Sol & Água*

Se há alguém que gosta do Sol, sou eu. Quando era garoto e tentava entender o significado de divindade, olhava para o céu, como fizeram bilhões de homens antes de mim. Como eu, eles também entenderam que sem a luz solar a vida sobre a Terra não existiria. Antes que algumas civilizações impusessem a humanidade como a verdadeira representante de Deus, a estrela em torno da qual este planeta girava em torno, já era reverenciado como tal pelos simples de coração. Do alto de sua predominância, ele não deve ter se importado com as crenças que surgiram posteriormente que o colocava apenas como um coadjuvante no firmamento dos arrogantes seres humanos em suas fainas…

Porém, abro espaço para as nuvens escurecidas. Inauguro, em minha página, o gosto pelo céu fechado. Quero que o planeta Água, que o homem chama de Terra porque quer, volte a ter o fluídico elemento como o centro de sua atenção. Com efeito, nós mesmos, aqueles nos autorizamos como senhores deste planeta, somos em nossa maior parte compostos de água. Todos os estudiosos da Natureza afirmam que a água está se tornando um item cada vez mais raro e, por consequência, mais caro. Não se duvida de uma eventual guerra no futuro pelo controle desse elemento…

Cheguei a viver a época em que São Paulo ainda era a Terra da Garoa. Os mais novos sequer imaginam o que fosse uma garoa e talvez cheguem a confundi-la com uma chuva leve. A garoa era como se fosse um lençol úmido que nos abraçava, a ponto de umedecer as nossas roupas sem percebermos. Era como se fosse o ar feito água, que respirávamos como alimento de nossa identidade. Atualmente, vivemos apenas duas estações no ano – a do calor abrasador de Sol em asfalto, cimento e vidro ou a do frio de metal cortante em nossa carne mole. Perdemos as árvores, perdemos os rios, perdemos a nossa conexão com a divindade da Natureza, nos perdemos… Talvez, com a seca chegando à cidade mais desenvolvida economicamente deste país, o que já era urgente, se torne irreversível – voltarmos um tanto para trás, no bom caminho.

*Texto revisitado, de 2014.

Navegar E Amar

Eu quero ser lido,
mas jamais decifrado…
Eu quero ser saboreado,
mas nunca perder o gosto…
Eu quero ser rio manso para ser navegado
e mar revolto que afunda embarcações…
Quando me mostrar indômito,
buscarei a comunhão…
Quando estiver sereno,
quero causar perturbação
dos sentidos e dos sentimentos…
Quero ser seu e emancipado de mim,
quando estiver consigo…
Barco jamais ancorado,
conduzir e ser conduzido…
Navegar e amar…

BEDA / Círculo Da Lua

Círculo da Vida
Piscinão Guarau

Na manhã de sábado, quando caminhava junto à avenida esburacada do bairro em direção à academia, observei uma concentração incomum de urubus (pela quantidade, os tenho chamado de “pomburubus”) sobrevoando bem alto a área do Piscinão do Guarau. Talvez tivesse uns quarenta ou mais realizando manobras circulares em torno de um ponto mais claro no céu azul.

Identifiquei, para a minha surpresa, apesar do horário, que se tratava da lua em seu último quarto. Foi um benefício adicional ao meu esforço de voltar à atividade física. No céu da cidade de São Paulo é raro vermos a lua em sua plena expressão, mesmo à noite, já que as luzes artificiais impedem que os nossos olhos alcancem o belo astro para além da prisão luminosa na qual erramos.

Urubus são seres fascinantes. Tom Jobim, quedava igualmente extasiado com as elegantes circunvoluções dessas aves necrófagas. No entanto, o voo alto é uma das maneiras que esses seres utilizam para buscar alimentos. São importantes na limpeza do meio ambiente. Quando ocorre a mortandade de muitos animais por doença, por exemplo, o urubu ajuda a controlar a epidemia ingerindo as suas carcaças.

Possui uma envergadura de 2,40m e peso que oscila de 3 a 5kg, medindo cerca de 85cm de comprimento. Na Natureza, tem poucos predadores naturais, mas, devido à sua baixa capacidade reprodutiva, além da degradação do seu habitat, é uma espécie cada vez mais rara de se observar. O que significa que são os homens os principais responsáveis pela diminuição de sua população. Em suma, seus predadores…

Não foi o caso desse dia, onde a revoada de tantos entes alados fazia lembrar um bom filme B. Naquela área, eu os tenho observado em número cada vez maior. Quando chove mais torrencialmente, o piscinão do Guarau recebe os rios canalizados da região, impedindo que as águas do vale invadam o rio canalizado de mesmo nome, que se estende sob a avenida de fundo de vale Inajar de Souza, até desaguarem no Rio Tietê.

Todo o lixo orgânico e não-orgânico que é jogado ou cai nos esgotos da região se espraia por todo o perímetro do Piscinão Guarau, tornando-o um verdadeiro “fast-junk-food” para os urubus. Ou seja, de uma maneira enviesada, estamos proporcionando um verdadeiro criadouro para os membros da espécie Sarcoramphus papa (L.).

São as voltas que vida dá…