Como nunca antes, ele chegou na hora marcada. Dois minutos antes, na verdade. Sempre que programavam em se encontrar, inevitavelmente algo surgia que o impedia de cumprir o horário dos encontros entre os dois – as crianças, a mulher, o cunhado fanfarrão, empregados da sua empresa ou alguma outra coisa. Ele a conheceu em um curso de dança de salão e logo os sambas, as salsas, os tangos e, principalmente, os boleros, os uniram. Ela, uma mulher alegre e franca, atraiu a sua atenção logo que a viu. Da parte dela, aquele homem desengonçado e tímido, parecia ser o último tipo que pudesse ter um traço especial que o distinguisse e, por isso, se sentia segura em poder tê-lo como um par mais constante no aprendizado dos passos básicos do bailar.
Mas a solidão, acompanhada de muitas pessoas de um e a ausência de carinho do marido de outra, os levaram, em cada volteio e gingado, a se encontrarem no mesmo compasso. O ritmo de suas vidas impedia que estivessem mais tempo juntos, além das duas ou três horas, mais as duas aulas de 50 minutos por semana que passavam juntos. Quando podiam estar sós, cumpriam um lúbrico ritual de corpos que buscavam se confirmar vivos, como se fossem as últimas pessoas sobre a face da Terra. Uma vez por mês, a turma do curso buscava alguns dos bailes promovidos na cidade para por em prática a evolução no aprendizado e já caíra na boca do povo a possível união amorosa do casal de dançarinos.
Porém, naquele dia de sua inédita pontualidade, ele estava decidido a encerrar essa parceria de dança. Em sua cabeça, tocava “El Reloj”, uma das suas canções favoritas e que simbolizava o ponto de encontros entre os dois, realizados invariavelmente junto a um relógio no velho centro. Sentia o coração apertado, a amava demais, mas precisava dizer adeus. Tudo muito clichê e perfeitamente doloroso. Ele sabia que estava decretando a morte de sua melhor parte e “Nosotros” passou a pontuar a sua lembrança. No caso, o autor daquela canção estava gravemente doente e quis terminar o seu romance sem que a amada soubesse do fato. Pretendia preservá-la do sofrimento que seria o acompanhamento da sua lenta e triste agonia. Não era essa a sua motivação.
Conforme pontuava os momentos passados juntos, os boleros que ambos dançaram tantas vezes pareciam ganhar a proporção de profecias realizadas em épocas tão remotas sobre o que aconteceria em suas vidas. “Historia De Un Amor”, por fim, impôs o melancólico fraseado em sua mente. Rapidamente, concluiu que a dança o havia libertado de homem preso às convenções do 4/4. E um quarto nunca lhe parecera tão pleno de significados. De repente, inversamente ao que pretendia a princípio, percebeu que não precisaria viver os dramas retratados em tão belas e doloridas canções, mas apenas dançá-las. E compreendeu, igualmente, que aquela dançarina deveria ser o seu par, mesmo que tivesse que vivenciar todas as contradições de ser um homem dividido. Ao vê-la chegando ao seu encontro com o mesmo sorriso franco de costume, simplesmente a beijou e perguntou: “Vamos?”…