
Minha família viveu no Largo do Arouche, centro de São Paulo, até os meus cinco anos de idade. Do apartamento no Edifício Coliseu, apenas me lembro do corredor onde pedalava meu carrinho de metal com uma estrela no capô e da entrada do apartamento. Um amplo sofá boia solto na minha memória real, além dos fantasmas com os quais convivia em minhas aventuras soldado do Exército. Parece que desde então vivia a sonhar que voava, o que quase aconteceu por pouco quando ascendi ao parapeito da janela do décimo segundo andar. Fui impedido por meu avô, que me agarrou a tempo.
Minhas lembranças da infância mais presentes estão vinculadas ao qual chamávamos de porão, abaixo da imensa casa do meu Tio José, que empregou meus pais na fábrica de autopeças. Eu dormia junto à janela que dava para a garagem da casa e sua forma arredondada era parecida com as dos navios dos filmes que assistia. Logo, aquele canto se tornou ao mesmo tempo minha cabine e tombadilho de onde conduzia minha cama-barco-de-armar mar adentro, enfrentando tempestades, raios e trovões para levá-lo a salvo até a ilha-cozinha, onde me sentia confortável em ver minha mãe preparar a comida. Adorava vê-la encher a mamadeira de café com leite, a qual tomei até os seis anos, pelo menos, pela manhã.
Era recorrente eu desenhar o navio que me conduzia meninice a frente. Em terra firme, na Vila Esperança aprendi a jogar bolinha de gude, empinar pipa, jogar futebol. Também aprendi as primeiras letras, desenhadas no caderno de brochura, sem obedecer às linhas laterais. O que começava em uma página, terminava na outra. Fiz por iniciativa própria e quando mostrei à professorinha da escola infantil, me lembro dela chorar como se eu tivesse cometido uma imensa travessura… Ganhei um beijo estalado no rosto. Talvez, tenha sido ali que tenha desistido de ser marinheiro ao perceber que um barquinho de papel me levaria bem mais longe…
*Texto produzido por ocasião do Curso Narrativas Na Primeira Pessoa, da Lunna Guedes.
B.E.D.A. — Blog Every Day August
Adriana Aneli — Claudia Leonardi — Darlene Regina — Mariana Gouveia —
Que belo texto! Viajar pela memória é retornar sempre a casa em que fomos felizes não é mesmo?
Eu era feliz apesar das dificuldades. Aliás, muitas vezes, por causa delas.
Com certeza Obdúlio. Aliás, as dificuldades são especiarias que tornam a vida mais saborosa. Imagine se tudo fosse um mar de rosas e tivéssemos uma vida linear, sem curvas nem derrapadas. Aff, seria um tédio! kkkkk
Que nunca falte o papel para o barco… Bela memória.
Que nunca falte com o que preencher de palavras o barco de papel…