
Saio à rua para buscar alimento no mercadinho próximo. Como o meu cérebro vive em constante tempestade temporal, viajo para muito antes e imagino a dificuldade que os primeiros homens enfrentavam para conseguir se alimentar. O perigo que espreitava o caçador que, eventualmente, poderia fazer as vezes de caça. Em muitas situações, nada mudou depois de centenas de milhares de anos…. Viver era conseguir fugir dos dentes da besta fera por trás de cada tronco de árvore da floresta. Hoje, acontece em cada esquina das cidades de pedra.
Alheios a isso, meninos empinam pipas neste final de julho. Logo mais, agosto trará a volta ás aulas e eles querem espremer até a última gota o desejo de alcançar a Lua no firmamento. Tentam dominar a mecânica do voo. Fazem rasantes, sobem velozmente, exercem a vontade permanente de voltarem à essência da qual somos feitos – sonhos.
Ao caminhar pela tarde-quase-noite, quando a luz ainda se espraia pelo céu e a Lua quarto-minguante, que já foi de sangue há pouco, surge plena de promessas, presencio outros meninos e uma menina, a melhor de todos, a jogar futebol na quadra esportiva. Vestem camisas de times de fora. O dito “País do Futebol” transformou-se um entreposto vendedor de mitos. Jogar pelo prazer do jogo não é suficiente. O desejo de se tornar estrangeiro é o maior objetivo. A pátria, apenas uma referência distante… Tão distante, que vestir a camisa do País em que nasceu é apenas mais um troféu na carreira de quem nem se iniciou. Por causa de alguns ídolos, milhões vendem as suas almas de criança, enquanto a Lua participa como simples testemunha semicircular, a pairar solene e indiferente.
No dia seguinte, a andar no Centrão por ruas em que hotéis baratos são usados por amantes refugiados entre lojas de produtos de pintura e desenho, observo um senhor que caminha com dificuldade, a apoiar os seus passos curtos com uma bengala. Através de uma alça pendurada no pescoço, carrega uma tela vazia recém-comprada, a fazer contrapeso. Especulo que seja pintor. Concebo que aquele plano vazio será transformado por seu talento em mais sonho e o identifico como um igual a mim…
Logo mais, me descolo por baixo da terra, serpente em meu ninho, e chego à Paulista. Através das torres de vidro, as luzes camuflam a presença da Lua. São reflexos enganadores do espírito empreendedor de seres humanos de todas as eras. Um dia, o ciclo se completará e salvaremos o planeta de nossa presença. Nossos companheiros animais, sobreviventes a nós, olharão para as sucessivas fases da Lua, sem especularem porque reflete aquela luz perene que um dia fez sonhar outros bichos que os aprisionavam, agora esquecidos. A Lua será então, tão somente, um corpo inominável…