19 / 10 / 2025 / Librianos*

*2016. Dois desses cinco, nasceram no dia 9 de outubro. Um, em 1940. Outro, em 1961.

Quando mais novo, aos 8 anos, fiz uma versão para “Hey, Jude“, dos The Beatles. Não entendia nada de inglês, e a cadência da canção dava a entender que fosse de amor romântico. Mais tarde, soube que foi feita por Paul McCartney para Julian Lennon, filho de John, por causa do divórcio de seus pais, encorajando-o a enfrentar a vida e buscar na tristeza motivação para superá-la. Quando soube que Lennon nascera no dia 9 de outubro, assim como eu, o transformei em meu espelho.

Por algum motivo, eu achava que fosse morrer cedo, aos 33, como Cristo. Ou aos 40, quando Lennon foi assassinado. Poderia ser mais tarde, como Mário de Andrade, outro que nasceu na mesma data e nome do Parque Infantil que frequentei até os 12 anos — projeto dele quando foi Secretário da Educação do Município de São Paulo. No entanto, tendo já chegado aos 64 anos, já superei os 62 da morte do autor de Macunaíma. Esse desejo de identificação com meus ídolos, incluindo o Nazareno, um dos meus avatares favoritos, já superei. Mas a influência que exercem em mim continua forte e espero que possa ser minimamente interessante para honrar o dia em que nasceram.

Antônio De Godói*

Em setembro de 2022*, eu voltava da Rua Santa Efigênia quando quis tomar um café. Entrei em uma lanchonete que fica quase em frente ao terreno baldio onde antes ficava a antiga sede da Polícia Federal que, depois de abandonada, foi ocupada por moradores em situação de rua. No dia 1° de Maio de 2018, após um incêndio, o edifício de ferro, concreto e aço, desabou matando nove pessoas. Informação lateral, na parede da lanchonete vi este pôster da rua congestionada em direção ao Largo do Paissandu registrada dois dias depois de eu nascer, a 9 de Outubro de 1961, quando John Lennon fazia 21 anos. O garoto de Liverpool havia formado um ano antes com Paul McCartney, George Harrison e Pete Best, Os Beatles. Um ano depois, Rindo Starr substituiu Best e, a partir daquele 1962, Os Beatles se tornou a maior banda pop de todos os tempos. Atualmente, a Antônio Godói tem mão de trânsito invertida e serve mais como estacionamento do que via de passagem de carros. Os Beatles passeiam por todas as criações pop que já foram compostas desde então…

BEDA / John & Eu

Eu, em 1980, ano em que John nos foi levado…

A montagem acima realizei em 2013, ao completar 52 anos. John Lennon, faria 73, se estivesse encarnado. Eu, até este momento, estou vivo, John, não mais. Alguém preferiu unir o seu destino ao dele, matando-o. Não direi o seu nome, já que era esse mesmo o seu propósito. Ocorreu em 1980. Eu estava com 19, mais ou menos com a idade em que apareço na foto em que me coloco ao lado do Beatle. Alguns preferem chama-lo de ex-Beatle. Não há ex-Beatle! Existiram The Beatles e eles, juntos – John, Paul, George e Ringo – modificaram a história da indústria da música para sempre. Como sabia que nascera na mesma data – 9 de Outubro – até apreciava o fato de usar óculos como o meu ídolo, apesar da miopia me afastar de jogar bola com eficiência e dos olhares das meninas. Eu cria, desde pequeno (não sei por que cargas d’água?), que morreria cedo. Não morri tão cedo, mas morreu John. E, lindamente, não morreu!

Participam do BEDAMariana Gouveia / Lunna Guedes / Suzana Martins / Darlene Regina Roseli Pedroso

BEDA | Lucy In The Sky With Diamonds

Foi anunciado há alguns anos. Ocorrida há aproximadamente três milhões e duzentos mil anos, foi supostamente encontrada a “causa mortis” de Lucy. Diante de tantas mortes de todos os dias, causadas por homens-bombas, de suicidas que decidem levar mulher e filhos juntos, pelo trânsito criminoso, balas perdidas e por crimes, em suas múltiplas facetas, cometidos por uma sociedade “organizada” – essa morte me comoveu especialmente. Ou melhor dizendo, a suposta causa de sua morte me emocionou: Lucy teria morrido ao cair de uma árvore…

Lucy, um exemplar de Australopthecus aferensis, teve o fóssil de seu esqueleto descoberto, em 1974. Ele mostraria a passagem do chipanzé para um hominídeo mais desenvolvido, que já caminhava ereto. Lucy recebeu esse nome pela influência da música “Lucy In The Sky With Diamonds”, dos The Beatles, que à época tocava no acampamento dos arqueólogos. Informação transversa, de alguma forma, passa pelos Beatles a evolução de nossa expressão como seres sociais…

Lucy teria caído porque já era um ser que frequentaria mais o chão do que as árvores e talvez não conseguisse ser tão desenvolta quanto os seus antecessores. Por essa explicação ser óbvia, muitos especialistas duvidam da versão. Eu já a suponho mais plausível por ser exatamente corriqueira, ao mesmo tempo em que decisiva, por vários motivos, entre os quais por Lucy ser uma fêmea.

Há vários anos, li que uma das diferenças morfológicas básicas entre machos e fêmeas de nossa espécie – a quantidade de pelos – menor nelas do que neles, se daria porque as fêmeas, mais ousadas, frequentaram as águas para pescar, durante milhares de anos antes dos homens – uma atividade eminentemente de colheita, então. Pode ser que sim, pode ser que não, como todos os estudos sobre a nossa evolução como espécie, mas minha intuição com relação às mulheres, me faz acreditar que tenha tudo a ver.

Apesar da História oficial não apresentar a mulher como protagonista (porque eminentemente escrita por homens), a minha observação pessoal demonstra cabalmente que passa pela mulher a chave mestra de nossa evolução como “gente”. As fraturas que causaram a morte de Lucy demonstrariam que ela, ao cair, tentou cair de pé e se projetar para frente… Foi uma queda muito à frente de seu tempo…

Participam do BEDA: ClaudiaFernandaHanna LunnaMari

BEDA | Pés

Pés (2).jpg
Pés, para caminhar…

Nós, seres humanos, somos bípedes. seres caminhantes, desde que alinhamos a coluna vertebral, nos primórdios de nossa evolução. Eu sou, além disso, um pedestre. Parece estranho distinguir essa condição, mas por estarmos cada vez mais motorizados, realço a minha profissão de fé em caminhar. Obviamente, me utilizo de automóveis para me deslocar de um lado para outro, tanto profissionalmente quando para outros compromissos. Apesar de “ideologicamente” rejeitar o carro como a melhor opção de transporte, depois dos 30 anos, casado, me senti impelido a fazer aulas de direção. Mas não me tornei motorista autorizado. Não consegui passar nos exames. Falhei três vezes. Não insisti mais.

Quando fiz 18 anos, a primeira decisão que tomei para me sentir descompromissado com o status quo foi o de não tentar tirar carta de motorista – documento emblemático para o ritual de passagem da adolescência para a vida adulta. Para corroborar minha atitude, em certa ocasião vi uma exposição fotográfica no Instituto Goethe, a respeito da cultura do carro, da construção de vias preferenciais, “autobahns” e de como somos condicionados a utilizar veículos motorizados individuais como indicativo de autonomia, quando, na verdade, criamos dependência, além de uma relação quase pessoal-amorosa com o objeto-icônico – motivo de altercações leves a violentas, a culminar com crimes de morte por simplórias questões de trânsito.

No atual estágio, apesar de haver crescimento dos alternativos, o carro é um “ser” poluente, excludente (aparta as pessoas em vez de congregá-las) e assassino. Já ouvi dizer que se quisesse cometer o crime perfeito, um atropelamento seria a forma mais viável. Horrível, mas verdadeiro. Basicamente, é aço contra carne. E tudo isso, em nome de um suposto conforto, à custa de muito desgaste emocional e financeiro. Mas, enfim, precisamos continuar a movimentar a Máquina.

Ontem, foi o Dia Internacional do Pedestre. Data instituída no mesmo dia da feitura da famosa foto que mostra a travessia dos The Beatles por uma faixa de segurança, capa do “Abbey Road”, de 1969, 12º e último disco da banda de Liverpool. Afora o mérito do lançamento dessa obra, que gerou especulações de todas as ordens, ser pedestre é quase uma profissão de fé. Sobrepondo uma questão a outra, um sonho meu será fazer a caminhada de São Thiago de Compostela. Juntarei o desejo de visitar a terra de antepassados ao sentido de fazer valer a direção que tomei na vida.

Depois de décadas sofrendo com o encravamento de minhas unhas dos pés – principalmente dedões –, comemoro a doma e a estabilidade proporcionada pelo tratamento com a Milena, minha podóloga. Graças à sua intervenção, posso caminhar sem dor. Calçar um sapato sem a perspectiva de retirar um instrumento de tortura é um alívio e tanto. Além disso, mostrar os pés nus sem ofender o olhar dos outros, já garante a despreocupação de caminhante-pedestre por função e opção. Rendição à imagem, mas igualmente signo de liberdade.

Participam:  Claudia — Fernanda — Hanna — Lunna — Mari