02 / 02 / 2025 / As Deusas Das Águas

Hoje se comemora o dia da Rainha das Águas, Yemanjá. Em Pindorama, os originários da terra tinham Yara, como Mãe d’Água. Com a chegada forçada dos escravizados africanos, Yemanjá ganhou protagonismo, mesmo porque as lendas indígenas foram sendo obliteradas pouco a pouco com o genocídio das diversas tribos. Yara estava mais vinculada aos rios, lagos e lagoas no interior do continente, o que corresponde a várias lendas em todos os continentes no mundo todo.

Uma amiga que trabalha na China, em uma das suas publicações, mostrou o monumento de Guan Yin do Mar do Sul de Sanya, de incríveis 108 metros de altura. Essa entidade é venerada na China, Coreia, Vietnã e de Japão. O traço comum entre todas essas entidades ligadas à agua é o fato de serem femininas, normalmente ligadas à geração e proteção da vida. No sincretismo religioso brasileiro, Yemanjá foi associada à Santa Maria, mãe de Jesus, em suas várias denominações.

A orixá africana incorpora vários aspectos que a tornam uma das entidades mais populares. Na Bahia, é famosa a festa que a homenageia. Essa celebração tradicional chega aos 103 anos neste 2 de fevereiro de 2025. Celebrado por uma multidão de baianos e turistas em Salvador, o Dia de Iemanjá é marcado por fé, emoção e entrega de presentes à rainha do mar. Ela se iniciou quando durante a uma escassez severa de peixes, os pescadores oraram à Yemanjá e, naquele dia, voltaram carregados de pescados. Surgiu a tradição com cada vez maior participação popular.

Na minha relação com o mar, eu a comparo como se fosse o líquido amniótico, para onde volto sempre que posso. E sinto frequentemente que há “algo de mágico” nessa relação. Como se estivesse em meu elemento, brinco com as ondas e me torno um com as águas. Ciente que somos muito mais água do que qualquer outro elemento, me junto à bilhões de seres humanos que já caminharam pela Terra.

Recriação

Ofereço o veículo de Luz
acima do muro.
Para além dos fios.
Na linha do horizonte,
o óvulo solar gesta o seu ocaso.
Como se estivesse Yemanjá
presente no mar celeste,
boia a oferenda da tarde
que viajará até o outro lado do planeta.
Tantas vezes brigamos,
outras tantas, voltamos…
A cada despedida, aprofundamos a voragem,
a cada volta, aumentamos a voltagem…
Somos, todos nós, amantes –
eu, de você,
você, de mim,
nós – em que somos outros – de nós mesmos…
Apesar de viajarmos para fora dele,
amamos o mundo,
amamos no mundo…
Amor fecundo,
amor imundo,
amor sofrido
amor redivivo…
A minha mãe me pariu,
você, mulher, me recriou…
Sou pedaços dela,
sou inteiramente seu…

Verões

Meu pai, Sr. Ortega, meus irmãos Marisol e Humberto, além de mim, chupando picolé… por volta de 1973.

Na imagem acima, retirada de um registro que estava em um pequeno binóculo desses que não existem mais, estou com cerca de 12 anos. Portanto, há 50 anos antes. Estava na mesma localização que estou agora, junto ao mar que tanto amo. Naquela época, a Praia Grande era a praia dos farofeiros, com as ruas tomadas por ônibus de excursão. Hoje, é uma cidade pujante, cheia de novos empreendimentos imobiliários. A rua da casa onde estou desemboca de frente para o mar. Fica entre a estátua de Yemanjá e Netuno (ou Poseidon), na Cidade Ocian. A depender do gosto pessoal, agradando de romanos a gregos e baianos, as entidades estão bem representadas. Mais novo, era fascinado pelos dois totens, mas enquanto Netuno me atraía, Yemanjá me causava certo receio de me aproximar. Talvez porque não conhecesse profundamente a sua história, talvez porque a fascinação pelas mulheres estivesse associada ao temor em mergulhar no meu amor por elas.

Passado meio século, em meio às águas marinhas, repito os gestos do garoto da mesma forma, mais pesado, mas nem tanto que as ondas não consigam relativizar através de seu poder em igualar a todos. Como não estou usando lentes de contato (já perdi uma no embate com as vagas), míope, em determinado momento comecei a me aprofundar na sensação de voltar às águas passadas, fazendo mover o moinho dos pensamentos que começaram a atravessar a minha mente sem que conseguisse apreender quase nenhum por muito tempo.

Relaxei e consegui vivenciar um sentido de permanência calma em meio ao mar revolto, mas quente. Eram as mesmas ondas da mocidade, como se experimentasse a eternidade. Não foi nova essa experiência de viagem pelos tempos. Cheguei a criar um conto numa dessas oportunidades — Curumim. O importante para é conseguir ter essa integração-acolhimento com o meio aquoso. Em outra ocasião, mais recentemente, escrevi um livro inteiro de crônicas — Curso de Rio, Caminho do Mar — pela Scenarium, em que a interação com o mar me salvou de uma séria crise de ansiedade.

Enfim, ainda sou o garoto que ao caminhar para a praia, ouvia os sapos a coaxarem no mangue hoje ocupado por uma fieira de edifícios. As calçadas em que piso são marcadas com os meus pés descalços com o desenho dos dedos. O Sol é o personagem constante e a sua luz explosiva me alimenta de radiação. Eu preciso disso para continuar a viver os dias asfaltados em São Paulo, com as minhas atribuições profissionais. Voltarei todas as semanas do Verão de 2023. É um compromisso que estabeleci comigo e que espero cumprir. Estou em falta e preciso reparar isso com o garoto e o velho vestidos de calção e maiô vermelhos.

O velho, em janeiro de 2023…