BEDA / Último Pensamento

tudo poderia ficar para depois
mas as lembranças não adiam a estadia
enquanto os esquecimentos fazem morada permanente
não há mágoa mas há
para mim vivo não dias porém eternos minutos
passo a passo e em cada um deles para cada memória
aleatória
uma parte de sombra e perdas
porque não fui feito para interagir mal consigo
lhe dar comigo me olvido de mim
esqueço quem sou
para onde vou
não sei de onde vim
me sinto apartado do mundo mas nele vivo
quantas vezes no chuveiro olho para os meus pés
em contato com o piso alagado de reminiscências
que escoam pelo ralo
a água é meu elemento preferido principalmente a salina
nas ondas peito os enfrentamentos e afogo
meus desejos enquanto os afago
sim
eu os tenho sou movido por eles os refuto conscientemente
ainda que os concretize
na temporada junto ao mar chuvas constantes
raios que matam e ferem
após um dia em inquietude desejei ir para a areia
tarde em escuridão de nuvens carregadas
efeitos de zcas el niño la niña seres humanos
apesar disso entrei oceano adentro
me banhei de penitência pensando que talvez morresse
cercado de solidão a minha miopia imperante
meus últimos pensamentos na desconhecida
de todos
visão para outro estado de ser
talvez morresse naturalmente
fulminado por um raio
mas sobrevivi para continuar
a magoar…

Foto por cottonbro studio em Pexels.com

Participação: Lunna Guedes Mariana Gouveia / Claudia Leonardi Roseli Pedroso / Bob F.

BEDA / O X Da Questão

Eu tinha duas contas no X, antigo Twiter, desde 2009. Eu o aderi três anos depois de sua fundação, em 2006. Por lá, divulgava os meus textos publicados no WordPress e, antes, quando comecei com os famosos 140 verbetes. Isso me ajudou a encontrar meus pares ligados à Literatura, inclusive em Portugal e Espanha. Achei que era uma ferramenta incrível, onde aprendi a domar a minha tendência à verborragia por essa ocasião, exercitando em pequenos textos as minhas ideias e temas.

Passados alguns anos, o Twiter se agigantou, ganhou cada vez mais seguidores e consequente influência em vários níveis – econômico, social, político – em diversos países. Já era uma tendência cada vez mais crescente do poder das redes sociais na vida dos cidadãos do mundo todo, a começar pelo Facebook, fundado dois anos antes – uma revolução nas relações entre as pessoas, assim como foi a bicicleta na Europa – fator de aproximação entre pessoas de condados distantes. Apenas que a escala foi estratosfericamente maior – mundial, de fato.

Porém, ao contrário da inofensiva bicicleta, os diversos aplicativos das redes sociais foram se tornando cada vez fatores de desestabilização de arranjos familiares, no menor (em termos de tamanho, ainda que importante) efeito possível, até o ideológico, que regula as relações políticas entre as organizações junto ao poder central em andamento cada vez mais célere. Borrando as fronteiras entre o aceitável e o não aceitável em termos cada vez amplos em um número cada vez maior dos países.

Portanto, contribuindo para que os parâmetros regulatórios não acompanhassem a sua crescente capacidade de influenciar um público despreparado para filtrar o que fosse informação fidedigna ou não. Tornou-se óbvio para os mais espertos que era uma excelente oportunidade para faturamento financeiro através de novas formas que transitavam na zona cinza entre o que era legal ou ilegal com golpes cada vez mais elaborados, principalmente para os não iniciados no mundo virtual. E não demoraria para que os poderosos ou aqueles que queriam chegar ao poder percebessem o potencial tremendo que uma rede de alcance sem limites que permitia a veiculação das suas plataformas políticas de viés antidemocrático.

Grupos políticos organizados dentro do Brasil buscaram suporte em organizações de atuação digital no exterior. Algo que já havia ocorrido antes no País mais poderoso do mundo, quando hackers da Rússia interferiram nas eleições norte-americanas, com campanhas veiculadas em redes virtuais. Agora, mais distante no tempo, é possível perceber que estava em curso um concerto internacional que visava implantar um poder mais aberto à atuação desse setor sem regulamentação formal até então.

A Direita, diante dessa realidade, acompanhada por um quadro em que a Esquerda permitiu que seus erros servissem de munição ao radicalismo extremista direitista, prosperou. Sabendo utilizar as novas ferramentas, acabou por assumir o poder justamente quando um vírus acabou por demonstrar a capacidade letal de sua propagação. Como não havia vontade política de combatê-lo, com a negativa da compra e o uso de vacinas, algo caro à plataforma de direitistas no exterior foi aplicado à realidade brasileira – o negacionismo científico – item da cartilha da Extrema Direita.

Um país como o Brasil, campeão na vacinação de sua população, que propiciou a erradicação de várias doenças endêmicas, voltou no tempo e viu enfermidades simples voltarem a matar indiscriminadamente. Além da Pandemia de Covi19, que ceifou a vida de mais de 700.000 pessoas, oficialmente. A propagação da campanha contra as vacinas continua repercutindo, a ponto de influenciar pais que não levam os seus filhos para que sejam vacinados contra a epidemia de Dengue em crianças ou HPV, para impedir a propagação de doenças venéreas entre os adolescentes. Ou seja, a propagação de informações enganosas, mata!

O fato novo, ou nem tanto, já o tal Senhor X já havia se encontrado pessoalmente com o Ignominioso Miliciano em território nacional, agora ataca de longe a Democracia brasileira. Foi o apito de cachorro necessário para que os seguidores do bando do enviado dos porões da Ditadura começassem a vociferar contra o Sistema Judiciário que garantiu durante a Pandemia que tivéssemos vacinação em massa. Que conseguiu colocar o Ignominioso Miliciano em seu devido lugar na História – ladrão de joias da Coroa, incentivador da destruição de mundos, simpatizante da tortura, de aniquilação de etnias, reacionário nos costumes que aviltam a dignidade humana, extrator de pústulas como se criasse jardins.

Quando surgiu o Senhor Z, criam que ele fosse perigoso pelo poder de intervenção na vida cotidiana dos cidadãos de todas as latitudes. Porém, ele não chega nem perto do projeto de poder do Senhor X. Dono de 5.000 satélites dos 7.000 em órbita em torno do planeta, ele pode, se quiser, intervir em todo o sistema de comunicação mundial. Localmente, interessado nas riquezas nacionais, como as minas de Lítio, importante para tal estratégia, se associou a um sujeito que venderia a mãe e a entregaria, como faria o antigo residente do Palácio do Alvorada. Para além de suas convicções fora de órbita, o Ignominioso Miliciano, serve muito bem aos seus propósitos.

Angariando simpatia ao estabelecer uma agenda de produção de energia limpa, acena para o retrocesso institucional num planeta que apenas a equanimidade política imposta pelo servilismo social antidemocrático, sem reações a padronização dos costumes, lhe seria útil. Como se a humanidade não tivesse uma riqueza de identidades díspares. O Senhor X, comprador de sonhos, vingativo contra os meninos que um dia o agrediram, tenta superar o seu sentimento de homem pequeno com o peso de sua mão alva e delicada, mas perigosa.

Com a minha saída do X, marco posição. Não acho que deva ser a regra de quem percebe o quanto o Senhor X é pernicioso. Se quiser, que fique e lute de dentro para fora. O X tem como o seu maior problema e vocação, a sua maior atração. Uma terra que se pretende sem lei, fabricante de ódio e desejo de lacração. Eu tinha poucos seguidores, nunca fiz questão de que fossem muitos. O aplicativo era mais uma espécie de depósito de ideias. Muitas, eu nem acredito mais. Não farei e nem sentirei falta, como sinto falta das minhas antigas ilusões. Crescer é isso? Descrer do ser humano?

Foto por Helena Jankoviu em Pexels.com

Participação: Lunna Guedes Mariana Gouveia / Claudia Leonardi Roseli Pedroso / Bob F.

Ciúme*

Na imagem, atrás da Bethânia, quase despercebida, a carinha da Indie, que foi doada.

Ciúme, o seu nome é Maria Bethânia. Quando começo a acarinhar as outras, ela logo se põe a protestar veemente. Chega a morder a minha mão e atacar fisicamente as demais do grupo, não importando os tamanhos dos alvos, diante de sua contrariedade desmedida.

Quando quero chamar a sua atenção ou quando a chamo e ela não me atende imediatamente, uso sempre o expediente de passar a mão pelas cabeças das amigas, o que é suficiente para transformá-las em oponentes, vindo em nossa direção, a enfrentá-las, ainda que saiba que são maiores e mais fortes do que ela.

De onde deriva esse ciúme, afinal? Sou aquele que não deve dividir a minha dedicação e zelo com mais ninguém? Ela se sente minha proprietária? Um sentido de territorialidade natural exacerbada talvez explicasse a sua reação, no entanto, o seu cuidado não se estende tão fortemente à sua cama nem ao pote de comida, aliás, quase nada.

A contrariar o fato aceito de que somos a nós a possuí-los (a determinar-lhes o destino), quem decide levar a cabo os melhores cuidados a esses seres especiais, sabe que somos nós a sermos possuídos por eles. Será que chegam a ter consciência que seja um pecado sério dispensar atenção a mais alguém além deles, da família dos canídeos e de outros seres humanos?

O meu desejo de expressar em palavras as minhas suposições foi motivada por um episódio. Quando fui à casa da minha irmã, que mora ao lado, logo na entrada acarinhei a Vitória e a Dominique. Qual não foi a minha surpresa ao ouvir um latido lastimoso vindo da minha varanda. Lá estava a Bethânia, a demonstrar o seu desacordo em relação à minha afetividade por aquelas que conheço há anos. O seu olhar era quase desesperado. As suas orelhas eriçadas quase tocavam o céu!

Maria Bethânia foi resgatada da rua por uma das minhas filhas humanas a pedido da minha companheira, Tânia. Em direção ao trabalho, ela a viu a correr sem rumo por nossa vizinhança e quase entrar debaixo de seu carro, condoeu-se de sua condição. Era um sentimento novo para ela, que nunca foi tão achegada aos cães. A experiência de acompanhar a Dorô em sua jornada de combate ao câncer que finalmente a vitimou, lhe trouxe a inesperada percepção da nossa imensa conexão com esses seres únicos.

O meu interesse pela origem do ciúme de Maria Bethânia é quase antropológico – no sentido que o cão é um ser que tem, ao longo dos tempos, adquirido comportamentos assemelhados ao do Homem. De modo geral, além da inteligência básica, são seres-repositórios de emoções e sentimentos puros e sem medidas. Amor e ciúme, sem dúvida, estão entre eles. Nos cães, a força da irracionalidade se expressa, então, de maneira mais acintosa. Amor, ciúme, posse — onde começa um e termina outro?

Há a eterna discussão se o amor é uma construção sociocultural ou uma condição intrínseca aos seres humanos; se a sua base é espiritual ou físico-química; se é algo substancial a ponto de ser verificado expressamente ou uma ilusão mental… Creio que a ligação que desenvolvemos com os outros animais, principalmente os mais próximos de nós, “aculturados”, possa dizer muito sobre a própria condição humana. Talvez possa vir a desvendar se amor e as suas emoções subsidiárias, como o ciúme, revela-nos animais básicos ou, basicamente, que somos animais confusos demais para sabermos o que sentimos, quando sentimos…

*Texto de 2017, constante de meu primeiro livro de crônicas lançado pela ScenariumREALidade

Vingança

Aqui, não vou tentar demonstrar quem tem razão no conflito em Israel. Ninguém tem ou todos têm a sua razão. Apenas tento imaginar (e não consigo) como deve ser doce o gosto de revanche para causar tanto sofrimento – quanto maior, melhor. Para quem o pratica, para quem se extasia ao ver o terror perpetrado em Gaza, na Comunidade da Maré, no Afeganistão, Ucrânia ou em Benin. Aqui perto, todos os dias, na América, África, Europa, Oriente Médio, Ásia

As vítimas, já sabemos, serão sempre os cidadãos comuns, aqueles que tentam viver uma vida em que possam respirar, trabalhar, amar. Mas para alguns como amar deve ter regras. Os fundamentalistas assim apregoam. No conflito provocado pelos fundamentalistas do Hamas, tanto os palestinos quanto os israelenses, além de pessoas de vários lugares do mundo que estão no local e, com o passar do tempo, em vários pontos do planeta, sofrem e sofrerão devido às consequências da decisão do grupo terrorista em ultrapassar as fronteiras pela além de Gaza.

Para os seus dirigentes, foi um movimento que, sabiam, teriam duas consequências imediatas. A primeira, o assassinato à sangue frio de moradores da região atacada – revanche por todos os ataques sofridos no período anterior. A segunda, a reação do Estado de Israel e aliados que revidariam com poder de fogo bem maior, atingindo aos palestinos que supostamente dizem defender, o que poderia levar ao eventual alinhamento de outros grupos radicais e/ou países simpáticos à causa palestina, causando uma guerra total.

Para quem é minimamente bem-informado, esse conflito tem origem bíblica, mas ganhou dimensão quando parte da Palestina foi fatiada para a criação do Estado de Israel, logo após à Segunda Guerra Mundial. O fenômeno do Holocausto havia causado tamanha comoção planetária que justificou a decisão de implantá-lo. À época, a hegemonia dos países “vencedores”, como os Estados Unidos, URRS e Inglaterra era tamanha, que não houve como não ser aceita pelos países em torno da área designada, não sem protestos.

Como consequência, vários outros conflitos foram gerados desde então e o sentimento de revanchismo foi crescente. Compreensível, até que o lado reptiliano viesse a entrar em operação em várias ocasiões, levando a movimentos irracionais, ainda que premeditados. Decapitar cabeças de bebês responde ao mal já feito anteriormente? Terrorismo de Estado por um lado, contra ações pessoais em que um “ser humano” se encaminha a um berçário, observa seres indefesos à disposição e inicia, através de utensílios cortantes, o movimento de arrancar a parte acima dos seus ombrinhos. Essa é uma resposta viável?

Aqueles que se refestelam contra as ações de pequenos contra os poderosos absolvem essa ação? Até que ponto o nosso desejo de justiça encara esse evento como reparador? Qual o sentido de perdermos o senso e defender o mal sob qualquer ponto de vista? Que posicionamentos ideológicos justificam todos as consequências de uma guerra total? Como é fácil apoiar atitudes espúrias para que se confirme um ponto de vista distorcido pelo ódio e gozar a cada ação terrorista como correta, longe da área de conflito. Quem vence? Qual será o vencedor? Quem vencerá a dor?

Foto por Kristina Paukshtite em Pexels.com

BEDA / Bacurau Contra A Quadrilha Pé De Chinelo Cravejado De Diamantes

Uma das Últimas cenas de Bacurau, filme de 2019.

“Os moradores de Bacurau, um pequeno povoado do sertão brasileiro, descobrem que a comunidade não consta mais em qualquer mapa. Aos poucos, eles percebem algo estranho na região: enquanto drones passeiam pelos céus, estrangeiros chegam à cidade. Quando carros são baleados e cadáveres começam a aparecer, Teresa, Domingas, Acácio, Plínio, Lunga e outros habitantes chegam à conclusão de que estão sendo atacados. Agora, o grupo precisa identificar o inimigo e criar coletivamente um meio de defesa” — sinopse do filme Bacurau, lançado em 2019.

Há alguns dias, revi esse filme que, com o passar do tempo, ganhou em dimensão. Já impactado quando o vi pela primeira vez em seu ano de lançamento, no início do último quadriênio, as pequenas, mas abjetas práticas do desgoverno federal já antecipava os previsíveis desastres seguidos, incluindo a péssima administração da Pandemia de Covid-19, uma espécie de bônus negativo no tenebroso vácuo de bom senso que havia possibilitado a eleição do Ignominioso Miliciano.

No centro da cena, um sujeito que resultado de uma amálgama de fatores que geraram o estabelecimento de quadrilheiros como políticos profissionais no Rio de Janeiro, chegou ao plano nacional não mais como Deputado, mas como Presidente. Divulgado no primeiro cargo como piada, acabou influenciando uma parte da população que o via como um tipo antissistema. Ao contrário, ele justamente representava a faceta espúria do povo brasileiro herdeira do sistema escravagista que regeu esta nação por 400 anos. O grupo do qual fazia parte talvez não tivesse a garantia de que chegariam ao poder, caso desse certo o conluio de procuradores e juízes que viciaram o processo da eleição. Optaram por agirem localmente, aplacando seus opositores violentamente.

Marielle Franco, principalmente, que começava a atrapalhar o projeto de ampliação do poder da Milícia caiu vitimada, junto a seu motorista, Anderson Gomes. Além disso, a jovem vereadora tinha um futuro pleno de possibilidades a longo prazo, o que poderia interferir no quadro de dominação do reduto eleitoral miliciano. Atualmente, não duvido de que várias operações de “combate ao tráfico” por parte da Polícia carioca, tenha por objetivo essa mesma “política” de ampliação das áreas de influência desse poder paralelo que já abarca boa parte da antiga capital brasileira. O alto número de mortos em “confronto” assemelha-se a execuções de líderes opositores.

Em nível nacional, após o afastamento do candidato mais forte à Esquerda, em 2017, que poderia obstar o avanço da Direita retrógrada na administração do País, iniciou-se o processo de desmonte da estrutura governamental já estabelecida. Seguiu-se a “orientação” dada pela barafunda de preceitos de Olavo de Carvalho — íntimo do presidente eleito & filhos —, um místico da pior qualidade, metido a filósofo, bem afeito aos falsos profetas que as redes sociais digitais propagam como praga.

Fascinado pelo macho-alfa do Norte, o Ignominioso Miliciano fazia de tudo para imitá-lo. Pode parecer perverso, mas o imaginava chupando o pauzinho do Mister Carrot em todos os encontros que tiveram. Metaforicamente, era o que fazia — incluindo um “I love you” publicamente expressado. Quase chega a parecer justiça poética atualmente os verem correndo o risco de serem condenados não pelos piores crimes que cometeram, como desmonte do Obama Care, nos Estados Unidos e pela não opção da vacinação em massa no Brasil, quando o tal teve a oportunidade de implementá-la. Ainda mais que surgiu a informação que o “nosso desgovernante” tenha intencionalmente ignorado cerca de mil estudos sobre a letalidade da Covid-19. Eu me lembro que chegou a dizer que “apenas velhos e pessoas com comorbidade” poderiam vir a falecer. Como se isso não fosse suficiente… A possibilidade é de que tenha chegado a duas centenas de milhares de vítimas fatais a não adoção da política preventiva.

Com o caso das joias — relógios, pulseiras, canetas, braceletes, colares e outros artefatos — ganhando espaço no noticiário político, não parece inviável que a compra de uma vacina indiana sem comprovação de eficácia e prazo de entrega por um preço exorbitante, além de pagamento adiantado para uma conta criada às pressas, é um indício de que faça parte de uma tentativa de desvio do erário público da gangue instalada no Palácio do Planalto. Afinal, avançar sobre áreas públicas para erguerem prédios sem fiscalização, dominar a distribuição de gás e pontos de TV À Cabo e Internet clandestina não daria tanto dinheiro. Talvez, a venda de drogas… e a compra de vacinas superfaturadas, descobriram. Não custava nada tentar. Qualquer coisa, desmentiriam, com os fanáticos bem alimentados de grama dizendo amém.

Em Bacurau, um político “vende” os moradores da cidade de mesmo nome para um grupo de caçadores esportivos americanos. Em vez de animais, os alvos são aquelas pessoas “dispensáveis” — os brasileiros típicos de algum lugar do Nordeste — o Brasil autêntico no que ele tem de mais interessante: criativo, delirante, sofisticadamente simples, exuberante, apaixonado e violento, quando provocado. Um povo cordial, portanto passional. Os assassinos não esperavam resistência. Para tornar o jogo mais excitante, utilizavam armamento antigo, mas igualmente mortal. A ação contra os habitantes da vila, seria como pescar peixes numa bacia. A excitação que a expectativa das execuções causavam era orgástica. Ganhavam pontos a cada execução — velhos e crianças, inclusive.

A passagem que achei mais emblemática se dá quando um casal de brasileiros se mete na matança, tirando a chance de duas mortes do jogo ianque. Estavam lá para dar apoio logístico, apenas, não para participarem diretamente. Na mesa de reunião, ocorre uma discussão sobre a condição racial. Ainda que tivessem a tez branca, não poderiam ser chamados de brancos. Os americanos decidiram que eles em não fazendo parte do grupo, os executaram. Afinal, eram apenas latinos. Para a maioria deles, somos todos “cucarachas” — baratas nojentas — a serem pisadas pelas botas que calçavam.

A elite rastaquera daqui se sente superior, mas sofre igualmente preconceito dos seus pares do Norte. A única semelhança é acabar por se igualarem na mais baixa condição de ser humano — insensível, repressor, ignorante e indigno — assim como os assassinos de Bacurau. Apenas não contavam com o poder de resistência de quem desprezavam…

Texto participante do BEDA: Blog Every Day August

Denise Gals Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Bob F / Suzana Martins Cláudia Leonardi