1º / 04 / 2025 / BEDA / Inteligências & Mentiras

Há muita controvérsia a respeito da Inteligência como algo mensurável — usam-se métodos para identificar pessoas mais e menos inteligentes através de testes como Q.I., por exemplo. Pelas experiências comportamentais percebeu-se que ser “inteligente” não era suficiente para desenvolver relações saudáveis de convivência. Começou-se falar sobre Inteligência Emocional, que seria a aptidão de alguém que mesmo sem ser capaz de solucionar problemas intricados, consegue lidar com situações complexas no contexto social. Assim como a Inteligência Prática, que se dá quando as pessoas conseguem ter habilidades que as qualificam para a realização de tarefas cotidianas pertinentes.

Quaisquer dessas Inteligências podem ser desenvolvidas através de estudo aplicado e/ou treinamento, supostamente. Requerem condições básicas como um bom ambiente (equilibrado) de aprendizado, aplicação, força de vontade para estudar para que um ser humano alcance alguma excelência. Porém, com o advento da Inteligência Artificial, encontramos a situação inédita de que um processador de dados produzidos por seres humanos que mimetizam o seu comportamento em respostas dadas quando consultados. Não é difícil acontecer de haver desenvolvimento de um vínculo emocional entre a pessoa que utiliza a I.A. e o aplicativo. Até é difícil deixar de “humanizarmos” algoritmos e sequências de signos estimulados por nós a responder sobre nossas demandas.

Quando encontramos aparelhos como Alexa que “conversa” com seu interlocutor, tendemos a estabelecer parâmetros de afeição com algo tão presente como seria um amigo em momentos de solidão. Em “Ela”, de 2013, a personagem Theodore, um escritor solitário, leva ao patamar de envolvimento amoroso a sua relação com o sistema operacional, sendo “virtualmente” correspondido. A afetividade entre as pessoas parece estar se aproximando de uma zona cinzenta em que a desconfiança, a insinceridade, a precariedade da verdade como baliza dos relacionamentos, em que as emoções são distorcidas, os sentimentos são extremados e as paixões são doentias.

Correu o Mundo que a A.I. do X, ao ser questionado sobre o principal divulgador de “desinformações” — eufemismo para “mentira” — ao que Grok respondeu que o seu criador, Elon Musk, é o maior “mentiroso” do X, através de aferições de seus seguidores. O que talvez possa até ser uma espécie de “boa propaganda” de sua capacidade de isenção. Para aquele que foi acusado será mais uma chance de ganhar muito dinheiro. A sua exponencial inteligência para operar dentro do Sistema que é, basicamente, a utilização de todas as ferramentas possíveis para o enriquecimento de quem o manipula, o torna admirado por quem reza por essa cartilha opressiva.

Aliás, a sentença de Goebbels de que “uma mentira dita mil vezes se torna uma verdade” acaba por ser a norma do comportamento de muitas pessoas através da facilidade de conexão ao mundo virtual, acessado por qualquer um que esteja conectado à imensa rede da Internet. Versões de muitas verdades tornam a apreensão da realidade um tanto fugidia por boa parte das pessoas que, de certa maneira, já carregam convicções que assemelham ao àquela falsidade. Adotando aquela verdade, que já faz parte de sua compreensão de mundo, ainda que não tenham provas óbvias.

18 / 01 / 2025 / Namoradas Virtuais

Tenho a impressão crescente de que os homens estão perdidos diante da revolução íntima na Sociedade quanto a emancipação feminina, apesar de todos os percalços, incluindo a reação mais radical –- a violência pura e simples. Nessa luta por encontrar protagonismo nas relações humanas modernas, tem ocorrido a negação por parte dos machos da espécie Homo sapiens em entender que esse é um caminho sem volta e que, por fim, regenerará para o bem as relações sociais em todos os níveis.

Ciente da capacidade superior da mulher em muitos dos campos da atuação humana, cria desde cedo que chegariam ao comando das ações mais importantes para o desenvolvimento do País. Observava que enquanto os moços iam trabalhar, as moças ocupavam a maior parte das carteiras nas salas de aula. Como era muito ingênuo não imaginava que os machos da espécie seguiriam a tradição de boicotar a participação mais decisiva da mulher na vida social.

Não é algo que ocorre exclusivamente no Brasil. Na eleição de Trump, por exemplo, contra Kamala, mulher preta, os homens pretos, mesmo os democratas, se identificaram mais com o gênero masculino do homem branco do que com a representatividade de uma representante da raça. Já vi isso acontecer aqui no Brasil em que alguns jovens pretos se perfilaram ao lado da postura bolsonarista, claramente oposta à integração, de teor racista do que a um projeto mais identificado com a luta antirracista. Creio que os uniu foi a postura misógina.

Tem chegado a mim, através das redes sociais, a veiculação de páginas em mulheres criadas pela Inteligência Artificial convidam homens solitários a entrarem em contato com elas. Além da beleza padrão, incluem entre os atrativos serem totalmente submissas aos desejos masculinos, que saberão ouvi-los e compreendê-los, sem nenhum tipo de julgamento. Além de serem compensados com a “entrega” de seus corpos à realização de suas fantasias sexuais. Sucesso.

Para mim tem se tornado claro que os homens sisgêneros atuais estão assustados com o surgimento de mulheres autônomas que buscam relacionamentos em que a dependência emocional, psicológica e material não são trocadas por uma aliança no dedo. Esses homens não sabem o que estão perdendo em termos de riqueza humana, apesar da dificuldade que é se relacionar com seres tão complexos quanto as mulheres.

Foto: a imagem acima é de uma mulher criada através da Inteligência Artificial, retirada de uma das páginas de relacionamento virtual.

BEDA / Auto*

Vivemos frequentemente situações que condições externas nos impõe restrições de movimentação e até mesmo de visão. Em uma longa viagem de ônibus ou metrô, temos rostos de estranhos postados tão próximos quanto de amantes. Paisagens repetidas tornam-se, com o passar do tempo, visões de quadros de artistas sem talento. A solução mais ao alcance de nossas mãos, olhos e ouvidos, nos dias de hoje, é nos distrairmos com a leitura de um bom livro ou, mais assiduamente, de utilizarmos aparelhos de nexos… ou dispersão.

Vez ou outra, podemos até realizar outras ações, nas raras vezes que conseguimos sentar. Lembro-me que um dos meus melhores trabalhos na Faculdade de História foi feito, literalmente, nas coxas, na hora e meia que me levou de casa à USP. No entanto, era outra época, no final dos 80, e os trabalhos podiam ser realizados à mão e as distrações, fossem talvez menores.

Atualmente, estamos cada vez mais vinculados à Rede, através da Internet, onde quer que estejamos. Se a Nossa Senhora das Conexões Virtuais nos permitir, através dos instrumentos eletrônicos de mediação, como celulares e computadores, podemos jogar contra adversários virtuais de países amigos, recebermos mensagens do além Rio Tietê, nos inteirarmos de novidades que temos urgência em sabermos antes que se tornem antigas na próxima hora, ouvirmos canções de amores perdidos / encontrados e conversarmos com pessoas do outro lado mundo, enquanto o próximo ao seu lado está sendo sonoramente ignorado.

Há dois anos, por estar ouvindo o noticiário matutino pela rádio captada no celular, com o fone de ouvido, fui facilmente furtado da minha carteira e de outro celular por um heterogêneo bando de mulheres dentro do ônibus. Foi um perfeito trabalho de equipe. Enquanto uma das moças impedia que eu avançasse (uma baixinha que mal alcançava o suporte de cima) outras duas se assenhoravam do conteúdo da bolsa de couro que usava para ir à faculdade, esta, de Educação Física. Logo que fizeram o serviço, desceram rapidamente, deixando uma bem vinda clareira na área em meu entorno e na minha bolsa. Com certeza, teria percebido a movimentação estranha se estivesse com alguns dos meus sentidos em alerta. Enquanto recebia notícias dos tumultos na França, a ação perniciosa de algumas pessoas tumultuava a minha vida pessoal.

Outro dia, mais recentemente, ao tentar descer no meu ponto, solicitei ao rapaz à minha frente, em voz alta, que me desse passagem. Como ele não se movimentava, toquei em seu braço como se a minha vida dependesse daquela oportunidade e ele me olhou com a expressão de quem estivesse sendo agredido por um monstro. Percebi, de imediato que ele estava com fones de ouvido enterrado nas orelhas. Os dois ou três segundos que se passaram nessa “conversa” de sensações, foram o suficiente para que o ônibus fechasse as portas e, célere, saísse em seguida para aproveitar o semáforo sinalizado em verde.

Fiquei plenamente desconcertado com a situação. Eu já não mais me servia dos fones de ouvido, desde o furto que sofrera. Além disso, as admoestações da minha mulher, que se sentia ofendida com a minha “ausência”, mesmo quando estava em casa, me ajudaram a decidir a abrir mão desse instrumento. Nada contra empregarmos o tempo ocioso dessa forma, mas resta a situação que podemos estar nos distanciando dos outros, do mundo real… ou do que podemos chamar de mundo real, que se traduz livremente como a arena em que jogamos as nossas individualidades.

Como solução, podemos começar a conversar “ao vivo” com aquele que está muitas vezes mais próximo de nós, naquele momento, quanto nenhum outro estaria em qualquer parte do dia. Porém, quem se permitiria ser invadido dessa forma?

*Texto de 2013

Participação: Lunna Guedes Mariana Gouveia / Claudia Leonardi Roseli Pedroso / Bob F.

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Polaroides

Em 1944, de férias com a sua família, a filha de Edwin H. Land lhe perguntou porque não podia ver imediatamente as fotografias que o pai tirava. Edwin conta que nesse mesmo dia idealizou a mecânica da câmara de impressão instantânea. Três anos depois, veio a público uma tecnologia que transformou um processo que demorava horas, que exigia um estúdio próprio e acesso a químicos de revelação fotográfica, para algo que demorava apenas alguns minutos. Chegou ao mercado em 1948 com o nome Polaroid Land Model 95, que funcionava usando dois rolos separados para o negativo e o positivo, os quais permitiam que a imagem fosse revelada dentro da câmera.

Ainda tenho uma câmera Polaroid guardada em algum canto. As minhas filhas têm uma câmera similar e gostam de brincar de tirar e revelar fotos instantâneas. Mas com o tempo a chegada dos smartphones rapidamente mudou a dinâmica da produção de imagens reveladas quase imediatamente através das redes sociais, de tal modo que a maioria das pessoas sequer pensam em algo diferente. Como não tenho polaroides à mão, compareço aqui com similares para rememorar o último semestre deste ano insano.

Em Agosto, fui informado pelo Facebook que havia ficado noivo da Tânia há 35 anos. Não houve exatamente um pedido de noivado, mas (in)formalmente, essa foi a data em que começamos a namorar. Foi tudo muito rápido. Em Maio do ano seguinte, ao décimo terceiro dia, nos casamos, com o testemunho da Romy, há cinco meses no ventre da mãe. O resto é História.

Em Setembro, estreamos a Primavera mais quente que a Humanidade já presenciou, segundo informes climáticos mensurados por institutos do mundo todo. Entre os negacionistas de plantão, não é algo para se preocupar. Alugados pelos donos do jogo, há quem queira negar que estamos à beira do colapso. Gaia está simplesmente reagindo às ameaças de sobrevivência de todas as espécies vivente neste planeta. Não duvido que se o Homem for um empecilho, a Natureza o colocará em seu devido lugar. Sinais não faltam. Enquanto isso, as orquídeas aqui em casa, se sentindo protegidas, continuam a florescer na Estação das Flores.

Parece incrível, mas apenas há um pouco mais de um ano, em Outubro, surgia Alexandre em nossa vida. O rapazinho todo desmilinguido, desnutrido, mais ossos do que carne, um tanto cego pelos olhos anuviados, de tímido que se apresentou, foi se empertigando. Pudemos perceber que se tratava de um exemplar variante de Pinscher, com todas as características que apresentam — corajosos, leais, cheios de energia, curiosos, divertidos — e guardiões, o que deixa a Lívia, que trabalha parte da semana em Home Office, muitas vezes com gana de lhe dar uns tapinhas na bunda seca. Os seus latidos, para quem passa no portão vazado, interfere frequentemente em suas reuniões. Coloca o pessoal com quem fala no modo mudo e grita para o bichinho impertinente: Aleeexaaandreee!

Bem, Novembro foi cheio de aventuras. Mais um fato recorrente marcou o meu mês. A Tigresa nos deixou na mão na subida da Serra do Mar, na volta de nossa casa da praia. E a Tímida, à caminho de Ibiúna, onde faríamos um evento pela Ortega Luz & Som. O que essa torre de caixa d’água teria a ver? Bem ela marca o ponto onde esperamos o caminhão guincho que nos levaria para o local onde conseguimos chegar à tempo para a montagem e a realização da sonorização e a iluminação da banda para festa de temática italiana. Enquanto esperávamos o transporte, fiz algumas imagens para relaxar. Afinal, temos sempre que tentar ver o outro lado da moeda.

Nesta foto, encontramos, além de mim, Marco Antônio Guedes, Lunna Guedes — mentores da Scenarium — e Flávia Côrtes, que veio à São Paulo direto de Salvador, Bahia, para o lançamento do lindo livro de poemas, Correntezas. Dias após, nos encontrarmos no SESC Paulista e posteiormente fomos ao Café da Livraria Cultura, cercado por livros, como gostamos, onde fiz este registro. A baiana mostrou ao vivo a sua verve, animação, lirismo e alegria de viver que podíamos perceber apenas através do virtual. Uma agradável surpresa de Dezembro e do real!

Participa: Lunna Guedes / Roseli Pedroso / Mariana Gouveia

BEDA / Do Virtual Para O Real*

Luiz Coutinho & eu

Em 2015, o que era virtual se tornou real. Das páginas do Facebook, saltaram personas que se encontraram pessoalmente, principalmente através de um ser sofisticado e de intricada personalidade – Luiz Coutinho – um veneziano nascido em Minas. Depois, o visitamos em Brasília, onde se esconde e onde se expõe por trilhas da escrita. Lá, redimensionei a cidade estranha, de arquitetura transcendente e povoada por uma gente incrível, onde encontramos menos brasilienses de nascimento do que por opção. De forma indireta, o meu percurso de escritor ganhou direcionamento nessa época quando, ao visitarmos o estúdio de Maria Cininha, a maravilhosa criadora das Marias, Edward Hopper me uniu à editora da Scenarium Plural – Livros Artesanais, Lunna Guedes. O mestre da solidão visualmente escancarada foi, pessoal e simbolicamente, o patrono de um grande encontro.

Fotos: Deborah Matt

*Texto de 2015, participante de BEDA: Blog Every Day August

Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Bob F / Lunna Guedes / Suzana Martins / Cláudia Leonardi / Denise Gals