11 / 01 / 2025 / Aranha Pega-Moscas

Fazia algum tempo que eu não via uma aranha pega-moscas. Esta, estava no banheiro externo. Quando garoto, pelas paredes de cimento cru do meu quarto, encontrava algumas aranhas dessa espécie, fascinado com a inteligência de seus movimentos, sempre atenta aos meus. Lá, eu não via medo, mas atenção. Apenas mais recentemente, descobri que ela tem oito olhos, sendo que o par frontal é o mais desenvolvido. Isso com certeza a ajuda a ter controle sobre possíveis inimigos. Qualquer perigo mais premente, o seu salto gigantesco (20 vezes o seu próprio tamanho), a coloca longe de ser aprisionada ou morta. Aliás, também é o modo que usa para alcançar moscas e mosquitos. Muitas vezes as observava esperar o momento exato para saltar sobre a presa, apreciando cada movimento, como se fizesse de distraída. Passadas décadas desde que olhava esses seres especiais como iguais, fico feliz de não ter perdido a minha admiração por elas.

BEDA / Universo Cidade*

dois ônibus ir dois voltar
atravessar cidade universidade
mãe orgulhosa pai exultante
dizia para amigos meu filho uspiano
afastado não ajudava
madalena sozinha pagava transporte
quatro passes por dia
dinheirinho lanchar xerocar
saía cedo voltava noite
quinze minutos de atraso
multiplicado tempo por quatro
trabalhos feitos nas coxas
papel caneta trepidação asfalto irregular
letra estranha hieroglifo pessoal
egiptologia primeiro desafio
professora boa severa
o tema é este se virem
biblioteca lugar preferido
mudei maneira exposição
regrei pensamento
conheci colegas artistas
ratos de porão ira!
piscina plataforma dez metros
saltos prova de coragem
futebol campo oficial médio volante que batia
corridas cem metros diversão
um dia fiquei preso trânsito parado
dormi meia hora acordei mesmo lugar
preferi hora mais ficar entre livros
no retorno augusta noturna
mulheres lindas altas curvilíneas
especiais volumosas homens
quis cantar no coral
rejeitado maestrinho novo filho de maestrão
cargo indicado o vaidoso queria distinção
contrário anúncio não precisava saber cantar
feliz ano velho figurante de filme
pensei ser ator
colega cabelos dourados desfilava pelos corredores
guardava o sol na cabeça
iluminava meu olhar seu sorriso
outra noiva que desejava
convite bicicleta Ibirapuera
timidez atroz medo escapei
outro amor do colégio
estudava nutrição invadi sala entreguei cartas
declaração admiração paixão recolhida
encontro noite estranha
eu não conseguia falar o que desejava
ela disse você não pertence a sua família
mãe irmãos dissemelhantes
como se fosse adotado
aumentou sensação de alienígena
quando a busquei de novo
comportamento muito ruim
passei limites me senti diferente de mim
mas era eu mesmo assim
dissociação perigosa inescrupulosa
um dos meus avessos quis ser frei franciscano
quase três anos caminho
visita seminário agudos santo antônio
frei luiz não quis mais um ano sabia
frei não seria
de história entrei curso português
sonhava ser escritor mudei opinião conheceria mulher
tingi cabelo amarelo trabalhar carnaval
encontrei namorada que veio de longe
rasguei peito abri coração
perdi virgindade transei primeira vez
mudei curso rumo caminho história
27 anos engravidei casei
a vida acontece apesar da vida.

*Poema de 2021

Imagem: Foto por t4hlil em Pexels.com

Participam: Danielle SV / Suzana Martins / Lucas Armelin / Mariana Gouveia / Roseli Peixoto / Lunna Guedes / Dose de Poesia / Claudia Leonardi / Alê Helga



  



Projeto Fotográfico 6 On 6 / Nostalgia

Eu diferencio Nostalgia de Saudade. A primeira palavra designaria um sentimento vago e abrangente de lembrança, um tanto melancólica de uma determinada época ou circunstância. A segunda, para mim, significaria um sentimento mais específico quanto à pessoas ou lugares, normalmente inspiradora e alegre. Porém, saudade também é bastante utilizada para designar sentimentos amargurados de solidão quando ao objeto de afeição. Por isso mesmo, é comum que confundamos as definições, mesmo porque são sentimentos imbricados, ainda que Saudade seja um idiomatismo da língua portuguesa. Nesta postagem, posto momentos específicos que me trouxeram boas lembranças e, nesse caso, a nostalgia se apresenta contagiada pela saudade.

Imigrantes andinos (2017)

Das personagens que encontramos por aqui… Todos os povos têm chance de se expressar culturalmente em Sampa, onde encontramos pessoas de todas as origens, de todos os tipos, de todos os cantos do Brasil e do mundo. Quem disser que esta terra não acolhe e não congrega quem aqui chega, está mentindo e quer criar a ideia de um separatismo que só é professada por alguns, uma absoluta minoria. Afinal, quem, entre a maioria de nós que vivemos aqui, não descende de povos de outros lugares?

Dona Georgete, primeira da direita para a esquerda, que comemorava os seus 90 anos, sentou-se com suas amigas de frente para a pista e viu a juventude dançar… Não acho que fosse com inveja. Pela retrospectiva apresentada na festa, concluo que ela não tenha ficado devendo em nada quanto às possibilidades que a vida apresentou a ela e agora apenas aprecia com prazer o ciclo a se completar…

Escada inventada por Santos Dumont (2017)

Este modelo de escada foi inventado por Santos Dumont. Cada degrau cabe apenas um pé. Ela é propícia para passagens estreitas, além de muito interessante para supersticiosos. Em se colocando o primeiro degrau para o pé direito e o último para o pé esquerdo, sempre o pé direito será aquele que iniciará o passo, ao descer e subir. Ela está instalada num palco suspenso de um buffet, onde trabalhei bastante. Quanto a Santos Dumont, é mais conhecido como um dos primeiros a desenvolver um modelo de avião e foi o criador do relógio de pulso. O sujeito era um gênio!

Dulce & Chiquito na gaiola (2016)

Quem está solto? Quem está preso?…

As calopsitas (que já partiram) passeiam pela gaiola a se sentirem seguras, mesmo com a aproximação de supostas predadoras (uma delas também já partiu). As plantas do jardim estão cercadas para que elas não sejam prejudicadas por invasores. Na verdade, se tivermos a clarividência necessária, nós, os animais humanos, não estamos em situação muito diferente. Da mesma forma, nós nos imaginamos protegidos por grades nas janelas, portas e portões de ferro… O que diferencia uns prisioneiros de outros? O que é liberdade?… Desde quase sempre, somos seres presos a uma estrutura em que somos mercadores da vida e da morte. Porém, para além do jogo das aparências, alguns dizem que existe um mundo livre de todas as amarras e condicionamentos…

O estudante de Educação Física, no Clube Spéria (2010)

Iniciei em 2009, aos 47 anos, o curso de Educação Física, na UNIP. Formei-me Bacharel em 2013. Neste registro, faço uma das etapas da sequência pedagógica do salto à distância, neste caso, com o auxílio de plinto (plataforma de madeira), na aula de Atletismo do Profº. José Luis Fernandes, mestre do Ensino e da Vida.

O menino passarinho e seus companheiros de salto (2016)

Em 13 de Abril de 2016, esta turma que está comigo na foto, vivemos juntos a experiência de saltar a 12.000 pés. Eu, que costumo apreciar as nuvens e o céu com os pés bem fincados no chão, cheguei um pouquinho mais perto dos meus objetos de culto. Do alto, vi os veículos, as casas, os animais, estradas e rios diminuírem de tamanho, até voltarem a crescer. Foi a primeira vez que saltei, mas tudo pareceu estranhamente familiar, já que quando era garoto, a experiência de voar era constante, em sonhos…

Isabelle Brum / Lunna Guedes / Mariana Gouveia

BEDA / O Voo Do Menino Passarinho*

Desde que houve a decisão de que iria saltar, certa calma se apossou de mim. Talvez, antes, ficasse um tanto inquieto com a possibilidade, mas, depois, a decisão de descer do céu me pareceu tão natural quanto andar.

Voava muito quando criança, em sonhos recorrentes que eu tinha o poder de prolongar a meu bel prazer. Poder esse, pus a perder com o passar do tempo… deixei de dar rasantes rentes aos telhados das casas do bairro. Muitas outras coisas deixei para trás ao me tornar adulto. Passei a valorizar crescer, na ansiedade de alcançar algo que nos dizem ser o ideal como homem ou mulher.

Crescido, namorei, casei, constituí família, me fiz criança com as minhas crianças, sem muita chance de me aprofundar naquela ilusão, já que ganhar o sustento da casa era prioritário na escala das importâncias que devia atender.

Até que se chega a um momento na vida que os ciclos se completam e resgatar a capacidade de sonhar equivale a buscar o melhor de nós para continuar a viver. Quando menos se espera, o sonho torna-se possível de ser realizado e acabei por perceber que não era tão complicado executá-lo. Bastava dizer “sim” a mim mesmo!… Vamos?… Vamos!

E lá fui voltar a ser eu mesmo, menino, passarinho. Não mais com o poder de voar sem asas planar, subir e mergulhar em movimentos de pássaro indômito. Agora, máquinas forjadas pelo poder inventivo do ser humano me auxiliariam alcançar a sensação de colocar os pés a quase quatro quilômetros do chão e voltar a colocá-los plantados no solo.

Foi feito um filme do salto. Nele, se mostra como foi o desenrolar dessa aventura. Fica evidente o seu entusiasmo. Bem mal, se pode ouvir o menino a declamar, em pleno ar, o poema mais antigo que se lembra de ter feito, ainda garoto:

“Ao longe
As estrelas brilham
Por perto
As pessoas queimam”…

Acrescentando:

“Hoje, eu beijo as estrelas!
Eu as possuo, em colchões de nuvens!”

E é desse matiz o voo que ele vem tentando realizar agora, apenas que mais perigoso escrever é como saltar no escuro, porém sem paraquedas.

*Texto produzido em 13 de Abril de 2016, por ocasião do salto.

Lunna Guedes / Claudia Leonardi / Adriana Aneli / Roseli Pedroso
/ Mariana Gouveia / Alê Helga / Darlene Regina

O Salto

Vivo quase o final da minha quinta década.
Estou, como nunca antes na minha vida,
me sentindo em plenitude.
Não que tenha tanto fôlego quanto antes,
porém nunca tive, como agora,
consciência de minhas limitações.
Além de certeza de minhas possibilidades…
Sei que sou falível.
Por isso, me cuido mais
e cuido mais de quem está a minha volta.
Tento não deixar nada ao acaso.
A não ser quando sinto que é o acaso
que deva comandar a trama.
Como disse alguém deste sertão,
“a felicidade se acha nas horinhas de descuido”…
Então, antes de voltar para a realidade
do sonho,
sem cuidado,
saltei para a precariedade
da vida real.
Só não esperava que o mergulho
nessas águas sem termo
fosse tão profundo,
que talvez não possa retornar…