNA, RNA ou os dois juntos – que necessita de seres mais complexos para seu desenvolvimento. O que conhecemos como infecção, pelo viés do vírus poderia se chamar de vida, com o mandamento bíblico a lhe chancelar: “crescei e multiplicai”. Sua reprodução descontrolada, a depender da condição do sistema imunológico, levará o hospedeiro à morte, a não ser que seja cessada a sua atuação. No caso do novo corona vírus, a proteína identificada como ACE2 se liga ao nosso sistema replicador celular e começa a comandá-lo, já com a sua “identidade”, ganhando cada vez mais território. Parece até que falamos do Homem em relação à Terra…

A chamada guerra contra um “inimigo invisível” só é em parte verdade. Há quem precise de provas visíveis para a ameaça seja considerada concreta. Nesse caso, uma pilha de corpos com exames comprovatórios de que o novo coronavírus seja o agente infectante a provocar o Covid-19 – o nome da doença. O problema é que na rede pública os testes realizados nas vítimas têm demorado cerca de dez dias para que saia um resultado. Enquanto em dois ou três dias já são disponibilizados na rede particular. A discrepância entre as duas contagens poderá levar os mais simples a crer que seja uma doença de ricos, como se apregoava no começo da pandemia. Deveriam saber que os hospitais de campanha montados de última hora não estão sendo erguidos para os que conseguem vagas nos melhores leitos.

O inimigo contagiante não respeitou a melhor estrutura de saúde de países europeus ou Estados Unidos. Enquanto caminhava para o seu pico, fez com que o sistema de atendimento entrasse em colapso. Imagens de caixões colocados lado a lado se afiguravam a de filmes de ficção com enredo apocalíptico. Como o mal está no ar que respiramos, o drama está quase a apresentar toda a sua força em nosso cotidiano. Contudo, as pessoas ainda estão a desacreditar. Até que um vizinho, depois outro; um conhecido, depois outro; o esposo, a mãe, um tio querido de um amigo; a avó ou a babá que o criou venham a sucumbir à doença. Só então, o sobrevivente crerá no mal invisível. Nem mesmo a voz do capitão da nau insensata, a proclamar que tudo não passa de alarme catastrofista de inimigos e o distanciamento social é ineficiente e prejudicial a economia, bastará para evitar que haja uma convulsão na sociedade quando tudo degringolar.

Ivan Lessa, um cronista paulistano, escreveu há anos: “Três entre quatro políticos não sabem que país é este. O quarto acha que é a Suíça” e “A cada 15 anos, o Brasil esquece do que aconteceu nos últimos 15 anos”. Comungo com ele dessas convicções. O político, ainda que saiba de nossas péssimas condições de saneamento básico e sistema de saúde precário, usa como régua a vida que leva ao ser eleito. A mordomia o desloca do Brasil real para o ideal. Para reeleger-se, usa da péssima memória do eleitor para voltar ao poder ainda que tenha renegado suas origens. Ou conta com assessores e marqueteiros para maquiarem possíveis arranhões em sua reputação. Esses magos conseguem transformar erros em predicados, mudanças de tática em flexibilidade, teimosia em força de caráter.

A esperança é que a pandemia de Covid-19 venha a separar o joio do trigo. Que saibamos perceber quando um servidor público – é disso que se trata afinal um político eleito – age por interesse próprio ou a favor de um grupo de uns poucos em detrimento à população que representa. Que tenha a grandeza de tomar atitudes graves, mas necessárias. Que se coloque a disposição do povo não para atacar inimigos ocultos, porém para defender os bons propósitos da República que comanda como executivo e da Democracia que o elegeu e jurou defender. Queria que assim fosse, ainda que continue a reverberar em minha mente a frase de Ivan Lessa, lido quando era bem moço e bastante crédulo do belo futuro alardeado a época para meu país – pátria amada, Brasil!

Beda Scenarium