estou em casa sentado no sofá ao lado de amigos que apenas desejam estar junto a mim sorrio um sorriso tímido de que quem se sente amparado por afeição genuína e ciúme de tanta atenção por outros seres o prazer se deixa espraiar pelo dia sonolento e morno de primavera não falar nada é também um doce aliado ao som da chuva que começa a me dizer que é tempo de prosperar folhas novas galhos mais grossos frutas maduras ar renovado mente acalmada alma acalentada…
Outro dia, ao me lembrar de uma pessoa de outros tempos, de outra idade, um sorriso aflorou à minha boca. Há gente, assim — memória de alegria e bem-querença — eternidade na efêmera realidade…
Qual a graça? Estar grato por ser amado, eu, um sujeito tão ferido? Contraditório desde o início, que oscila entre a descrença no amor e por chorar a cada canção de coração partido? Por admirar a sua fala ou quando cala, o seu sorriso? Ou quando chora, se desmancha, enquanto rio de tamanha candura? Quando, mesmo no escuro, vejo o brilho dos seus olhos faiscantes de desejo? Sim, sou grato! Grato por sentir o seu amor e por amar estar consigo quando podemos nos desnudarmos de vestes e do Tempo… Grato por me fazer sentir que importo a uma mulher tão linda por fora e por dentro e plena de graça que me enleva e me abraça… Eu me lembro de seu corpo a pulsar em contato com o meu e sorrio para a parede como se observasse ali um quadro – A Origem do Mundo. Nosso mundo… De conversas sobre o mundo, nesses momentos, tão distante… Ser gracioso, sou grato por conhecê-la, por você oferecer o seu encanto a mim, suas palavras de apoio, a advertência sincera e franca, porque me ama e agradeço por me apresentar o amor que retribuo em pensamentos amorosos que se espraia pelo campos e rios, céus e vales, montanhas e mares, pela intimidade do Sol de um sentimento tão ofuscante quanto misterioso… Imagem de A Origem Do Mundo (1866), de Gustave Coubet: AP Photo/Francois Mori
você diz que quer fazer a minha mente se perder a cada palavra expressa do seu desejo partes de mim respondem excitadas atinge o meu peito que arfa em comoção aguardada mas nunca esperada de tão rara abre um sorriso na minha cara e isso é mais do que sorte gosto de beijar como pelas ondas a areia e de ser beijado como pelo vento o mar em fluxo e refluxo de entrar e sair de me deixar e me encontrar seguir pela estrada aberta até aquela praia deserta onde nos deitaremos no arenoso manto o sal a nos santificar o sol a nos invadir em calor e luz nós mesmos a nos devassarmos a nos preenchermos de silêncio ofegante banhados de suor e alegria por estarmos vivos enfim serenos e plenos em nome da paixão do gozo e do corpo santo amém…
Está é uma homenagem às primeiras vezes de qualquer um. Aquelas primeiras vezes em que sentimos como se um mundo novo surgisse diante de nossos olhos. Aquelas primeiras vezes que faz desabrochar a emoção em que se descortina a possibilidade de vivermos magicamente. O efeito que causa perdura por tanto tempo que basta buscá-lo na memória para reascender a chama quase apagada de nossa esperança. Tornar cada dia o dia em que experimentamos o vislumbre da primeira vez é o nosso grande desafio. Fazer com que esse sentimento seja genuinamente gerado dentro de nós, sem a necessidade de datas impostas por efemérides é como se encontrássemos um grande tesouro.
Espero vivenciar sempre que possa esse sentimento de como foi a primeira vez que experimentei cereja com queijo, aquela ocasião em marquei o meu primeiro gol e a primeira vez que a vi abrir os braços pra mim. Sentimo-nos engrandecidos quando deslocamos as nossas melhores primeiras vezes para as primeiras vezes de outras pessoas. Como aquela primeira vez que vi um sorriso de minhas filhas, a primeira vez que as ouvi exprimir os seus balbucios e palavras e a primeira vez que as vi caminhar.
Vivi certa fase em minha vida em que me recusava a desenvolver memórias de referências, conhecer coisas novas. O garoto estranho estava em uma fase mais estranha ainda. Uma vez, me perguntaram o porquê de eu não querer experimentar àquela fruta oferecida como sendo de sabor incomparável ou a bebida mais excitante que existia. Eu respondi que preferia que as coisas ficassem no campo da idealização de ser a fruta de sabor perfeito, que talvez não fosse, ao ser saboreada. Ou de ser bebida perfeita que produziria o efeito mais incrível, na minha imaginação. Estava a viver o período de abstração mais intenso da minha opção monástica, sem ser monge.
Mas a música não precisa ser oferecida, para ser apreciada. Ela chega por vezes no ar, se imiscui em nossa existência de maneira invasora e por isso, ela talvez fosse a válvula de escape da minha prisão autoimposta. Porém, conheci essa canção recentemente e logo me apaixonei por ela. No entanto, “The First Time Ever I Saw Your Face” é de 1957. É uma canção “folk” escrita por Ewan MacColl para a sua esposa, Peggy Seeger. Foi popularizada por Roberta Flack e tornou-se um enorme sucesso na voz dessa grande cantora depois que apareceu no filme de Clint Eastwood, “Play Misty for Me”, de 1971, embora a música tenha sido gravada para seu álbum de 1969, “Flack First Take”. Três anos depois, em 1972, liderou a Billboard Hot 100 e ganhou o Grammy de Canção do Ano. Como se vê, também há segundas chances para as primeiras vezes…