23 / 11 / 2025 / Blogvember / Rindo-Me De Dentro De Um Silêncio Que Me Apraz

estou em casa sentado no sofá ao lado de amigos que apenas desejam estar junto a mim
sorrio um sorriso tímido de que quem se sente amparado por afeição genuína
e ciúme de tanta atenção por outros seres
o prazer se deixa espraiar pelo dia sonolento e morno de primavera
não falar nada é também um doce aliado ao som da chuva que começa a me dizer
que é tempo de prosperar folhas novas galhos mais grossos frutas maduras
ar renovado
mente acalmada
alma acalentada…

Participação: Lunna Guedes

13 / 11 / 2025 / Blogvember / Dizemos Com Os Olhos Do Silêncio…

que não é mudez… me expresso pelo olhar a curiosidade em saber
quem é você quem sou eu porque estamos aqui apesar de todas as probabilidades
desse encontro de corpos de presenças de sentenças ditas e não ditas
de histórias pessoais famílias diferentes expectativas e desejos diferenciados
como não nos afastamos por tantas contrariedades idades dificuldades?
amor silencioso e potente
consumado de forma doce e voraz
que sejamos súditos dele e dele nos sirvamos
que sejamos eternos enquanto amamos…

Participação: Lunna Guedes

#Blogvember / Amantes Da Penumbra

seremos deuses de cada dobra escura… (Obdulio Nuñes Ortega)

Foto por Josh Hild em Pexels.com

dobramos as esquinas na penumbra da cidade abandonada
escorregamos por entre as fendas da solidão em desencontros
abrigados da chuva ácida nos olhamos em profusão
de raios e trovões da tempestade elétrica que nos iluminava
os lados escuros dos rostos cegos de mais ninguém
a lua quase apagada deixava um rastro de silêncio
não ouvimos as vozes que nos alertavam não se amem
não se queiram a lei proíbe por contenção de desejos
os supremos nos observam vendem vendas
para que durmamos alheios da claridade que o amor proporciona
a clareza da dor a imensidade da percepção a profundidade do querer
avançaremos sobre as muralhas escorregadias da lama que escorrem
do alto dos gabinetes dos governantes do caos
senhores das benesses vendedores das necessidades dos seres perdidos
este mundo apesar de tudo já foi melhor ou melhor achávamos isso
tudo acontecia ao derredor as dores os sofrimentos sempre no plural
insidiosos perfurantes algozes menestréis do mal anunciavam
que viúvas aportariam às praças que mães chorariam nas escadas
que as portas se fechariam aos amores que as crianças não sobreviveriam
nos apaixonarmos é uma revolução um não ao não
se mais nada restar seremos amantes deuses de cada dobra escura…

Participam: Lunna Guedes / Suzana Martins / Roseli Pedroso / Mariana Gouveia

BEDA / Abertura

você diz que quer fazer a minha mente se perder
a cada palavra expressa do seu desejo
partes de mim respondem excitadas
atinge o meu peito que arfa em comoção
aguardada mas nunca esperada de tão rara
abre um sorriso na minha cara
e isso é mais do que sorte
gosto de beijar como pelas ondas a areia
e de ser beijado como pelo vento o mar
em fluxo e refluxo
de entrar e sair
de me deixar e me encontrar
seguir pela estrada aberta
até aquela praia deserta
onde nos deitaremos no arenoso manto
o sal a nos santificar
o sol a nos invadir em calor e luz
nós mesmos a nos devassarmos
a nos preenchermos
de silêncio ofegante
banhados de suor
e alegria por estarmos vivos
enfim serenos e plenos
em nome da paixão
do gozo
e do corpo santo
amém…

Foto por Asad Photo Maldives em Pexels.com

Participante do BEDA: Blog Every Day August

Denise Gals / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Bob F / Suzana Martins / Cláudia Leonardi

#Blogvember / Silêncios Pequenos

… ainda há silêncio nessas horas pequenas…
– Nirlei Maria Oliveira em palavr(Ar)

Desencontrados por anos, os dois perderam contato, ainda que a saudade fosse constante companheira de ambos.

Avesso a redes sociais e a grupos, mesmo aos do seu métier, Thiago passava a maior parte do tempo pintando, encerrado em seu ateliê no campo. Reconhecido internacionalmente pelo pseudônimo de Noé Campesino, nunca se identificou como o autor das obras que misturava variados temas e técnicas de execução, mas com uma identidade peculiar a todas elas, quase uma assinatura – o sorriso de uma boca feminina em algum canto da tela, às vezes, no centro. Muitas vezes, surgia apenas insinuada, outras, francamente exposta, identificável.

Francisca compartilhou os primeiros anos das obras de Thiago. Com o olhar arguto de quem sabia identificar a qualidade artística de seu amado, o incentivava a prosseguir em seu estudo e aprimoramento. Por essa época, Francisca entrou em contato com um marchant que se apaixonou por ela. De início, ela resistiu às investidas, mas não o afastava completamente, interessada que estava em colocar Thiago no mercado. O jovem pintor percebeu que havia uma mútua atração entre os dois, porém queria realmente que seu trabalho desse frutos materiais após anos de dedicação laboriosa. Fechou os olhos. Queria provar para o pai que a sua carreira artística poderia render mais do que ser gerente de banco, como era o sonho do velho bancário.

Montada a exposição, Thiago foi à galeria do marchant de maneira inesperada e encontrou a sua amada nos braços do expositor em beijos ardentes. Emudeceu… por dentro e por fora. Saiu e não compareceu à noite do evento que foi um grande sucesso. Seu completo sumiço só não foi total porque entrou em contato com o marchant pedindo que fosse feita a transferência do valor resultante da venda dos quadros, fora as comissões, para uma conta que foi fechada após a retirada do saldo. Nunca mais se ouviu falar de Thiago Fonseca.

O desaparecimento do artista fez crescer a cotação de seus quadros, ao mesmo tempo que criou uma aura de lenda em torno de seu nome. Thiago aplicou o dinheiro na compra de um pequeno sítio no interior e trabalhou para que conseguisse alterar seus traços e pinceladas, uso de cores e estilo temático. Incorporou nuances de grafite e avançou para o abstracionismo e imprecionismo. Reinaugurou a sua expressão, que ficou irreconhecível em comparação à anterior. Talentoso, chamou a atenção de um crítico que viu sua obra exposta num pequeno restaurante de uma cidade pequena. Questionou de quem seria aquela obra e lhe foi apontado um sujeito de cabelos e barbas desgrenhadas, sentado no fundo. Ao se aproximar, Thiago baixou os olhos, mas a fala de Ítalo Menezes, de quem conhecia a fama, o fez erguê-los e esboçar um sorriso tímido. Perguntado se tinha outras pinturas, Thiago assentiu afirmativamente e Ítalo perguntou se poderia vê-las. O resto, é história. Desde esse contato inicial, se desenvolveu uma forte amizade. Como Noé Campesino, concordou em expor e vender seus quadros, desde que jamais aparecesse como tal. Comparecia anónimo às exposições para sentir como era a recepção às suas criações.

Numa dessas vernissages, ele viu Francisca, só, sem a companhia do marchant com quem se casara. Parou diante de um quadro que mostrava um sorriso tão enigmático quanto contagiante. Aproximou-se o mais que pode para constatar a forma que as pinceladas foram feitas. De certa maneira, ela se reconheceu nas bocas sorridentes. Começou a olhar ao redor. Foi falar com o marchant, ao qual conhecia e quis saber se sabia quando o pintor chegaria. Respondeu que nunca o tinha visto. O contato era feito através de Ítalo Menezes, que não revelava quase nada do artista: se novo ou velho, homem ou mulher, alto ou baixo, gordo ou magro. Mais uma vez, olhou ao redor e, inesperadamente, soltou uma lágrima furtiva. Ela sabia que aquele sorriso era o seu. Que o pintor era Thiago. Que o seu coração ainda lhe pertencia. Que talvez nunca mais voltaria a vê-lo. Que o seu silêncio pesaria feito um paralelepípedo sobre o peito.

Apenas acompanhado de seus cães, dos pássaros que encontravam em seu sítio um refúgio, Thiago vivia em mutismo consagrado, ampliado pela diuturna escuridão da noite que o envolvia de corpo e alma. Falava com as suas obras quando as executava. Era o único relacionamento que mantinha por temporadas inteiras. Como se fosse algo que o impedisse de esquecer Francisca, ainda há silêncio nessas horas pequenas de lembranças e saudade em que suspende seus turnos e olha para o crepúsculo…

Participam: Roseli Pedroso / Mariana Gouveia / Suzana Martins / Lunna Guedes