Teia Negra

Teia Negra

Aconteceu à tarde, quase rubro anoitecer…
Dourada, a aranha passou sem se deter,
atrasada que estava, para tecer
a cama escura para o sol adormecer…

Amor Na Feira

Amor Na Feira

Ao vê-lo, logo demonstrou interesse. O seu corpo passou a reverberar a atração, vibrando das pontas dos pés à ponta do nariz. Ele, mais contido, permaneceu estático, mas com o olhar fixo de quem vira a expressão mais excelsa da beleza. Foi amor à primeira vista. Passado o primeiro momento do encontro, ela buscou acariciá-lo. Mais um instante, saíram correndo entre as gentes, contentes com a presença um do outro, alheios aos afazeres prosaicos dos humanos. Foram e voltaram algumas vezes, sempre atentos aos movimentos de seus amigos cuidadores. Mais um pouco, ao chamado destes, se despediram, a se olharem com as cabeças voltadas para os extremos da rua que se alongava cada vez mais. Na próxima terça, dia de feira, talvez voltem a se encontrar…

Sobre Platão E Gengibre

Platão

Segundo a teoria platônica, as formas (ou ideias), que são abstratas, não materiais (mas substanciais), eternas e imutáveis, é que seriam dotadas do maior grau de realidade – e não o mundo material, mutável, conhecido por nós através das sensações.

Colhemos gengibre. Lavados, um dos pedaços, a depender da posição que o colocava, ora parecia ser um cachorro, brincando com algo entre suas patas; ora, um cavalinho trotando campo a fora. Pode ser a minha imaginação exacerbada, porém talvez seja um bom exemplo de como podemos distorcer algo que vemos, ouvimos ou sentimos. Afinal, o certo mesmo é que se trata, apenas, de gengibre. Nesse caso, alguns gostam muito, outros, não gostam nenhum um pouco. E gosto, não se discute, já que as sensações são eminentemente pessoais e intransferíveis.

Contudo, há aqueles que gostam de impor seu gosto como padrão, entre todos os demais gostos. Mas essa é outra história, com efeitos que vão desde relacionamentos a preferências político-ideológicas. Pessoalmente, eu não apreciava gengibre. Assim como não gostava de comida japonesa, por puro preconceito – não conhecia e não queria conhecer. Até que “abri o meu coração” ao sabor, textura, aparência e todos os demais detalhes que me levaram a me tornar um fã incondicional. Hoje, consumo o gengibre e me afeiçoei a sua ardência em chás, em pequenas postas e da forma que mais vier a aparecer. Diria que essa raiz termogênica e picante é quase como se apaixonar – queima e vicia.

Os Meninos E A Bola*

Futebol

Campos vazios, agora.

Minutos antes, os meninos que nós fomos, corremos atrás da bola de futebol ̶ a disputamos em divididas; a passamos para os companheiros do nosso time; a perdemos para o time oponente; a chutamos para a meta adversária; nos defendemos de seu avanço contra a nossa meta; a saudamos pelos gols feitos por nós; a amaldiçoamos por vê-la ultrapassar por nossos defensores; a rejeitamos por surpreendê-la dócil aos pés de outro amante; a desejamos cada vez mais a cada rejeição… Ao sairmos do campo, deixamos os meninos que nós fomos para trás e nos encontramos crescidos  ̶  jogo ganho ou perdido.

Voltaremos para as nossas casas, para as nossas mulheres, para os nossos filhos, para os nossos afazeres, à espera do futuro em que seremos meninos, novamente…

* Texto de 2015, quando ainda jogava futebol com os companheiros. Hoje, só em sonho…