Espelhos*

Espelho de outros tempos, na academia…

Neste jogo de imagens
que é a vida,
o nosso corpo
é apenas uma miragem
que se desvanece
entre outras…
Todos os anos nos deparamos
com as mesmas datas
a se repetirem na folhinha,
na agenda da bolsa,
no calendário do celular,
em marcas de nossa pele…
Costumam variar os dias da semana,
mais velhos,
o Sol nos recebe cotidianamente.
Os espelhos
insistem nos mostrar
diferentes versões
de quem imaginamos ser…
Que importa?
Espelhos foram feitos
para serem quebrados
e nós,
para sermos amados,
ainda que não nos reconheçamos…

*Poema erigido de cacos de palavras ao longo dos anos 10 do terceiro milênio.

BEDA / Scenarium / Paixão

Domingo

A Páscoa traz diversos significados para mim, além da efeméride religiosa. A Paixão de Cristo sempre me emocionou, desde criança. Aqueles filmes bíblicos, exagerados em atuações e dramas, eram assistidos com avidez em minha televisão em preto e branco. As histórias em tons de cinza, carregavam todas as cores mais fortes da paleta.

No entanto, durante um tempo, passeei pelos caminhos do ateísmo. Muito novo para não entender que houvesse tarefas impossíveis, cheguei a iniciar um projeto em que reescreveria a Bíblia sob a ótica racionalista, se bem incluísse versões em que extraterrestres exerciam um papel preponderante.

Entre os 16 e os 17 anos, li um livro de origem hinduísta que mudou a minha visão de mundo. Eu, que já havia lido a Bíblia, livros kardecistas e de outras vertentes, como excertos budistas, maometanos e outros, percebi que todas as linhas de pensamento convergiam para um mesmo propósito – o conhecimento de Deus. Radicalizei e me tornei vegetariano. O meu lado racionalista me fez pesquisar (em livros) sobre como me alimentar de forma adequada sem carne, visto que já sabia que a proteína animal era “quase” imprescindível para a sustentação do nosso organismo. Organizei um “programa de desintoxicação” progressivo e lá fui eu vivenciar a experiência de viver sem carne. De origem animal, consumia ainda ovos, leite e derivados. Não era “vegano“, portanto.

Devido às minhas várias influências, estabeleci um sincretismo em que a Sexta-Feira Santa tinha um papel especial. Nesse dia, eu fazia jejum completo. Só bebia água. E assim foi durante os 10 anos seguintes, até voltar a comer carne, já que havia me casado e nascera a minha primeira filha, Romy, que pode aprender a gostar de comer de tudo.

Com o casamento, sabia que não poderia impor a minha postura a ferro e fogo, ainda mais que a minha esposa, Tânia, viesse de outra formação e não quisesse deixar a nossa filha sem o consumo daquele tipo de proteína. Além disso, achei também que tinha que abrandar a rigidez dos meus “votos”. Porém, tirante uma churrascada ou outra, não consumo carne vermelha à larga.

Mesmo sem o meu influxo direto, a filha do meio, Ingrid, adotou o vegetarianismo como estilo de vida e, como a corroborar que os nossos filhos ou filhas não somos nós, a mais nova, Lívia, que não gostava de certos alimentos da nossa dieta familiar, também acabou por caminhar na abstinência de carnes.

De qualquer forma, a ideia da ressurreição da Consciência Crística em cada um de nós é algo que me mobiliza ainda hoje e acho que assim sempre será. Porque Cristo morre todos os dias em nossos corações e sempre é tempo de promover o Seu Renascimento em nossas vidas hora a hora.

Beda Scenarium

Cantora Maior

ANGELINA

Uma das maiores cantoras deste planeta e, atualmente, minha preferida, tem 13 anos de idade, é norueguesa e costuma se apresentar liricamente descalça. Seu nome? Angelina Jordan. Sua curta carreira, no entanto, já ocupa mais da metade de sua vida. Ela se mostrou ao mundo aos 7 anos na edição da Norske Talenter 2014. Desde a sua primeira apresentação, todos ficaram embasbacados – juízes e público – devido a grandiosidade de sua voz especial em corpo pequeno. Sentenciaram: tratava-se de uma “old soul“, tanto pela maturidade vocal quanto pela escolha de repertório – standarts de jazz.

Em seu canal do Youtube, em que faz covers de várias canções, as interpretações de Angelina vem a demonstrar, ano a ano, seu crescimento musical. Tudo assombra nesse ser tão jovem – a talentosa utilização de melismas, vibratos e gradações tonais, variações de voz de cabeça e de peito, além de seu exímio controle vocal, alicerçado pelo desenvolvimento de seu timbre único, profundo. Além das peças jazzísticas tradicionais – Billie Holiday, Dinah Whashington, Nina Simone, Frank Sinatra, James Brown, sua preferência desde o início – começaram a ganhar espaço interpretações de canções pops mais atuais, de Lana Del Rey, Whitney Houston, Amy Winehouse, Rihanna, John Legend a Adele, entre outros. O toque refinado no tratamento de suas versões trouxe frescor e maior sofisticação a elas. A única vez que nos foi dado ver perda de controle total sobre sua emissão vocal foi na homenagem a seu avô, com “You Were Always On My Mind”, bem no finalzinho da canção. Só os pouco sensíveis deixariam de se emocionar.

A menina Angelina Jordan Astar, aquinhoada de uma personalidade grandiosa de artista-referência, tal como foi Michael Jackson, chegou para ficar no panteão das grandes cantoras. Evidentemente, a não ser que mude tremendamente de estilo, ela não alcançará a penetração popular do Rei do Pop. Mas quem puder acompanhá-la no lançamento de suas incríveis interpretações, viverá o prazer sempre renovado na apreciação de uma música popular de qualidade. Entre as minhas buscas de suas interpretações, encontrei no Youtube a seleção feita no final de outubro de 2018 por Martin Cropper (https://www.youtube.com/watch?v=WhmLra5lAlk), ainda que seja de um e meio antes, mostra um pouco de sua trajetória. Algumas de suas faixas estão entre as melhores versões já feitas.

No início de janeiro, para a minha grata surpresa, Angelina se apresentou na edição 2020 do America’s Got Talent – Champions. Assim que entrou no palco, simpática e desenvolta, fiquei apreensivo por ela se apresentar diante de um público normalmente estimulado por pirotecnias vocais mais simples e efetivas. Respondeu às perguntas dos juízes com simplicidade, elogiou Simon Cowell – uma lenda, segundo ela – e foi se posicionar para a sua apresentação. Fiquei impressionado com a sua altura. Mesmo descalça, ombreava com os técnicos que ocupavam o palco na mise-en-scène improvisada-ensaiada na preparação do espaço. Minha expectativa era de que interpretasse um dos clássicos do jazz que a catapultaram ao mundo artístico.

À emissão das primeiras notas de Bohemian Rapsody, do Queen, percebeu-se que não ouviríamos algo comum. A nova versão de um dos maiores hits de todos os tempos iniciou-se por versos da metade da terceira estrofe. Angelina sopra-sussurra as palavras, a causar o efeito do ar a circular pelos ouvidos dos presentes:

“Anyway the wind blows
Doesn’t really matter to me
To me…”

Ainda a nos acostumar com a estranheza estilística inicial, em vez do tradicional piano da gravação original, um plangente violão nos encaminha para os próximos e cortantes versos, entoados com a voz “jogada para trás” de Angelina, ao contrário da voz aberta, bela e límpida de Fred Mercury:

“Too late, my time has come
Sends shivers down my spine
Body’s aching all the time
Goodbye everybody, I’ve got to go
Gotta leave you all behind
And face the trut”

Neste momento, Angelina sobe o tom para alcançar a dimensão do desespero:

Mama, oh!
I don’t want to die
But sometimes wish
I’d never been born at al”…

Em seguida, volta à calma aparente de quem está conformado com o crime que sabemos que cometeu, pela versão original, cantando apenas a parte final dos versos que mostravam a luta interna da alma da personagem, atormentada por visões dantescas:

“Oh baby, can’t do this to me baby
Just gotta get out
Just gotta get right outta here”

O encerramento se dá com os mesmos versos originais. Angelina entoa lindamente a segunda linha da estrofe, trazendo extrema leveza à certeza de que nada realmente importa, afinal:

“Nothing really matters
Anyone can see
Nothing really matters
Nothing really matters to me”…

Os cortes realizados na letra original, necessários para fazer a longa Bohemian Rapsody caber no formato da apresentação para o programa – um minuto e meio – em vez de prejudicá-la, acabou por expor a dor excruciante da personagem que decidiu se matar. Os versos escolhidos para a versão de Angelina acabou por me convencer que o homem a quem matou foi ele mesmo, ao contrário do que eu supunha até então pela quarta estrofe: “Mama, just killed a man / Put a gun against his head / Pulled my trigger, now he’s dead / Mama, life had just begun / But now I’ve gone and thrown it all away” – trecho ausente na canção de Angelina.

Ao final da apresentação, o público – que acompanhou sua apresentação entre “uaus”, silêncios e luzes de celulares acionados – aplaudiu de pé e ovacionou a menina-cantora-maior. Os quatro analistas teceram elogios rasgados, incluindo o temido Simon Cowell. Apenas faço o reparo ao que ele disse quando sinalizou que a versão de Angelina tinha a marca da “simplicidade”. Atrás do que parece simples, de fato se esconde um trabalho meticuloso na escolha do que cantar e como cantar, dando valor de obra-prima a uma versão de Bohemian Rapsody que ganhará outros intérpretes. Heidi Klum a elegeu para o Golden Buzzer, dando direito de ir direto para a Final do concurso/reality show.

Para quem não a conhecia, surgia uma nova estrela no firmamento. Para quem a acompanha desde os 7 anos, como eu, fã de programas de calouros do mundo todo, além de vídeos musicais desde garoto, era a confirmação de um talento especial. Que ao conhecer o que é tradicional tem maiores condições de inovar. Que a exposição que venha a sofrer com a continuação do programa, de grande audiência nos Estados Unidos e visto no planeta todo, seja encarada com a devida maturidade e a simplicidade que tem a caracterizado.

Apresentação de Angelina Jordan no America’s Got Talent – Champions 2020:

https://www.youtube.com/watch?v=VPuAl7ux7VY

https://www.youtube.com/watch?v=rn6nkX0h6Xw

Canal no Youtube:

https://www.youtube.com/channel/UC1Pwa4nFvIPbtYVLcBGDpjA