21 / 11 / 2025 / Blogvember / Tarde Da Noite Recoloco A Casa Toda Em Seu Lugar

teria que sair logo cedo às 5h da manhã
às 4h os pássaros já iniciam os seus cantos primaveris
percebo que não tinha dormido um pouco sequer
mas mesmo assim sinto necessidade de deixar a casa arrumada
varro passo pano com detergente lavo a louça
quando saio para colocar o lixo para fora entrevejo a lua entre as folhas
a trilha sonora dos seres alados é a ideal para compor o cenário idílico
bocejarei o resto do dia mas ao respirar o ar da manhã imaculado
dos odores humanos produzidos por suas máquinas
me sinto recompensado pelo resto do dia…

Participação: Lunna Guedes

30 / 03 / 2025 / Vida Que Segue

No último Verão, ela deu os seus derradeiros frutos. Atraiu pássaros, vespas, abelhas, as cachorras e outros seres que usufruíram do gosto especial das goiabas que caíam dos seus galhos já exauridos. Atualmente, pelo chão, o que resta são folhas secas e frutos ressequidos – bolinhas pretas como se fossem de gude. 

A velha goiabeira acompanhou a paisagem visual da família por múltiplas estações. Em várias ocasiões, de seus frutos, fizemos doces ou comemos direto do pé. Há alguns anos, formigas penetraram na base do seu tronco e beberam sua energia em forma de seiva. As providências que tomamos não foram suficientes. Após alguns períodos de eventual recuperação, quase que repentinamente, parou de respirar, emadeirando-se.

Bem perto, a mexeriqueira, apesar de verdejante, também havia deixado de frutificar. Podamos galhos e pequenos troncos, verificamos se havia alguma doença e aparentemente a planta não apresentava problemas óbvios. Apenas deixou de produzir frutos. Ontem, a Tânia me mostrou que surgira uma única mexerica, madura, a ponto de ser colhida. Não foi preciso, apareceu caída. Eu a recolhi e mais tarde experimentamos o seu gosto suave-oloroso de quem mandava um recado: “Estou viva!”.

Um outro processo de desenlace está ocorrendo com a nossa companheira de quatro patas mais velha, de 13 para 14 anos, a Domitila. A Tânia pesquisou e me disse: “Estou lendo aqui que o que está acontecendo com a Domitila é o processo natural da morte por idade. Começa a ocorrer com a dificuldade para andar, depois a respiração fica acelerada, ocorre a falta de apetite, o descontrole do esfíncter, alteração de temperatura e a bichinha começa a ficar quietinha num canto. A opções que surgem ou é ficar com a gente, o nosso calor humano e carinho ou adiantar o processo com a eutanásia”. Perguntei: “Dor?”… “Não mencionam dor. Mas os órgãos vão desacelerando até paralisarem – fígado, rins… Mas eu estou fazendo medicação de horário. Respondi: “Acho besteira estressá-la com uma ida ao veterinário, com soro, isolamento e eventual passamento longe de nós”.

Conheço a curva do tempo de vida desses seres especiais. Eu tive cachorros a minha vida toda. Em nosso tempo de criança, a minha mãe recolhia cães abandonados e chegamos ter tantos que começou a incomodar algum vizinho (que apenas suspeitamos quem seja). Em certa ocasião, vários apareceram envenenados. Apenas alguns sobreviveram. Nós os mantivemos e ficamos com a nossa média usual de três a quatro companheiros. Falecida a minha mãe, mantive o hábito, com a anuência da Tânia. Antes ela não era muito afeita a cuidar deles, mas com o tempo mudou a sua postura com a convivência com eles. Atualmente, ela ama incondicionalmente “nossos” bichos e estamos com cinco “fixos”.

Assim como a goiabeira, a mexeriqueira está numa área que deixamos para serem um receptáculo de água pluvial. Nossos quintais citadinos são normalmente impermeabilizados. Planejados para serem estacionamentos de carros, vedados do contato com a terra e as plantas. Nós nos afastamos de formas de vida que “desaparecem” de nosso cotidiano, porque a nossa suposta superioridade já nos basta. Esse afastamento do sagrado Círculo da Vida será a nossa ruína como espécie. Quanto à goiabeira, manteremos parte de seu tronco. Terá funções decorativas e práticas, servindo de suporte para outras plantas.

Eu sou daqueles que sei que somos todos parte de algo abrangente, tanto nas vibrações mais básicas quanto nas mais altas, entendam como queiram. Eu entendo que quaisquer seres no planeta são companheiros de jornada e busco sorver da profundidade amorosa da Natureza, apesar de ela ser vista por muitos como inimiga dos seres humanos. Para esses, ela apenas se manifesta em forma de adversidade. Ficam bem somente dentro de ambientes controlados, em quartos equipados com apetrechos tecnológicos.

Eu também sei que a Vida se transmuta em gamas de frequências para frequências das mais densas para a mais refinadas – maneira de como a energia se transfere de um estágio para outro. A Vida sempre encontra um meio de expressão, ainda que não pareça Vida. Aliás, com a ajuda do Poetinha, sempre repito: “A Vida tem sempre razão”. Vida que segue…

BEDA / Paixões & Loucura

Assim como águas passadas movem moinhos…
Quando me encontro perdido é quando me encontro
Porque não me canso de me procurar
Em meu âmago sinto que prefiro me arrepender
Do que fiz do que não fiz
As consequências são escolhas por mais que não as controlemos
Mesmo porque quase nunca controlamos nada
“Sempre” e “nunca” decidi não usar mais certa vez
E por isso vivo me contradizendo
Quase sei o que não sei… aprendi
Desconhecer é um caminho sem volta
Desconhecer o mundo, o outro, a si
É como renascer a cada manhã
Novo e ignorante de sua essência
Mas ciente do que seja essencial… respirar
Como se sabe?… respirando
De obviedades também se vive
Como morrer, a maior obviedade que existe…

O Ar

Quantas montanhas tiveste que escalar

Para chegar até aqui e agora, neste patamar?

Por quantos vales tiveste que passar?

Por quanta lama tiveste que chafurdar?

Quantas mentiras tiveste que revelar?

Quantas verdades tiveste que relevar?

Quanto amor tiveste que reivindicar?

Quanto amor tiveste que recusar?

Para ser o que és, quanto ódio tiveste que provocar?

Quanto ódio tiveste que aceitar?

Quantas vezes pintaste a boca de carmim para beijar?

Quanta boca carmim procuraste para borrar?

Quantas vezes tiveste o bom senso de evitar

O desejo que te condenaria ao eterno regurgitar?

Quantas vezes tiveste a loucura de se entregar

Ao fogo que te salvaria do instante perpétuo de amar?

Quanto ar tiveste que respirar

Para simplesmente, no fim, o expirar?

Longo Mal Súbito*

Genival Jesus Santos (Arquivo pessoal)

ronco de motores rodovia movimentada
motoqueiro fantasma sem capacete
deve ser parado pária da sociedade
calção chinelos camiseta pobre
desce do cavalo se posiciona com respeito
aqui é autoridade autoritarismo
práticas de tempos passados
por chefes no poder incensados
não reclama não fala se cala
continua sem voz além das muitas na sua cabeça
tomo remédio olha as cartelas
não queremos saber você é fora da lei
eu só quero respeito não cometi crime nenhum
está sem capacete nós estamos protegidos com os nossos
somos senhores da vida e da morte
você deve aprender e quem nos observa também
fica assolado no chão nossas botas na sua canga
vamos aplicar a nossa sentença
culpado por ser brasileiro
sem rumo
sem ganho
sem profissão
para ganhar o pão
um verme como tantos outros
porque essa tortura?
queria voltar para a casa
vai para a nossa casa ambulante
receberá a lição estamos em guerra
contra quem nos interpõe
representamos o topo do poder
nunca mais repetirá a ousadia de contestar
mataram mais de vinte no Rio
um a mais ou a menos
não sou bandido sou trabalhador
tenho família filhos pai mãe primos
todos tem
ratos que se multiplicam
olha a nossa viatura
a chamamos de carro de dedetização
eliminamos pragas as degustamos com pimenta
me tirem daqui
me desamarrem
abram a caçamba
não sou lixo sequer indigente
sou gente
ah! meus filhos mulher não estou aguentando
me perdoem
não consigo respirar
estou deixando a escuridão
vou para um lugar sem luz
e sem resposta
mesmo sendo de Santos Jesus
até quando?

Umbaúba, Sergipe, em 26 de Maio de 2022 – dois anos depois da morte George Floyd em outro Hemisfério e outro “não consigo respirar”…

*Poema produzido em 2022, sob os auspícios de tempos obscuros.