25 / 08 / 2025 / BEDA / Gosto De Infância

Coisa rara, mesmo na Periferia, cultivamos um jardim com plantas frutíferas. Uma delas, para a minha alegria, é a de ameixa (como sempre chamei a minha vida toda), mas também conhecida como nêspera, como me lembrou uma amiga de letras. A minha alegria provém do gosto da fruta que me remeteu diretamente ao tempo em que vivi na Penha. Morávamos no que chamávamos de porão da Tia Raquel que, com o seu esposo, José, eram donos de uma pequena fábrica de flexíveis de borracha usados em carros. Tanto meu pai quanto a minha mãe, trabalhava para eles. Essa dependência suponho que fosse veneno para o meu pai, um homem de esquerda radical.

Não apenas nós, mas outras pessoas da família viviam em outras unidades na grande propriedade dos Gomes. Num terreno ao qual se adentrava por uma portão de ferro, um mundo a ser desbravado. Nele viviam gansos, patos, galinhas e, em chiqueiros mais ao fundo, porcos. Tive experiências radicais nesses tempos entre os 5 e 8 anos, como o abate de porcos. Seus altos roncos feito gritos humanos não saíram até hoje da minha lembrança.

Mas além da fauna, a flora era também bastante variada. Além das mamonas que usávamos para o estilingue, havia cana-de-açúcar, pé de loro, laranja-lima, bananeira e um grande pé de nêsperas, as minhas saudosas ameixas. Vou provar as de casa que viajei para a época que subia na árvore frondosa pelos troncos e galhos até alcançar as adoradas e douradas frutas. Gosto de infância — efeito de coisas simples — mas poderoso.

12 / 04 / 2025 / BEDA / O Traço*

Traço e som contínuos, como se não fossem terminar.
Bastaria desligar um botão – linha e grito
se perderiam no infinito apagado
e mudo…
Como se estivesse seguindo um roteiro,
espero pelo túnel de luz…
Que não se abre…
Eu me incomodo, mas nem tanto.
Estava em paz e não me importaria que permanecesse
naquele estado estável de barco a vela em mar aberto
sem vento, sol sem quentura, corpo sem frio…
Até que…
A paz começou a me inquietar…
A quietude a me oprimir…
A solidão a me assediar – um monstro branco e totalitário.
Meus olhos fechados, deslocados de meu rosto amorfo,
começam a queimar…
Ainda que não respirasse, principio a sufocar…
Me pergunto se estou no Inferno – traço de nada.
Tento rememorar minha existência passada…
Percebo que a perdi…
Não sou e nunca fui nada…
Expandido por todos os lados,
sinto falta da contenção que a minha pele proporcionava.
Sinto a ausência do fluxo sanguíneo, da saliva e dos substratos
expelidos pelo sistema excretor – sensação vital…
Ouço murmúrios, como se fosse o som de um pequeno riacho
a passar – pequenas-pedras-que-rolam-entre-margens-sem-fim…
Por um instante, volto ao mundo material…
Pairando sobre o meu antigo corpo,
testemunho pessoas a pressionar o peito do sujeito
e atacá-lo com choques elétricos…
Sei que não sou mais ele.
Entre curioso e saudoso, não impeço (como se pudesse)
que continuem tentando…
Sei que não conseguirão…
Ou não quero que consigam.
A ciência total do que me rodeia – o Infinito
enceta me trazer felicidade…
Em contagem regressiva,
dou o passo traçado desde o início do meu tempo –
o desenlace – o traço final.
Antes de me perder no Nada pleno,
ainda ouço: “Hora do óbito – Oito e oito”…

*Poema de 2020