BEDA / Scenarium / Segundona

Segundona

Sinto que o sol se solta
em seu caminho fixo
e iluminado,
e deixa se ver
por detrás da cortina nebulosa…
Estamos em plena segundona — dona
de nossos humores cíclicos.
Para tantos, tempo
de buscar sobrevida,
ganho de mais valia e causa
para a existência, sem pausa —
um momento
para parar, para sentir o ar,
além de respirar…
E eu posso…
O sol detox
se infiltra em meus poros,
sinto que ele se integra ao meu ser,
se conecta com as minhas ondas,
passeia por minhas frequências
e, por um instante,
me sinto brilhante…

 

 

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Lunna Guedes

BEDA / Scenarium / Crianças*

Fim de tarde, o rabo do sol se escondia por entre as árvores, criando sombras e formas inusitadas. Passávamos o final de semana no sul de Minas, região em que as linhas retas não compareciam no cenário, a não ser pelas linhas do chalé e por furtivos fachos de luz por entre os montes, feito show de rock. Eu e um grupo de amigos, decidimos ficar nesse recanto afastado para um contato mais íntimo com a Natureza. Acendemos o fogo da lareira e quatro lampiões e saímos para caminhar um pouco até uma pedra mais elevada para ver o entardecer, 250 metros acima.

Passados uns 20 minutos, a escuridão baixou quase que instantaneamente. Ficamos cegos, a não ser pela luzinha vinda do cabana, como se fosse uma estrela fora do céu. Por iniciativa aprovada por todos, havíamos deixado os celulares na cabana. Percebemos que não havia sido uma boa decisão. Quisemos ser naturalistas sem saber que a Natureza tem regras que fogem ao conhecimento de gente da cidade.

Fora tudo tão repentino que de início não nos demos conta de que estávamos num mato sem cachorro. Brincamos com negrume do ambiente e sobre a possibilidade de começarmos a sentir o toque de bichos estranhos a envolverem nossos corpos. Para não passar a sensação de que estivéssemos perdidos, decidimos nos sentar no vazio até encontrarmos o chão. Agora estáveis, começamos a especular sobre o que faríamos.

Éramos como crianças sem pai nem mãe. O frio começou a aumentar de uma hora para outra e a ansiedade pouco a pouco surgiu, evidenciado pelo tom de voz cada vez mais alterado. Seis adultos  ̶  três casais  ̶  perdidos no nada, indecisos se deviam ou não empreender a jornada de volta, curta mas perigosa pela irregularidade do caminho. Até vermos uma luz bruxuleante saindo do chalé e vindo em nossa direção.

̶  Aqui, aqui, aqui!  ̶  gritamos todos.

Era Ricardo, o filho de sete anos do Arnaldo, que ficara na cabana, brincando. Ao escurecer, o menino deve ter percebido que demorávamos e quis nos encontrar com a bravura que toda criança tem e falta a muitos adultos. Empunhava um dos lampiões e caminhava resoluto. Arnaldo e Tatá, com a aproximação do filho, foram abraçá-lo. O resto de nós, pulamos feito seus companheiros de escolinha. Nós nos achegamos uns aos outros o suficiente para que o lampião erguido por Arnaldo nos cobrisse de luz amarela. Nesse instante, pude perceber o quanto estava apaixonado por Clara, com as linhas do rosto fracamente esmaecidas sob o caminho de estrelas.   

*Texto produzido por ocasião do Curso de Narrativas Na Primeira Pessoa, por Lunna Guedes.

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Lunna Guedes

BEDA / Scenarium / Eu Amo Você!

Muro 1

                      

Eu prefiro o toque…
Mas eis que o tato
é o mais vetado dos sentidos…
Eu prefiro a boca…
para falar, também…
Quando podemos ser mal
(ou bem) interpretados…
Eu prefiro que bailemos juntos –
uma dança proibida
por doutrinas
que preferem corpos em desunião…
Eu prefiro amar…
E escrever…
E escrever sobre o amor,
ainda que desdenhem da paixão
pela palavra…
Contudo,
depois que o mundo acabar,
e o amor se for conosco,
resistirá escrito no muro,
em algum lugar da cidade:
EU AMO VOCÊ!

                           

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Lunna Guedes

BEDA / Scenarium / O Navio*

Foto por Miguel u00c1. Padriu00f1u00e1n em Pexels.com

Minha família viveu no Largo do Arouche, centro de São Paulo, até os meus cinco anos de idade. Do apartamento no Edifício Coliseu, apenas me lembro do corredor onde pedalava meu carrinho de metal com uma estrela no capô e da entrada do apartamento. Um amplo sofá boia solto na minha memória real, além dos fantasmas com os quais convivia em minhas aventuras soldado do Exército. Parece que desde então vivia a sonhar que voava, o que quase aconteceu por pouco quando ascendi ao parapeito da janela do décimo segundo andar. Fui impedido por meu avô, que me agarrou a tempo.

Minhas lembranças da infância mais presentes estão vinculadas ao qual chamávamos de porão, abaixo da imensa casa do meu Tio José, que empregou meus pais na fábrica de autopeças. Eu dormia junto à janela que dava para a garagem da casa e sua forma arredondada era parecida com as dos navios dos filmes que assistia. Logo, aquele canto se tornou ao mesmo tempo minha cabine e tombadilho de onde conduzia minha cama-barco-de-armar mar adentro, enfrentando tempestades, raios e trovões para levá-lo a salvo até a ilha-cozinha, onde me sentia confortável em ver minha mãe preparar a comida. Adorava vê-la encher a mamadeira de café com leite, a qual tomei até os seis anos, pelo menos, pela manhã.

Era recorrente eu desenhar o navio que me conduzia meninice a frente. Em terra firme, na Vila Esperança aprendi a jogar bolinha de gude, empinar pipa, jogar futebol. Também aprendi as primeiras letras, desenhadas no caderno de brochura, sem obedecer às linhas laterais. O que começava em uma página, terminava na outra. Fiz por iniciativa própria e quando mostrei à professorinha da escola infantil, me lembro dela chorar como se eu tivesse cometido uma imensa travessura… Ganhei um beijo estalado no rosto. Talvez, tenha sido ali que tenha desistido de ser marinheiro ao perceber que um barquinho de papel me levaria bem mais longe…

*Texto produzido por ocasião do Curso Narrativas Na Primeira Pessoa, da Lunna Guedes.

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Lunna Guedes

BEDA / Scenarium / Furacão

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Foto por Ray Bilcliff em Pexels.com

Eu,
que sempre quis ser brisa tépida,
remanso em paisagem cálida,
surpreendo-me
por querer transpor obstáculos –
casas,
cercas,
muros
e árvores –
com a violência de um furacão…
Quero-me assenhorar das paragens,
invadir os campos cultivados,
arrancar as ramas pela raiz,
revolver a terra molhada
com a força
de meu arado alado,
a semear com o meu falo
o chão revolto
e plantar a minha descendência
de ventania

no coração da amada…

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