Tinha por costume
guardar bitucas de cigarros
em garrafas vazias de Coca-Cola —
venenos em três estados —
líquido, gasoso e sólido.
Foto por Basil MK em Pexels.com
Tinha por costume
guardar bitucas de cigarros
em garrafas vazias de Coca-Cola —
venenos em três estados —
líquido, gasoso e sólido.
Foto por Basil MK em Pexels.com
Quem acha que seja impossível
chupar cana e assobiar,
não conhece os amantes…
Amantes são capazes de caminhar
sobre o chão em brasa
com o sorriso despercebido
de quem esconde um grande segredo…
Desencarnam os pés,
porém disso não se apercebem,
pois confundem a dor com prazer…
Amantes dão nó em pingo d’água.
Trocam o certo pelo duvidoso.
Não creem nas certezas perenes
e apostam quase tudo no imediato.
Amantes só tem como certo
o aqui e o agora…
E juram que o futuro conjura
contra as suas paixões…
Amantes
intuem que passarão…
Que passará a sensação de vertigem…
Que cairão… em si…
Vazios…
alheios…
desamados…
E como se sentem morrer de sede,
bebem do veneno
até a última dose,
a sonhar morrerem
apaixonados…
Foto por Anthony ud83dude42 em Pexels.com
Que nasce na chuva — que a água molha — e poda os voos (Mariana Gouveia)
Em Janeiro de 2021, eu estava como que boiando solto no rio de asfalto paulistano, a ponto de ter mais uma crise de ansiedade de consequências funestas. Eu me conhecia. Já havia passado por isso antes. Em outras ocasiões, quase embarquei numa viagem sem volta. Cheguei a tocar o limite e vislumbrei quase ultrapassá-lo. Passado o primeiro mês, encontrei uma maneira de não afundar — parti para o Litoral Norte — o meu norte junto ao mar, onde busquei boiar no líquido amniótico marinho para renascer. Ao mesmo tempo, comecei a fazer um dos cursos de escrita da Scenarium, conduzido pela Lunna Guedes.
O sincronismo entre a necessidade de escrever sobre o que acontecia comigo e o curso voltado para a produção de crônicas, encontrou ensejo na união de uma linguagem íntima e a expressão do que acontecia ao meu redor. A visão pessoal sobre os acontecimentos, talvez fizesse com que superasse minha condição mental precária, ao reconhecê-la. O que via acontecer no País colaborava para o aprofundamento da minha natural melancolia — conduzindo a produção do texto. Como se fosse um antídoto obtido do veneno, o contato com o Mar foi paulatinamente resgatando meu equilíbrio no embate contra o movimento das ondas.
Curso De Rio, Caminho Do Mar foi o meu quarto livro pela Scenarium Plural — Livros Artesanais., o terceiro de crônicas, o segundo numa linha mais intimista. Páginas de papel enlaçadas com arte que me resgataram das turbulentas águas da realidade brasileira de então, buscando vieses alternativos ao vislumbrá-la. Em um momento em que precisávamos alimentar e curar o povo deixado à própria sorte, percebi de maneira clara a necessidade de também alimentar o espírito e curá-lo. Essa interdependência se provou indissociável para sobreviver ao assédio do neofascismo que grassava.
Naquele ano, as mudanças climáticas encontraram em minha volta para Sampa, um final de Verão chuvoso, nebuloso e um tanto frio. Foi uma viagem que nasceu na chuva — que a água molhava — e podou os voos, mas não a caminhada que completa neste final de Novembro, dois anos.
Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes

Quem inveja, poderá até reconhecer o seu sentimento e buscar diminuí-lo ou até eliminá-lo. Mas, pelo que eu vejo acontecer, é algo que se instala na pessoa de forma autônoma, como se fora uma doença – um câncer com metástase. E a consome pouco a pouco, resultando em estágios crescentes de angústia e pesar, como se morresse um ente querido a cada dia. Como escreveu Lua Souza, em Estratosférica: “Diferente da maçã envenenada… a dor incurável da inveja mata a prazo”.
Eu (graças a Deus?), não sofro desse mal. Admiro quem consegue realizar certas proezas em variadas áreas de atuação, mas curioso que sou de meu próprio percurso, não trocaria a minha vida pela de outra pessoa, por mais talentosa que seja. Gosto de certos autores, como Machado, cujo estilo elegi como marca do meu, apesar do anacronismo. Sem a maestria na construção de personagens, obviamente. Aos poucos, fui desenvolvendo outras características que tinham como base a escrita do Bruxo do Cosme Velho, porém a admiração pelo viés de fundo psicológico continuou intacto. A admiração gosta de preservar a fonte original acima de quaisquer maledicências, porém a invejoso parece querer aniquilar quem é o objeto de sua origem.
O mais certo é que a inveja mata o hospedeiro lentamente, como se o veneno da emulação insidiosa em vez de atingir o invejado, faz apodrecer dolorosamente quem o experimenta. O invejoso pode ser perigoso, mas por menos que mereça é quem mais necessita de compaixão.
Participam: Suzana Martins / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Mariana Gouveia
Seres de outros planetas, os encontramos todos os dias. Convivemos muitas vezes pacificamente com pessoas que provêm de outras esferas de percepção e atuam sob as leis de suas origens, apesar de viverem sobre continentes terráqueos. Há situações em que se torna inevitável o confronto, sendo todos nós tão diferentes uns dos outros. A partir do momento que convivemos na Terra, adotamos o comportamento humano como padrão, apesar dos tentáculos e ventosas mentais que assustam à primeira vista quem não está acostumado com os seus volteios por sobre as duas cabeças dos Rastejantes, materialistas, apesar de chamarem a si mesmos como místicos. É comum que os pensamentos primitivos que carregam desde os seus planetas interfiram na vida comum de todos nós, incluindo aqueles que buscam o convívio pacífico de todos os habitantes deste plano e no transcendente.
Normalmente, eu procuro me afastar desses espécimes que exprimem em cada sentença o horror vibracional de sentimentos baixos e que declaram ódio aos diferentes, mesmo sabendo que precisam deles, os outros que correm na mesma raia. Curioso como se processa o pensamento de um adverso, quis entendê-lo. Quando toquei no venerável nome do senhor mitológico que governa o seu planeta, não foi surpresa que o tenha defendido como o ser mais edificante que já existiu – probo, honesto, religioso, benemérito. Apesar de estar vivendo mal, sentindo a precariedade que o fez deixar o seu planeta para viver no nosso, que lhe dá suporte mínimo de subsistência, o idolatra. Caso estivesse no mundo mitológico que o seu senhor diz existir, cairia nas tramas dos desvalidos, sem eira, nem beira, aliás, sem teto sequer, como tantos… cada vez mais.
Os Rastejantes advogam o plano de sustentação de seu líder, baseado na destilação do desamor e da conflagração – um inimigo sempre a vencer, uma ideia inclusiva sempre a combater, uma mentira sempre a prosperar. Ideologizar negativamente qualquer possibilidade de equivalência das classes sociais é garantido na inspiração da maledicência, mais aglutinadora do que bons propósitos, eficazmente tratados como se a bandeira da igualdade e a defesa de direitos fossem inescrupulosas – porque torna todos os habitantes no planeta não importa de qual estrela tenham vindo – como iguais. Isso não é tolerável para os seguidores desse ignominioso chefe de quadrilha interestelar, ladrão de consciências incautas. Infelizmente, deixamos prosperar o veneno da intolerância contumaz entre nós, sem regras. Ao contrário, as regras que ditam pressupõem a morte do adversário como solução.
Após chegar em casa vindo do trabalho, mesmo cansado, fiquei uns quinze minutos pensando como deve ser difícil para o Rastejante conviver com os diferentes da mesma casta – pois acredita nelas – e vê-las sorrir, apesar da dor; cantar, apesar da tristeza; a dançar, apesar do sofrimento de simplesmente andar. Ele acredita na iniciativa privada – já dirigiu uma casa de aliciamento de corpos para diversão – e não entende como, apesar de se sentir inferior, não seja incensado como a pessoa mais incrível que já existiu (assim como seu modelo), a sorrir para se sentir aceito. Reproduz as mensagens de esquadrões de soldados do seu governante sem pensar sobre elas, sem verificar a veracidade, sem contestar a procedência. Robótico como se não tivesse mente, vocifera palavras de ordens-cópias como se fosse uma máquina quebrada.
Apesar de minha tendência em aceitar todos em suas diferenças, percebo que não devo permitir que Ets maléficos invadam o meu planeta tão ferozmente – incendiando casas, devastando florestas, matando desfavorecidos, calando a cultura da diversidade. Ergo o meu escudo mental e tento me alhear dos Rastejantes e da ideologia quimérica de equalizar os que lhe são contrários. Agem através de milícias que auxiliam os pobres de espírito a prosperarem na intenção de tornarem o nosso mundo Terra arrasada. Que sejam combatidos para que um futuro plausível exista para todos nós, incluindo os próprios Rastejantes, porque defendo o direito de cada um pensar de sua maneira desde que não seja no propósito de fazer mal ao próximo.