Transitório Permanente

O texto a seguir foi escrito em 2013 e postado no Facebook. Era um flagrante da divisão do País, inventada ou apenas constatada e, então, posta em evidência para a obtenção de frutos eleitorais e que começava a mostrar seus horrendos dentes infectados de veneno. O incrível é que vivemos um momento parecido, mas com sinais trocados. É como se a mesma personagem – a nação brasileira – tivesse feito um movimento oposto ao que professava e as nossas mazelas materiais, disparidades estruturais e desequilíbrio socioeconômico tenha criado um caldo de cultura propício ao desenvolvimento de certa esquizofrenia social.

“Todos aqueles que me acompanham, já devem ter percebido que posto escritos e fotos que tentam relatar o que chamo de ‘transitório permanente’. Se há algo que seja flagrantemente permanente é o transitório. Da corrente do transitório é bem possível colhermos o que seja representativo do eterno, na visão de muita gente. São aqueles instantâneos com os quais se identificam – alguns, porque calam fundo n’alma, por terem vivenciado algo semelhante ou por ser de alguma forma belo ou porque sinta ser real. No entanto, nem tudo que parece ser real é bonito ou seja realmente real.

Tenho amigos que construíram um mundo baseado em instantes bonitos, ideais e idealizados. Por eles, sinto uma profunda empatia, conquanto os sinta totalmente enganados, na minha visão, que poderá estar igualmente enganada. Esse sentimento se deve ao fato de ter vivenciado a mesma ilusão, em que me recusava a ver o que estava patente. O acontecimento se demonstrava por si mesmo e eu transportava a minha miopia física para a mental. Tentava sempre encontrar uma explicação viável para a circunstância. Subvertia a realidade a favor do que eu acreditava.

A Lei da Gravidade era refutada, a formalidade do movimento dos corpos celestes não existia e o homem não era filho do homem. Nessas ocasiões, quem estivesse contra o que eu acreditasse não era apenas alguém de opinião diversa. Era um opositor que não queria o bem da humanidade – um representante do mal. Tudo o que fosse falado contra a minha idealização era eivado de malícia, sem merecimento de qualquer consideração. Como os eventos não se coadunavam com o regramento do que fosse correto, as regras perdiam a validade. 

Por ter vivido essa fase, busco sempre me colocar no lugar de quem acredita em determinada situação que, a olhos vistos, não é real. Novamente, repito que posso estar iludido. Como estamos todos nós ao nos atermos ao que seja passageiro, se fiando no Passado como se fosse o Presente, crendo em um Futuro melhor sem trabalhar para isso atualmente. Prefiro crer que seja ledo engano e não, pura e simplesmente, má intenção ou, mais extensivamente, mau-caratismo.”

Há algum tempo, decidi trilhar o caminho do meio (não confundir com o centro), buscando equilibrar a avalanche de informações mascaradas de conhecimento. Percebo nossos cidadãos transitarem em zonas mal definidas que ora flertam com os radicalismos de esquerda, ora de direita. Ambos apresentam o traço comum de acolherem com alegria soluções em que a individualidade e a diversidade devam ser suprimidas em nome do bem comum. Quando um lado ou outro alega defender determinada causa, se nota a manipulação circunstancial operada por engenheiros de projetos hegemônicos. A Democracia se torna apenas um meio para isso, tornando-se ao longo do percurso, inconveniente.

Atualmente, é de minha opinião que mostramos nossa face mais pérfida. Somos um povo que celebra o mau-caratismo como se fosse esperteza heroica. Na versão atualizada,  agora que a Terra é plana, mudamos de Salvador da Pátria e decrescemos em qualidade idealizadora, se fosse possível adjetivar dessa maneira. Antes, sonhávamos com a busca de igualdade, ainda que sem lastro na realidade, o que, mais cedo ou mais tarde, se transforma em pesadelo ou sonho mal acabado, depondo contra si mesmo. Agora, elegemos celebrar a diferença meritória baseada na injustiça e reforçamos os mecanismos de desigualdade que sempre foi a base de nossa pobre identidade. Formamos um triste País…

 

Nossos Terroristas

CongressoAbertura-EunicioOliveira-RodrigoMaia-EliseuPadilha-CarmemLucia-05fev2018-FotoSergioLima.
Congresso Nacional
 
Não necessitamos de homens-bombas….
Temos homens-barcos que afundam.
Temos homens-carros que atropelam.
Temos homens-metrô que desviam.
Temos homens-ônibus que carregam
gente viva como carga-morta.
Temos homens-fuzil que matam
crianças-alvos perdidas.
Temos homens-drogas que viciam
nossos jovens para aumentar o mercado consumidor.
Temos homens-igreja-vendilhões-do-templo.
Temos partidos que re-partem
os corações das pessoas
para poder melhor dominá-las.
Temos homens-câmaras que escondem.
Temos homens-congressistas que surrupiam.
Temos homens-governantes que desconstroem.
Temos homens-juízes que toleram o mal.
Temos homens-malas que inundam de lamaçal
nossos lares.
Temos homens-golpes aos pares
a substituir homens-mulheres-salvadores-da-pátria
de um povo deseducado
e sem juízo.
Somos nós mesmos,
homens-mulheres-bombas descompassados
sem passado,
sem presente,
a explodir nosso futuro.
 

Chegou À Praia (02/09/2015)

Praia

Chegou à praia…
a esperança, os sonhos, o futuro…
Chegou à praia, jogado à areia,
as ondas a lamber suavemente
a cabeça da criança –
a Mãe-Terra a acarinhar
o seu pequeno filho…

Chegou à praia, Pinóquio,
que foi buscar Gepeto na barriga da baleia…
Sendo boneco de madeira, não morreu…
Representou apenas um conto de fadas,
enquanto lágrimas
banhavam seu corpo…
Ao assistir a cena, parece vivo
e ainda espero que se levante…
Porém, jamais o fará…

Chegamos à praia…
Todos nós…
Todos os nós de marinheiro
ao mesmo tempo urdidos
e embaraçados…
Quando os desataremos?

Chegou à praia, a ilusão
de que exista um mundo melhor do outro lado…
No entanto, o menino conheceu Deus,
que sem coragem, não é dado vê-lo…

A Esfinge

Exposta às intempéries – à luz, à câmera, aos desejosos olhares –
passam todos por sua superfície,
essência que se esconde,
ao se mostrar em pele…
Corpo de mulher, cabeça de azul – esse ser-etéreo-cor –
proclama a antiga máxima, apenas por tradição:
“Decifra-me ou lhe devoro!”
Pois que não deixa de devorar, a quem-qualquer se lhe aproxima –
o pensamento e a atenção – tensão
que não se basta.
Antes, se abastece da atração – se desbasta
de adoradores que se entregam, de bom grado,
à sua devoção-devotamento…

A Esfinge ora a que deus, se ora?
A oratória é de quem quer ser,
mais do que a qualquer divindade – adorada.
De hora em hora, são miríades – mulheres, homens e anjos-de-asas-sem-penas –
entidades-sem-sexo a penarem
por seu olhar-de-terra-à-vista do primeiro astronauta:
“por mais distante,
o errante navegante –
quem jamais te esqueceria?

Eu-o-observador, creio que seu segredo está em não ser decifrada –
A Esfinge –
mas ser aceita em sua complexidade-de-mulher-que-finge
ser quem não é, por profissão
de fé e paixão.
Que esse fingimento é sua essência-de-jogo-de-espelhos que se alheia
e se mistura às gentes, que as consumem por dentro,
enquanto sua beleza de Alien simbiótica-mística-quântica
a reproduzir sua imagem em cada íris de quantos-olhos-outros,
muitos, embarcados em existires sem nexo.
Por que o faz, se mata de amor aos seus hospedeiros e se deixa morrer?
Sua natureza esfíngica explica…
E nada revela!

https://www.youtube.com/watch?v=mWWIi65O5dg

Vidas

6 - VIDAS
Meio século de separação

Em minha vida, vivi muitas vidas… E morri, outras tantas vezes… E não é incomum, mesmo tento a idade que tenho, viver todas as minhas idades ao mesmo tempo. Em muitas ocasiões, eu tenho que tomar cuidado para que o homem maduro não venha a retroagir cinquenta anos e se veja desamparado diante de algumas situações, como se novas fossem. Em contrapartida, acontecimentos que me surpreenderiam pelo ineditismo assumem feições de déjà-vu, como se ouvisse um disco arranhado.

Diante dessas sensações, o nome que assumo – Obdulio – carrega um traço em comum – a saudade – tanto do que passou, quanto de um futuro irrealizado. Entre o menino sorridente que brincava na praça e aquele que se vê no espelho, fotografado por um moderno aparelho de (in)comunicação, se passaram cinquenta anos pela face do homem. O corpo se modificou tantas vezes – cresceu, engordou, emagreceu, adoeceu – enfim, sofreu as intempéries físicas e mentais a que somos submetidos ao nos vestirmos de uma identidade humana.

Ainda que as alternativas não vividas prometessem múltiplas e promissoras perspectivas, eu me sinto muito bem com que se passou comigo. Seria injusto com quem compartilhou da minha vida (e comigo mesmo) que viesse a repudiar tudo o que vivi até hoje. Aprendi a estipular as minhas vivências como únicas e valorosas. O que sofri, sinto que foi para o meu bem.

Contudo, o sofrimento de quem amo me é mais pesado do que se acontecesse comigo. Assim como não me sinto totalmente feliz diante das duras provas pelas quais passam tantas pessoas em minha volta, no meu bairro, na minha cidade, país e planeta. Mesmo assim, me sinto grato pelo papel que assumi como se fosse uma dádiva oferecida a mim pelo Diretor que dirige este incrível espetáculo universal no qual todos nós nos apresentamos.