Robôs Sinceros

RS

Fui à boca do caixa. Das três disponíveis, havia uma única ocupada por um ser humano. Quando fui chamado, apesar da espera, me senti reconfortado por não estar falando com uma máquina, ainda que o atendimento da bancária tenha sido, de certa maneira, robótica. Não a recrimino, já que o trabalho que desenvolve é um tanto entediante. Está ali para cumprir tarefas que qualquer robô faria e fará, sem exceções, em futuro próximo. Aliás, o banco tem alardeado publicitariamente que o futuro já chegou e que grande parte das relações financeiras entre a instituição e seus clientes estão sendo eficazmente intermediadas pela Inteligência Artificial.

De forma derivada, brinco com a concepção da artificialidade intelectual apresentadas por algumas pessoas, observável quando não conseguem estabelecer uma comunicação razoável, ainda que se digam inteligentes. Em muitos casos, adotam comportamentos, expressam argumentos e realizam atividades obviamente dirigidas e emprestadas, tornando-se, ao invés de produtoras, meras replicadoras de ideias simplistas.

No entanto, aparentemente, as virtudes dos robôs são amplas, a ponto de sermos levados a entendê-los como seres humanos melhorados – capacitados, confiáveis e sinceros – a ponto de acreditarmos que se forem questionados se são robôs, responderão que são. Afinal, qual seria o objetivo de haver esse tipo de pergunta ao fazemos um cadastro online como quesito de segurança, se não houvesse a certeza que um robô, talvez um tanto envergonhado por querer se passar por uma pessoa, “sonho” de toda máquina inteligente, declinasse de sua pretensão de assumir, com dignidade: “Sim, sou um robô! Desculpe-me por querer passar por um ser vivo!”. Acresce-se que ao aparecer para mim o receptáculo em que devo assinalar o “X” em “Não Sou Um Robô”, fantasio com a possibilidade que me descubram, finalmente.

Isaac Asimov, em 1950, no livro “Eu, Robô”, acabou por desenvolver as três Leis da Robótica: 1) um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal; 2) os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei; e 3) um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores.

Se já fossem tão desenvolvidos, talvez não ocorresse tantos episódios de fake news que fazem tanto mal às relações humanas. Mais recentemente, diante da realidade que se impõe cada vez mais aceleradamente de convivermos com máquinas que simulam comportamentos humanos, o exponencial desenvolvimento da tecnologia se chocará, mais cedo ou mais tarde, com nosso atraso como exemplares de “unidades de carbono defeituosas”, como nos nominou V’Ger, em Jornada Das Estrelas, de 1979.

Nesse filme de Jornada Das Estrelas, V’Ger originou-se da sonda espacial Voyager 6, que de fato originalmente nunca foi ao espaço pelo programa de sondas exploratórias espaciais norte-americanas lançadas a partir de 1977 para estudar os planetas do Sistema Solar e que posteriormente prosseguiriam para o espaço interestelar. Pelo enredo, a Voyager 6 acabaria por acumular tanto conhecimento que desenvolveu autoconsciência e voltou à Terra para encontrar seu “criador” – o próprio homem. Por encontrá-la infestada de seres subdesenvolvidos, a ponto de não entenderem o sinal lançado por ela, tornou-se seu objetivo limpar o planeta daquelas “unidades de carbono defeituosas”. A máquina consciente deseja, além disso, unir-se fisicamente ao criador. O filme soluciona a questão de maneira interessante, baseado no sacrifício humano, aliado ao amor, expressado inclusive de maneira carnal, o que nos salvará de sermos varridos do planeta ao qual fazemos tanto mal.

Há várias previsões alarmistas que nos levam a acreditar que o conflito entre o Homo sapiens e as máquinas capacitadas com inteligências artificiais hiperdesenvolvidas será uma questão de tempo. Não duvido, se compreendermos que a lógica do desenvolvimento de uma espécie como hegemônica passa pela violência e aniquilação de adversários. É o que fazemos com os outros seres com os quais convivemos no Planeta. Por enquanto, não tem sido preciso que as máquinas com Inteligência Artificial se revoltem contra seus criadores e nos exterminem progressivamente. Nós mesmos, com a ajuda da tecnologia que desenvolvemos, estamos fazendo esse trabalho sujo de maneira criativa e exemplar.

Foto: Robô iClub, que tem habilidades motoras avançadas que o permitem pegar e manipular objetos. Ele interage e aprende com o ambiente de forma semelhante a uma criança de dois anos de idade.

Negritude

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Eu e Penélope


Dormi tarde, ou cedo, às 5 horas da manhã. Acordei às 9 horas, pelo som de uma chamada de celular. Após a conversa, liguei o rádio para ouvir as notícias da manhã. Dentre todas as “novidades” – de alegrias e tristezas fátuas por efeito de competições esportivas regionais às prisões de ex-presidentes por corrupção, aqui e na Coréia do Sul – uma me chamou a atenção: animais discriminados pela cor, uma manifestação que tem se tornado comum aqui e em outras partes do mundo.

Uma extensão do que já existe entre seres humanos na realidade, não se trata apenas da ocorrência de preconceito. Mas também de um pós-conceito, qual seja: a cor escura não somente evita que vários cães e gatos sejam adotados por cuidadores humanos. E, ainda mais, quando adotados, são devolvidos ou abandonados porque não ficam “bem” nas fotos…

Devido à pelagem que não absorve a luz de maneira ideal em imagens postadas em redes sociais, esses “animais de estimação” não são tão estimados ou, para usar um termo mercantil, valorizados. Tentei compreender, com todas as minhas forças e entendimento, essa justificação totalmente esdrúxula, mas não consegui. Tirante a Penélope, que chegou com pedigree pelas mãos de alguém da família (e é negra), o critério que usamos para abrigar nossas meninas é de terem sido jogadas na rua.

Fiquei a imaginar se evitaria tirar fotos com a nossa Penélope, labradora que está a chegar no termo de sua vida. Com treze anos de idade, nascida em um mesmo 9 de outubro que eu, não é apenas por essa coincidência que eu a amo ou que amamos todos nós que a conhecemos desde pequena. A alminha de olhos brilhantes cresceu e agora, a velha de visão opaca, um tanto surda, recebe com avidez todas as demonstrações de carinho e toques suaves em seu corpo dolorido. Caminha e respira com dificuldade. Apesar disso, é todo amor. Um dos melhores seres que já conheci.

O fenômeno de viver somente como imagem, elevado à suprema potência em redes sociais, não creio que seja novo entre os humanos. Apenas ganhou ênfase renovada com o surgimento da Internet e a facilidade de exposição midiática. O que surge como expressão egocêntrica é acompanhada de todos os nossos modelos referenciais – concepções às quais nos referenciamos.

A fantasia de que os robôs possam se tornar um dia nossos substitutos em várias áreas da atuação humana, creio que seja ainda menos tenebrosa do que o terror à acontecer a olhos vistos, diante de nós – a de que estamos nos tornando cada vez mais “limpos” de sentimentos – robotizados e imagéticos – basicamente, hologramas vivos…

https://meusanimais.com.br/beleza-dos-caes-pretos/