BEDA / Ver*

Como podemos perder a noção das coisas, estando na posição errada, apenas como observadores no horizonte, o Sol parece apenas um pequeno corpo luminoso quase sendo alcançado pelos urubus que volteiam próximos ao morro. No entanto, sabemos que essa estrela é milhões de vezes maior que o nosso planeta e é por seu calor que nos mantemos vivos na Terra. Creio, mais intensamente ainda, que o que é mais importante não nos é dado a ver através de nossos olhos de carne.

*Texto de 2015

Participação: Lunna Guedes Mariana Gouveia / Claudia Leonardi Roseli Pedroso / Bob F.

#Blogvember / Planar

Planos e projetos que não saem do papel (Lua Souza)

Foto por Thu00e9o Peltier em Pexels.com

eu
como os urubus
plano altivo junto às nuvens
perfurando os ares
voo em grupo a coreografia da liberdade
dos úteis carniceiros
enquanto divago
faço planos e projetos que não saem do papel
propositalmente antecipo o fracasso de desejos
natimortos
exercício de mistérios que adoçam
a minha mente carregada de entulhos
concluo que não nasci para planificar
mas para descer comer restos limpar o lixão
e planar
ultrapassar os mais baixos instintos
para cada vez mais profundamente
rumar ao centro da terra
sem costume e sem regra
me abastecer de indigesta e abjeta iguaria
e voltar altaneiro para o céu
donde observo os seres enganados de si
que se acham melhor do que aves de rapina
que deveras somos…

Participam: Lunna Guedes / Roseli Pedroso / Mariana Gouveia / Suzana Martins

Somos Urubus*

Urubu-de-cabeça-preta (Coragyps atratus)

Somos urubus!

Tanto somos igualmente capazes de planarmos elegantemente com asas e mentes abertas, a quilômetros acima do chão, quanto chafurdarmos no lixo, em busca de corpos de outros seres, mortos ou agonizantes, para nos alimentarmos física e mentalmente. Tanto podemos desenvolver eficientes tecnologias para salvarmos vidas, quanto encontrarmos maneiras criativas para matarmos os próximos. Somos igualmente competentes para compormos trilhas sonoras para festas, quanto eficazes para planejarmos tristes cortejos fúnebres. Somos práticos para darmos beijos vivazes e frenéticos ao darmos beijos da morte. Somos péssimos para vivermos e ótimos para morrermos…

Ontem, ao ler a postagem de Fabrício Carpinejar sobre o incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, percebi que qualquer coisa que dissesse não teria a força de alguém que, como ele, nascera na região e que testemunhava, com propriedade, o sentimento de quem estava no epicentro desse vívido drama vivido pela população santa-mariense. Adiciono que a frase de apresentação do texto, feita por mim, pareceu incompreensiva por faltar palavras e pelo tempo verbal deslocado. Aceitando (como aceito) que a morte é um evento inevitável e, para mim, até o desejável complemento da vida, o que quis dizer foi que a dor de morrermos é menor do que vermos morrer os filhos deste País, por obra do destino desatinado. De vermos morrer os filhos antes dos pais, principalmente pela maneira que ocorreu, atraídos que foram esses jovens para uma armadilha armada pelo acaso provocado pelo descaso.

No entanto, contribuímos todos nós para a apresentação dessa macabra comédia de erros – ao aceitarmos passivamente que as coisas continuem da maneira que estão. Enlutados, pelo tempo que permite a nossa roda viva, quantas vezes veremos acontecer, mais vezes, a colheita lúgubre da morte, estimulada por nossa inércia?

*Texto de 28 de Janeiro de 2013 no Facebook.

BEDA / Círculo Da Lua

Círculo da Vida
Piscinão Guarau

Na manhã de sábado, quando caminhava junto à avenida esburacada do bairro em direção à academia, observei uma concentração incomum de urubus (pela quantidade, os tenho chamado de “pomburubus”) sobrevoando bem alto a área do Piscinão do Guarau. Talvez tivesse uns quarenta ou mais realizando manobras circulares em torno de um ponto mais claro no céu azul.

Identifiquei, para a minha surpresa, apesar do horário, que se tratava da lua em seu último quarto. Foi um benefício adicional ao meu esforço de voltar à atividade física. No céu da cidade de São Paulo é raro vermos a lua em sua plena expressão, mesmo à noite, já que as luzes artificiais impedem que os nossos olhos alcancem o belo astro para além da prisão luminosa na qual erramos.

Urubus são seres fascinantes. Tom Jobim, quedava igualmente extasiado com as elegantes circunvoluções dessas aves necrófagas. No entanto, o voo alto é uma das maneiras que esses seres utilizam para buscar alimentos. São importantes na limpeza do meio ambiente. Quando ocorre a mortandade de muitos animais por doença, por exemplo, o urubu ajuda a controlar a epidemia ingerindo as suas carcaças.

Possui uma envergadura de 2,40m e peso que oscila de 3 a 5kg, medindo cerca de 85cm de comprimento. Na Natureza, tem poucos predadores naturais, mas, devido à sua baixa capacidade reprodutiva, além da degradação do seu habitat, é uma espécie cada vez mais rara de se observar. O que significa que são os homens os principais responsáveis pela diminuição de sua população. Em suma, seus predadores…

Não foi o caso desse dia, onde a revoada de tantos entes alados fazia lembrar um bom filme B. Naquela área, eu os tenho observado em número cada vez maior. Quando chove mais torrencialmente, o piscinão do Guarau recebe os rios canalizados da região, impedindo que as águas do vale invadam o rio canalizado de mesmo nome, que se estende sob a avenida de fundo de vale Inajar de Souza, até desaguarem no Rio Tietê.

Todo o lixo orgânico e não-orgânico que é jogado ou cai nos esgotos da região se espraia por todo o perímetro do Piscinão Guarau, tornando-o um verdadeiro “fast-junk-food” para os urubus. Ou seja, de uma maneira enviesada, estamos proporcionando um verdadeiro criadouro para os membros da espécie Sarcoramphus papa (L.).

São as voltas que vida dá…