BEDA / Scenarium / Independência Ou Morte*

Tiradentes
Há de se perder a cabeça para se tornar herói…

Neste feriado de 21 de Abril (não tem sido todos os dias, feriados?), alusivo à Inconfidência Mineira, comandada pelo traído Tiradentes, discorro sobre a Proclamação da Independência do Brasil. Esse texto está em REALidade*, meu primeiro livro, lançado pela Scenarium Plural – Livros Artesanais, em 2017. REALidade reúne crônicas que tratam sobre fatos “maiores e menores”, a discernir sobre uns e outros em sua real grandeza, a depender de pontos de vistas individuais.

“Todos os brasileiros que frequentaram a escola carregam gravado na memória o momento em que se deu a declaração da Independência do Brasil.

Desde a mesma tenra idade, nos é ensinada a História de como tudo aconteceu. Fizeram filmes e programas de televisão, escreveram livros e pintaram quadros em homenagem àquele ato decisivo, a mostrar D. Pedro – então Príncipe Regente do Brasil, ligado à Coroa Portuguesa — com a espada empunhada, a gritar às margens do Riacho do Ipiranga: ‘Independência ou Morte!’…

A Morte, no entanto, é a única possibilidade de Independência que podemos, de fato, vivenciar em um mundo cada vez mais atado a palavra do momento: globalização… que une mercados e informações, como se fôssemos vizinhos de muro. Um espirro dado na China é capaz de deixar o mundo todo gripado. Os Estados Unidos elegem um imbecil e as Bolsas de Valores enfrentam uma onda de desvalorização. O Estado Islâmico, — ilhado em um autodenominado Califado —, menor que a maioria dos Estados brasileiros, faz explodir homens-bomba no Oriente Médio… e corpos e ideologias se espalham em ondas pela crosta terrestre. Uma criança morre afogada nas águas da costa da Europa e todas as pessoas se compadecem como se seus pais fossem.

O tráfego de notícias é tão intenso que, se fôssemos nos ater detidamente a tudo o que acontece no planeta, ficaríamos presos em nossos casulos, a sofrer… encurralados pelas dores alheias e, em algum momento, nos esqueceríamos de nós mesmos. Recentemente, o assunto do momento girou em torno das ‘fatídicas’ eleições municipais. Eu — como tantos outros eleitores — fui obrigado a escolher um representante na seara de candidatos, que se dedicaram a apresentar suas ‘fórmulas mágicas’ ao longo da campanha.

Tarefa cumprida, acredito ter feito a minha parte e, se for imitar a maioria, posso me considerar livre para reclamar: do transporte, da saúde pública, educação… o cinza que cobre o grafite, a praça arrumada com ‘obras esquisitas’.

Acredito que, realmente, seja possível escapar das circunstâncias que restringem a liberdade… mas, para isso, é necessário um exercício diário de paciência… lutar contra os condicionamentos e conceitos — e não nos limitarmos ao lugar comum. Renovar-se e estar sempre pronto e disposto a questionar o novo, e também o velho. Estar receptivo aos processos…

Não é nada fácil dar o nosso grito de ‘independência ou morte’, afinal, quando chegamos à realidade, muita coisa já ‘estava pronta’. E nos acostumamos aos valores que nos são passados — impostos — sem questioná-los: somos ensinados a apenas repeti-los, até a Morte.”

Beda Scenarium

BEDA / A Traição

Traição
“Julgamento da Inconfidência”, de Eduardo de Sá – 1921

Ontem, foi feriado. Não por ser um domingo de Páscoa, mas pelo Dia de Tiradentes, efeméride que é comemorada no dia de sua execução, a 21 de Abril de 1792. Em paralelo à Paixão de Cristo, é interessante notar que as imagens que conhecemos de seus últimos dias faz referência a um tipo parecido com o homem crucificado há mais de 2.000 anos – barba e cabelos longos. Além disso, o Mártir da Inconfidência, traído por um dos seus seguidores, ao assumir toda a culpa, deu a vida por sua causa. Foi enforcado e esquartejado.

Há quatro anos, em uma reportagem televisiva realizada sobre um maior acesso à documentos relativos à Inconfidência Mineira, em Ouro Preto, o que mais me chamou a atenção foi a leitura da citação feita à época pelo responsável em reportar a prisão de Joaquim José da Silva Xavier, acusado de conspiração contra o Reino de Portugal. Nesse texto, o prisioneiro era descrito como “feio e espantado”, quando fora levado à ferros.

Feio, eu não duvido que Tiradentes fosse, ainda mais para um escriba que via ali alguém que ousava querer derrubar o sistema que lhe garantia o seu modo de vida. Porém, ao colocar o termo “espantado”, creio que ele conseguiu resumir muito bem o sentimento daquele homem que estava diante de seus olhos.

Não deixo de me compadecer daquele sujeito feio e idealista, que talvez não pudesse acreditar que fora traído por um de seus pares. Ontem, no dia do Enforcado, 227 anos depois, nossas esperanças de um Brasil mais justo e igualitário em oportunidades e direitos para todos estão sendo progressivamente esquartejadas. Mas tudo começou antes. Nada acontece sem causa – iniciou-se com os desvios dos seduzidos pelo poder pelo poder – meus companheiros de causa. Quando vi acontecer, devo ter ficado com um ar tão espantado quanto ficou o Alferes que extraia dentes.

Para alguns desses companheiros, até talvez se possa conceder o benefício da dúvida. Homens e mulheres que se iludiram no início. Que fizeram o que fizeram apenas como um meio para alcançar suporte para o projeto de propiciar a melhoria de vida do Povo brasileiro. Talvez, no início…

Mas, passado algum tempo, quando o monstro se apresentou em todo seu esplendor, em vez de o rejeitarem, se afeiçoaram a ele e, agora, iludem a quem os segue, que o convidaram para eventos, que compartilharam o mesmo espaço, que tiraram fotos ao seu lado e viveram “la vida loca”, bem amparados por contas não contabilizadas, se bem que oficializadas.

Mas Deus sabe que a minha ilusão foi bem-intencionada, como Deus sabe que o caminho para o Inferno é pavimentado de boas intenções. Se hoje pareço um homem descrente do brasileiro e do Brasil, ao mesmo tempo revelo que consigo, para além do espanto, encontrar, em dias mais ensolarados, o calor da esperança queimando em fogo baixo, bem dentro de mim. Eu sou daqueles que ainda acredita no trabalho, na educação, na beleza e na arte, sem nenhuma contradição ou juízo de valor.

Hoje, mergulho profundamente na História para me sentir totalmente identificado com o Inconfidente feio e espantado do final do século XVIII…