BEDA / Eu Sei Que Não Sou Gay, Porque Não Transaria Com O Chico

CHICO BUARQUE

Durante uma conversa informal entre mim e Tânia, houve a menção do nome do Chico Buarque de Holanda, um cara tão talentoso, sensível, inteligente quanto bonito, mesmo agora, na faixa dos 70 anos. Não sei a propósito de que apareceu o Chico em nosso diálogo (as mulheres podem nos acusar, com razão, que às vezes não prestamos atenção ao que dizem, se eu não fosse normalmente disperso), mas compartilhamos a admiração que sentimos por ele, incluindo o fato que não seria mesmo nada fácil resistir à atração que aqueles olhos azuis exerceriam sobre ela, como mulher (isso incluiria a sua atratividade masculina) e a mim, como um fã de suas composições – músicas e letras. Ainda não tive contato com a produção do autor literário, mas sei que ele está sendo bem recebido também nessa seara.

Comentando sobre o poder sedutor buarquiano, que englobaria não apenas sua aparência física, como também história de vida, talento e capacidade para a criação de temas que sob sua visão, mesmo as pessoas mais comuns, ganham dimensões de seres sobrenaturalmente belos, Tânia especulou que talvez não resistisse a esse apelo e, brincando (espero) disse que iria com ele. Entrando na brincadeira, eu disse que chegaria a apreciar a aquisição de um chifre tão honroso… Afinal, seria um corno “by Chico”!

Compreendo perfeitamente que projetamos, para além da pessoa humana, qualidades excepcionais que deslocamos do campo ideal para o corpo de um homem ou de uma mulher. Nós dois entendemos que a paixão é algo que se refere mais a quem a sente do que a quem seja objeto dela. No entanto, o Chico parece ser um daqueles homens que abarcam todas as possibilidades de ser, além de uni-la à beleza material despejada para os circunvizinhos por seus olhos de fundo marinho.

Sei que não sou gay porque se fosse para desejar a um homem, ele seria o cara. Porém, contento-me em conversar com a obra realizada por ele. De maneira diversa, sei que muitas mulheres e alguns outros tantos homens desejariam muito mais do que isso. Gostariam de ultrapassar as barreiras possíveis que se interpusessem entre eles e ficariam com a sua palavra, a boca que as proferisse e o resto do seu corpo.

Em sua homenagem, creio que possa absorver o sua paixão pela vida, assumir o espírito de sua compaixão e declarar-me a ele, como se mulher fora, como em tantas canções que compôs, olhando olhos nos olhos, diria: “Nos seus olhos, caso pudéssemos mergulhar sem medo, encontraríamos a poesia que eles arremessam por nossas vidas a fora. Lá, encontraríamos mil perdões, as mulheres de Atenas e a Geni, a mãe do guri e o meu caro amigo (vivo), João e Maria, o bêbado da construção e todos os membros da banda, Ritas, Rosas, Beatrizes e Carolinas, Anas, Angélicas, Bárbaras e Terezas, a roda viva de nosso cotidiano, os futuros e as futuras amantes, as moças das vitrines e das que estão atrás da porta, gente humilde e os anos dourados, o cálice e a tatuagem, o que será, com açúcar e com afeto e, apesar de você tanto amar, encontraria, pelo menos, um pedaço de mim…”.

BEDA / El Reloj

El Reloj

Como nunca antes, ele chegou na hora marcada. Dois minutos antes, na verdade. Sempre que programavam em se encontrar, inevitavelmente algo surgia que o impedia de cumprir o horário dos encontros entre os dois – as crianças, a mulher, o cunhado fanfarrão, empregados da sua empresa ou alguma outra coisa. Ele a conheceu em um curso de dança de salão e logo os sambas, as salsas, os tangos e, principalmente, os boleros, os uniram. Ela, uma mulher alegre e franca, atraiu a sua atenção logo que a viu. Da parte dela, aquele homem desengonçado e tímido, parecia ser o último tipo que pudesse ter um traço especial que o distinguisse e, por isso, se sentia segura em poder tê-lo como um par mais constante no aprendizado dos passos básicos do bailar.

Mas a solidão, acompanhada de muitas pessoas de um e a ausência de carinho do marido de outra, os levaram, em cada volteio e gingado, a se encontrarem no mesmo compasso. O ritmo de suas vidas impedia que estivessem mais tempo juntos, além das duas ou três horas, mais as duas aulas de 50 minutos por semana que passavam juntos. Quando podiam estar sós, cumpriam um lúbrico ritual de corpos que buscavam se confirmar vivos, como se fossem as últimas pessoas sobre a face da Terra. Uma vez por mês, a turma do curso buscava alguns dos bailes promovidos na cidade para por em prática a evolução no aprendizado e já caíra na boca do povo a possível união amorosa do casal de dançarinos.

Porém, naquele dia de sua inédita pontualidade, ele estava decidido a encerrar essa parceria de dança. Em sua cabeça, tocava “El Reloj”, uma das suas canções favoritas e que simbolizava o ponto de encontros entre os dois, realizados invariavelmente junto a um relógio no velho centro. Sentia o coração apertado, a amava demais, mas precisava dizer adeus. Tudo muito clichê e perfeitamente doloroso. Ele sabia que estava decretando a morte de sua melhor parte e “Nosotros” passou a pontuar a sua lembrança. No caso, o autor daquela canção estava gravemente doente e quis terminar o seu romance sem que a amada soubesse do fato. Pretendia preservá-la do sofrimento que seria o acompanhamento da sua lenta e triste agonia. Não era essa a sua motivação.

Conforme pontuava os momentos passados juntos, os boleros que ambos dançaram tantas vezes pareciam ganhar a proporção de profecias realizadas em épocas tão remotas sobre o que aconteceria em suas vidas. “Historia De Un Amor”, por fim, impôs o melancólico fraseado em sua mente. Rapidamente, concluiu que a dança o havia libertado de homem preso às convenções do 4/4. E um quarto nunca lhe parecera tão pleno de significados. De repente, inversamente ao que pretendia a princípio, percebeu que não precisaria viver os dramas retratados em tão belas e doloridas canções, mas apenas dançá-las. E compreendeu, igualmente, que aquela dançarina deveria ser o seu par, mesmo que tivesse que vivenciar todas as contradições de ser um homem dividido. Ao vê-la chegando ao seu encontro com o mesmo sorriso franco de costume, simplesmente a beijou e perguntou: “Vamos?”…

BEDA / Papai É Bombadinho

Papai É Bombadinho
Em 2013…

A foto acima, faz parte da série “Papai É Bombadinho”, nomeação dada por minha caçula, Lívia. Na época, há seis anos, a minha intenção ao postá-las era demonstrar o esforço que fazia para me manter ativo naquela etapa da vida em que muitos desistiam de se movimentar ou praticar alguma atividade física por suposta falta de tempo – o que era comum acontecer também comigo – tanto quanto agora. Muito mais comumente, é por simples falta de vontade, para não dizer: preguiça.

O principal fator para prefiramos deixar a preguiça tomar conta de nosso corpo é que se exercitar dói. Sim, não vou mentir – ao começarmos um programa de atividades físicas, a dor é nossa companheira constante e sugiro que não tentem reduzi-la com o uso de relaxantes musculares, porque isso, conforme eu aprendi, de certa maneira faz com que você perca parte dos benefícios dos exercícios. A dor é uma resposta muscular à adaptação do organismo à nova demanda do nosso corpo. No entanto, após o doloroso processo de adaptação, você começa a perceber que os resultados surgem e você passará a se tornar um assíduo praticante de exercícios. Chegará até – olha que loucura – a sentir falta daquela dorzinha de quem passa por esse período inicial.

O fato é que sempre gostei de atividade física – jogar futebol, voleibol, basquetebol, correr, nadar. Porém, com o passar dos anos, gradativamente, fui deixando de me movimentar. É claro que o meu peso aumentou, não só pela inatividade como também pela alimentação desequilibrada, no tempo, na proporção e qualidade devidas. Aliado a outros fatores, tive alguns problemas de saúde, culminando com uma crise hiperglicêmica no final de 2007.

Desenvolvi silenciosa, mas inevitavelmente, uma Diabetes Milittus, Tipo II, associada a hereditariedade, a idade e ao estilo de vida. Cheguei a 715 mg/dl quando o índice normal deva girar em torno de 100 mg/dl, isso, depois de tomar insulina na veia. Cheguei ao hospital bem mal, com a visão turva, mal podendo caminhar. Estava quase reproduzindo a morte de um grande amigo meu, o Wanderley Santos, que se foi em uma crise dessas. Fui salvo por minha mulher, Tânia, que percebeu que os meus sintomas – sede intensa, vontade de urinar a todo momento, visão nublada e uma irritabilidade insuportável – correspondiam aos de uma Diabetes, doença que não sabia sequer ter desenvolvido.

Após sair da internação, usei insulina injetável durante algum tempo, mas não mais. Sucedida a pior fase, adotei uma dieta mais equilibrada e incentivado por minha mulher e filhas – Livia, Romy e Ingrid, decidi voltar a estudar, nesse caso, justamente Educação Física. Talvez sentisse necessidade em compreender como ocorre o desenvolvimento do corpo humano – sempre ocorre desenvolvimento, mesmo que negativo – e de que maneira podemos lidar com as circunstâncias envolvidas nesse processo.

A musculação tem me ajudado a controlar a minha Diabetes e os fatores envolvidos na explicação de como isso ocorre são um pouco técnicos e não será aqui que discorrei a respeito, mas persiste o fato de que são fatores marcantes e óbvios seus benefícios em meu organismo. Percebam que nomeio a Diabetes com letra maiúscula, porque é uma forma de demonstrar respeito por um mal cada vez mais presente na vida das pessoas, caso não se revertam rapidamente as condições de nosso estilo de vida atual.

No entanto, para ver como o mundo dá voltas, em fevereiro fez dois anos que não entro em uma academia. Quando falamos em estilo de vida, isso inclui as circunstâncias gerais do lugar onde vivemos. Para compensar o avanço do custo de vida, tenho que trabalhar muito mais do que antes, fico mais cansado e o tempo é curto para outras coisas, como me exercitar convenientemente. Como minha atividade me permite me movimentar bastante, diria que faço um trabalho físico funcional – literalmente. Função e funcionamento orgânico em conjunto. É o que temos para hoje…

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Em 2019…

BEDA / Brasília – Inventada Um Dia Antes Do Brasil

Brasília II
Torre das estações de rádio, em Brasília

Em abril ocorre algumas das efemérides mais importantes do Brasil. Dia 22, oficializou-se o descobrimento de terras novas neste hemisfério – Ilha de Vera Cruz, depois Terra de Santa Cruz e, finalmente, Brasil. Dia 21, Inconfidência Mineira e inauguração da nova e, supostamente, definitiva capital brasileira – Brasília. Na primeira vez que fui à Capital Federal, trabalhava como roadie de uma banda de São Paulo, que faria um baile no Cassino dos Oficiais da Aeronáutica. Naquela oportunidade, teríamos como atração principal o grupo “Os Originais do Samba”, já sem a presença do Mussum, que deixara o time para se dedicar exclusivamente aos “Trapalhões”. Vivíamos os meados dos Anos 80.

Eu e a minha equipe, fomos de caminhão, levando o equipamento de sonorização e iluminação, em uma viagem que durou 32 horas, por vários problemas que tivemos no veículo durante o trajeto de 1.100 Km do percurso. Ao chegarmos à cidade, em um dia muito quente, amplificado pelo concreto e asfalto, estávamos atrasados e não ajudava em nada verificarmos que, em vez de nomes comuns, as ruas apresentavam quadras, letras e números para identificar os logradouros.

Depois de dar voltas e voltas em torno de edifícios-monumentos, nos dignamos a pedir informações em um ponto de taxistas, sujeitos que mal olharam para nós e responderam, secamente, que não sabiam onde ficava o lugar que procurávamos. Percebemos certa má vontade por parte deles porque, logo adiante, encontramos a rua aonde íamos, bem próxima dali. Aliás, um soldado que a patrulhava, também não soube informar em que altura ficava o Cassino dos Oficiais da Aeronáutica. Conjecturamos que o rapaz não fosse local. Depois descobrimos que quase ninguém de Brasília, que fosse mais velho, nascera na cidade. Com certeza, os apenas muito jovens poderiam ser chamados de brasilienses natos de uma cidade jovem, que fora fundada quase 30 anos no passado.

Enfim, fizemos o evento sem nenhuma intercorrência e voltamos para São Paulo pela manhã, agora podendo observar melhor a vastidão sem fim do serrado, em estradas em que o final se encontrava no infinito, qual em um túnel do tempo. O céu estava limpo, sem nuvens, como era comum, segundo eu soube, naquela estação. Nada de objetos voadores não identificados, como acontecera quando passávamos pela mesma estrada a duas noites antes.

O OVNI que vimos, então, emitia luzes que variavam de tamanho, a medida que se aproximava ou se distanciava. Esse contato de 1° Grau durou uns 3 minutos. A sensação que ficou do episódio foi de sonho, ainda que tivesse sido compartilhado por mais duas pessoas. No dia seguinte, o Capitão B., nosso contratante, ao qual relatamos o ocorrido, nos disse que realmente ocorrera uma informação de um OVNI pelos radares das torres de controle, o que, na verdade, não era incomum. Além disso, um dia depois, tivemos a notícia, com filmagem, de uma aparição no Rio de Janeiro, idêntica a que havíamos testemunhado.

Essa lembrança de Brasília, entre a frieza de alienígenas brasilienses, em dia quente, e o encontro de visitantes de outras dimensões, permeou a minha impressão sobre essa cidade do Planalto Central durante a minha vida toda até que vim conhecer pelas redes sociais pessoas que interagi a ponto de ir de encontro a elas em viagem ao Planalto Central. Hoje, fico feliz em poder encontrar seres que me estimulam, em vários sentidos, mesmo que “estrangeiros”, a adotar uma visão mais completa da nossa Capital.

Assim como São Paulo, Brasília é uma cidade adotada e de adotados. A sua multiplicidade arquitetônica e humana não é para fracos. Mesmo que atrasado, desejo um feliz aniversário a você, Brasília! Você começou a ser engendrada no ventre da Nação que se formaria, a partir do peito de um português que gritou, há 519 anos, no dia 22 de abril: “Terra à vista!”…

BEDA / Jerry Adriani

Jerry Adriani
Jair Alves de Sousa (1947-2017)

Há uns vinte e cinco anos, fui contratado para sonorizar um evento no Clube Gonzaga Nipo-Brasileiro, em São Caetano do Sul, que além da banda teria como atração principal a Jerry Adriani. Filho dos Anos 60, um garoto que pedia para a mãe comprar a calça “Tremendão”, do Erasmo e a camisa de franjas do Rei Roberto Carlos, tinha uma grande expectativa para ver o antigo ídolo da Jovem Guarda de perto.

Foi nessa ocasião que comecei a perceber mais de perto a dimensão do sucesso e as suas diversas facetas, a incluir o declínio. Na época que foram lançados, todos os cantores pertencentes ao movimento da Jovem Guarda carregavam atrás de si uma legião de fãs enlouquecidos que chegavam a obstruir as ruas em torno do local onde se apresentariam. A calma da região do clube onde haveria a apresentação de então contrastava amplamente com o que cresci vendo acontecer na infância.

De certa maneira, essa histeria coletiva, nunca a considerei saudável. Porém, ao mesmo tempo, vinha a demonstrar o quanto a mensagem ou a imagem que um ídolo externa impacta no imaginário de quem a expressa. Antes da apresentação, Jerry foi ao palco e demonstrou ser acessível e muito educado, característica que presenciei em 98% dos componentes da Jovem Guarda com os quais vim a trabalhar esporadicamente ao longo dos anos, individualmente e em shows especiais que reuniam vários deles. Credito esse traço em comum ao fato de serem filhos do Flower Power e da mensagem de Paz e Amor. Até hoje, por mais que possa parecer uma frase de mercado, eu mesmo a levo bastante a sério.

Ao longo dos anos, devido ao perfil que quisemos imprimir ao nosso negócio, de porte pequeno para médio, com atendimento pessoal e restrito, eu e meu irmão, Humberto, pela Ortega Luz & Som tivemos contato com artistas do canto que estavam tanto iniciando suas carreiras como aqueles que já haviam atingido o auge de popularidade e agora atendiam a eventos que atraíam saudosistas, em sua maior parte. Há aqueles que ainda carreiam grande prestígio, a ocupar o qualitativo de cults e fãs de novas gerações. Normalmente, são artistas que nunca foram tão bem-sucedidos em termos de divulgação, mas que sempre transmitem uma mensagem peculiar ou apresentam um apelo perene, ainda que muitas vezes indecifrável.

Há dois anos, no dia 23 de abril, em meio a um evento que sonorizávamos, na sua maior parte frequentada por pessoas que gostam de dançar juntinhos, característica passadista, recebi a notícia do desenlace físico de Jerry Adriani, aos 70 anos. Além do homem que partia, mais um ícone de uma época que marcou uma geração inteira, saía de cena. Descia do palco físico o gentleman, o homem com planos ainda a realizar, o artista de voz única (ou quase).

Quando surgiu Renato Russo, me perguntava quem era aquele sujeito que tentava imitar Jerry Adriani. Achei irônico Russo revelar que não o conhecia, demonstrando o fosso entre as gerações. Depois, chegaram a aparecer juntos em apresentações, por causa da semelhança vocal. Tive a boa sorte de poder participar infimamente de seu percurso, assim de como vários outros músicos da mesma era. Além de ter o prazer de trabalhar com a máquina do tempo que a música põe em movimento, tive a oportunidade de de-cifrar os meandros da minha própria história.