BEDA / Aos Artistas*

Encontro de artistas da palavra e outras mídias em evento da Scenarium na Casa Laranja.

Esta mensagem se dirige especialmente aos meus amigos artistas da música, da dança, das artes plásticas, do teatro, do audiovisual e, mais próximos do meu ofício de prazer, aos da palavra. Mas também poderá ser estendida a todos os brasileiros artistas da sobrevivência diária sucessivamente fustigados por ações de governantes ineptos, independentemente de orientações políticas.

Vivemos uma época inédita para a maioria de nós. Sobreviventes de outas experiências planetárias extremas, como a Segunda Guerra Mundial, são poucos. Desde então, passamos por situações limítrofes em doses parciais como se fossem pílulas amargas do sistema para nos condicionarmos a ele violência, abusos, achaques, imposições absurdas.

A vida por si só não basta. Não basta acordarmos e sentirmos que estamos vivos ao toque de nossos dedos na pele, ainda que sorrir por isso não seria um desperdício. Como não basta amar. Temos que cantar-contar-pintar-interpretar o amor e a vida. Não vejo como as expressões da alma humana não estejam intrinsecamente ligadas a viver e a amar.

Porém, sabemos que viver e amar não acontecem sem a contrapartida a morte, a dor e o esquecimento. Criamos formas diversificadas de mostrar o reverso da medalha para reafirmar a grandeza de existirmos. A Arte tem o poder de elevar a nossa consciência para além dos limites do nosso corpo e mente. Passamos a ter a sensação de participar de um maravilhoso concerto-peça-evento universal.

Ao estarmos no mundo nosso palco obedecemos a certas regras estruturais. O artista as subverte para criar uma expansão em que cabe outra natureza de ser. O artista intermedia a mensagem que anuncia: somos maiores do que pensamos. Através do corpo-voz-músculos-mãos-olhos-expressões demonstramos a nossa natureza sublime. Não há lugar na face da Terra onde o ser humano não tenha utilizado da arte como expressão de viver. Pinturas rupestres encontradas em cavernas-habitações há milhares de anos sublinham com tinta e sangue a necessidade que temos de ultrapassar a nossa condição primordial de simples animais mortais.

Por tudo isso e muito mais, pergunto: ainda que você artista e criador defenda as ideias professadas por mensageiros anticientíficos, colocaria o seu corpo-voz-meio-de-expressão à prova para corroborar que estejam certos quanto a oposição à Quarentena? Reuniria um grupo numeroso de pessoas para festejar a vida ainda que pudesse vir a perdê-la logo depois? Correria o risco de levar para sua casa um vírus que infectaria seu pai, sua mãe, irmãos, marido, esposa e filhos? Colocaria em perigo sua voz, seus pulmões, seus olhos, suas pernas, pés e mãos porque desacredita dos noticiários vindos de todos os cantos do planeta, alegando se tratar de um plano urdido nos confins da China para derrubar o atual governo central?

Porque amo a Arte e os artistas com os quais trabalho e convivo, que expressam com talento a vocação de criadores que os tornam tão diferentes da maioria das outras pessoas, peço: resistam à tentação de seguirem à horda de celerados que, aliás, odeiam a arte e aqueles que a operam, impingindo-nos a tarja preta de trabalhadores de atividades não essenciais. Vide o corte de projetos de incentivo à cultura e à pesquisa científica, igualmente conectada ao saber e ao cultivo do conhecimento o que causa horror aos práticos que preconizam a planície terrena como fato indiscutível.

Ainda que nossas necessidades pessoais imediatas não estejam sendo atendidas momentaneamente; por sermos cidadãos especiais que contribuem para o bem estar social através de nossas intervenções; por estimularmos a pensar e a sentir para além do que seja comum, reflitamos: devemos seguir cegamente a quem não se diz coveiro, mas vive a enterrar o bom senso? O que peço é paciência e a prática da ciência da paz. Estou parado, como a maioria de vocês, aguardando o momento de reencontrá-los bem, saudáveis, para celebrarmos com paixão, profissionalismo e alegria a vida e o amor.

*Texto de Abril de 2020, em que a vacina era apenas uma possibilidade imponderável e contávamos apenas com o distanciamento social e o uso de máscaras para conter a propagação do vírus da SARS-COV-2. Atualmente, a vacinação é lenta, abaixo do minimamente desejável, há o surgimento de variantes da Covid-19, mostrando que o absurdo plano do Governo Federal de adquirir a chamada “imunidade de rebanho” por contaminação de 70% da população era impraticável. Principalmente porque, para isso, a 3% de óbitos dos contaminados, veríamos morrer mais de 5 milhões de pessoas para que alcançássemos “êxito”. Isso, se desconsiderássemos que estando o mundo interligado, só haveria segurança total quando a ampla maioria da população mundial estivesse imunizada. Demonstração cabal de que os habitantes do planeta Terra são interdependentes.

Alê Helga / Lunna Guedes / Claudia Leonardi / Roseli Pedroso /
Adriana Aneli / Darlene Regina / Mariana Gouveia

Panem Et Circenses

Represa de Guarapiranga

O meu irmão e eu, somos locadores de equipamentos de sonorização e iluminação para a realização de eventos. O nosso trabalho envolve certas circunstâncias especiais e uma delas é o de tentarmos agir o mais seriamente possível em uma atividade que dá embasamento para a celebração da alegria e a descontração… dos outros. Como sempre digo, trabalhamos onde os outros se divertem. Desde a política do “Panem et circenses”, ao tempo do Império Romano, que buscava distrair o povo para os problemas sociais de então com um expediente que, de alguma maneira, o deixava sua liberdade à mercê dos poderosos, percebe-se que celebrar é uma poderosa maneira de dar vazão à alegria por estarmos vivos, comemorar um diploma, uma conquista profissional ou social, o aniversário, lançamento de produtos, casamento, congregar, etc.

Expressar alegria em público faz parte da história das civilizações e é uma característica humana ímpar, em todos rincões do planeta. Nós, da montagem da estrutura de base, chegamos antes e saímos depois. Enfrentamos acessos dificultados por condições precárias que vão desde à restrições de livre circulação por motivos de segurança ou conformação material, como corredores estreitos e escadarias íngremes — normalmente improvisações arquitetônicas de projetos que não contemplam os serviços como fundamentais — ainda que sejam. Assim como restrições implementadas por clubes, buffets e similares em que somos tratados como invasores e não colaboradores.

Para ganharmos o nosso pão, trabalhamos como os feirantes e os trabalhadores de circo — outras tradições de origem antiga — ou somos comparáveis aos povos nômades. Armamos o nosso acampamento, permanecemos por algum tempo em determinado lugar e, logo após o término do que viemos fazer, vamos embora. Afora registros como filmagem e fotos, quase não deixamos prova de que participamos de um evento real. Comparecemos como pano de fundo ou uma lembrança — substância de apelo tão fluido quanto pessoal. No final, quando desmontamos o acampamento e carregamos os equipamentos de nosso uso, resta-nos relaxar pelo trabalho bem feito e poder apreciar paisagens como a que registro aqui, observada junto à Represa de Guarapiranga, onde havíamos acabado de realizar uma festa de formatura.

Era um sábado, entrava o horário de verão e senti, naquele momento, que presenciava uma imagem como se fora o alvorecer do mundo. A ilusão seria mais completa se torres feitas pelas mãos dos homens não interferissem na ilusão da miragem.