Alta madrugada, mais ou menos 3h da manhã, desliguei as luzes de casa, mas estranhamente, os móveis permaneceram iluminados por uma cintilação tênue que entrava pelas janelas. Curioso, abri uma delas e vi a Lua projetando o seu brilho prateado sobre tudo. Não resisti e saí para vê-la. Como o céu estava limpo, as estrelas também podiam ser vistas a queimar quietamente no firmamento. As Três Marias permaneciam perfeitamente perfiladas uma ao lado da outra, como por todo o sempre. Lembrei de minha infância, em que tendo me mudado para a periferia, tive a oportunidade de começar a apreciá-las de “perto”. Pensei que, nesta vida de momentos fugazes, na quantidade de vezes que deixamos de voltar os nossos olhos para o eterno. Tentei registrar àquele instante. Como se pode (quase) ver, não foi da maneira que queria. Mas talvez a imagem obtida venha a calhar, por sua aparência onírica. Tudo não passa, mesmo, de um sonho…
*Texto de 2014. Hoje, a Lua continua a brilhar, mas a sua luz está obliterada pelas nuvens carregadas que despencam em forma de chuva.
A nossa casa está onde estamos, senão pelo fato de habitarmos um corpo, também por nossa estrutura mental, moldada pela memória de onde vivemos e com quem vivemos nesse espaço que além de casa — o lugar físico — uma projeção orgânica chamada de Lar. Ter imagens de onde vivemos muitas vezes marca o nosso olhar expandido pelas emoções e sentimentos envolvidos. “Naquele lugar foi onde tive a última conversa com a minha mãe”. Ali, onde mostrei para a minha filha os volteios de uma borboleta pela primeira vez”. Um Lar carregamos em nossa pele, é a nossa referência de vida. Para o bem ou para o mal.
Eu sou fascinado pelas plantas, suas estruturas, ramos, flores e formas. Gosto de ficar observando o movimento de insetos, alados e não, habitam aquela casa. São estruturas que se sobrepõem — a minha casa, a casa das plantas, a casa dos insetos.
Da varanda da minha casa, eu possuo entardeceres. As suas visões me deslocam para além do horizonte e para perto de mim.
Eu sempre quis ter jardim em minha casa. Temos dois. Um junto à casa, outro, este aqui, na parte da frente, à direita de quem entra. Lá cultivamos plantas frutíferas — bananeiras (prata e nanica), ameixeira, limoeiro, laranjeira e uma cobertura de Ora-Pro-Nobis sobre o caramanchão.
Nossa casa também é habitada por alguns bichos residentes permanentes (ou até deixarem este plano), como a Dominic, a última à direita que passou há uma semana. Eles são nossos amigos-filhos-companheiros. Da esquerda para a direita — Bethânia, Lolla, Bambino (meu neto) que nos visita eventualmente, Arya e Alexandre, à frente. Todos eles foram resgatados, a não ser a Dominic, filha de outra linda criatura resgatada — Domitila.
Esta jabuticabeira fica no jardim central, menor que o da frente. Sonho de infância comum meu e da Tânia, ela ainda está em desenvolvimento. Chegará o dia que carregará tantas jabuticabas que teremos que doar. Outro sonho.
Nossa casa é o lugar onde a família se expressa, vive, come, dorme, sonha, descansa, trabalha, cozinha, brinca, briga, se reconcilia. Lugar de expressão vital, neste registro ainda pudemos reunir todos os componentes da família. Há dez anos. Agora, apenas eventualmente, isso acontece. Tendo Van Gogh como testemunha… além de mim, temos a Tânia, atrás de mim, do seu lado direito, a primogênita, Romy; do seu lado esquerdo, Ingrid e Lívia. Imagem produzida na sala de jantar.
Alta madrugada, mais ou menos 3h da manhã, desliguei as luzes de casa, mas estranhamente, os móveis permaneceram iluminados por uma cintilação tênue que entrava pelas janelas. Curioso, abri uma delas e vi a Lua projetando o seu brilho prateado sobre tudo. Não resisti e saí para vê-la. Como o céu estava limpo, as estrelas também podiam ser vistas a queimar quietamente no firmamento. As Três Marias permaneciam perfeitamente perfiladas uma ao lado da outra, como por todo o sempre.
Lembrei de minha infância, em que tendo me mudado para a Periferia, tive a oportunidade de começar a apreciá-las de “perto”. Pensei que, nesta vida de momentos fugazes, na quantidade de vezes que deixamos de voltar os nossos olhos para o Eterno. Tentei registrar àquele instante. Como se pode ver, não foi da maneira que queria. Mas talvez a imagem obtida venha a calhar, por sua aparência onírica. Afinal, tudo não passa, mesmo, de um sonho…
Mas você não sabe se viver é melhor que sonhar (Lua Souza)
Vivemos a deixar as nossas impressões digitais por aí… (2011) — em São Paulo.
Um dos meus letristas preferidos compôs e uma das minhas cantoras favoritas cantou: “viver é melhor que sonhar”, em “Como Nossos Pais”. Belchior até hoje me surpreende pela atualidade de suas composições. E Elis está cantando cada vez melhor. Que ambos já tenham nos deixado fisicamente é irrelevante. A vida é um sonho e sonhar creio ser a condição perpétua da existência. Os Hindus dizem que vivemos um sonho de Krishna.
Há certas ocasiões que nossos sonhos que se desenrolam dormindo são tão poderosos que “parecem ter sido reais”. Entre a aparência e a realização, mesmo que não os tenhamos protagonizados tendo como testemunhas apenas nós mesmos, o impacto que tem nossa vida é enorme. Vai para o repertório de verdadeira vivência. Comigo, aconteceu várias vezes.
Após o passamento de minha mãe, eu estava preocupado com a condição dela na outra dimensão. Sonhei que ela se apresentava a mim como se estivéssemos na antiga casa. Perguntei o que fazia ali e como ela estava. Respondeu que queria me ver e que estava em paz. A consequência direta desse encontro é que acordei com o espírito acalmado, leve, em paz.
Eu tenho me ressentido de não me lembrar muito dos meus sonhos, ultimamente. Sinto falta de vivê-los como acontecia antes. Eu tinha a capacidade de continuá-los noites após noites. E de interferir nos seus caminhos. Em outros, mesmo que disfarçados, percebia que os locais se referiam a pontos específicos, reincidentes. Que fossem estranhos e que encontrasse pessoas que nunca as havia visto antes, não impediu que eu me lembrasse delas até hoje.
A condição onírica da vida muitas vezes se apresenta tão fortemente que confundo sonhos com ações na versão “desperta”. De qualquer forma são lembranças e ainda que quem contracenou comigo no sonho não “se lembre” — porque para ela não aconteceu — eu me lembro. Essa condição um tanto dispersa de atuar na vida contribui para que eu apresente um quadro “preocupante” de memória claudicante. Talvez eu devesse também me preocupar, mas ao mesmo tempo, tenho certo “carinho” com essa característica que não interfere na minha vida funcional, que consigo separar devidamente, com a criativa, que vem ao meu auxílio quando preciso “conversar” com as minhas personagens.
Não digo que não sei se viver é melhor que sonhar, simplesmente porque não há separação entre um estado e outro de consciência para mim. Vivencio as duas condições da mesma forma, com efeitos que demarcam bem a minha passagem pelo terceiro planeta desde o Sol, neste cantinho da Via Láctea, que fica na borda do superaglomerado Laniakea— um conjunto que tem 500 milhões de anos-luz de diâmetro e massa de 100 milhões de bilhões de sóis. No total, 100 mil galáxias fazem parte dessa estrutura. Não é um sonho?
O que seria surpresa, neste mundo de meu Deus? Talvez encontrar a grandeza do sonho de Caieiro adormecido. Poder ser e desejar não ser ainda que seja livre por não querer. Voar por poder, mas em negação servir ao que rasteja. Libertar-se da prisão cantando a lembrança do caminho perdido.
Poema participante do BEDA: Blog Every Day August, derivado de outro poema encontrado perdido de Alberto Caieiro, heterônomo de Fernando Pessoa. Estava num papel de pão.