BEDA / Quando Os Ponteiros Desapontam

Vivemos pelos ponteiros do relógio…
Ainda que sejam digitais,
aparelhos nos apontam o tempo
que com suas digitais
marcam a nossa pele.
Eu não vivo aqui.
Vivo agora.
O marcador do tempo determina o valor?
Se durou pouco, é paixão?
Se perdura, é amor?
Sabemos quanto mais tempo dura,
maior a chance de frustração.
Amantes em série preferem o momento
violento e fugaz
ao gostar longo e em paz…
Amar deveria permitir
se apaixonar pela mesma pessoa, sempre.
E estar permanentemente apaixonado
pelo ato de amar.
Cinco, quinze, trinta anos…
Creio que possamos amar apaixonadamente
as diversas pessoas que são a mesma pessoa
numa única relação,
que é única por ser preciosa.
Se for outro o caminho,
que ao final de tudo,
não falte, ao menos, carinho…

Lunna Guedes / Claudia Leonardi / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Alê Helga / Adriana Aneli

BEDA / Cinza

O acinzentado, em 2014, com as queridas Frida (direita), Domitila (centro) e Penélope (comigo)

Estou recebendo muito bem as tonalidades do cinza em meu corpo. Corpo que, um dia, em cinzas se converterá. Que tenha força e saúde para acolher plenamente os dias brancos! Em meu TCC do curso de Educação Física, que iniciei já acinzentado e terminei no ano passado, depois de passar por uma fase de saúde acidentada, utilizo os dados do levantamento do IBGE, que estipula que a expectativa média de vida do brasileiro gira em torno dos 75 anos.

Intitulei o trabalho de “Atividade física na terceira idade”. Nele, coloco de forma arbitrária que, ao dividir o total de 75 por 3, teríamos cada uma das chamadas “idades” com 25 anos. A primeira iria até esse limite, a segunda até os 50 anos e, partir daí, chega-se à terceira idade. Eu estaria, portanto, com os meus atuais 52 anos, nessa última faixa.

Brinco sempre que coloco esse número no espelho e me vejo com 25. Alguns estudos, no entanto, elevam o limite do início da terceira idade para os 60 anos, visto que as referências quanto à saúde física e mental, incluindo os diversos aspectos envolvidos, tem evoluído para a constatação para o fato de que, antigamente, as condições que nos colocariam de pijama, sentados “no trono de um apartamento, com a boca escancarada, cheia de dentes, esperando a morte chegar”, mudaram bastante neste século, a ponto de confundir os limites estáticos para a determinação de quem é (está) jovem e quem é (está) velho.

Lembro-me que, quando garoto, tentava imaginar como eu estaria já um velho, na passagem do século XX para o XXI, com 38 anos de idade. Ao chegar aos 38 anos, tanto quanto hoje em dia, vivo em contínua perplexidade por me considerar imaturo para as coisas da vida. Sinto-me em estado de constante aprendizagem. Continuo curioso e procuro viver um dia de cada vida, sabendo que “tudo agora mesmo pode estar por um segundo”.

Senti na carne a sensação de morte se avizinhando diversas vezes, mas tomei para mim a resolução de me ocupar realmente com a vida, sem me “pré-ocupar” com a morte, que considero apenas uma inexorável passagem para o novo. Em meu trabalho de TCC, tomei a liberdade de colocar o subtítulo de “Renascer antes de morrer”, já que procuro defender que, ao tomar consciência do nosso corpo, pondo-o em movimento, podemos evoluir para uma velhice plena de nós mesmos. Esforço-me em utilizar em mim os pressupostos que defendo, mas não digo que seja tão fácil. Tanto quanto chegar à Utopia, o País perfeito, que em grego significa “o lugar que não existe”, posso somente prometer que vou morrer tentando alcançar o objetivo que preconizei.

*Texto de 2014 que participa do livro de crônicas REALidade, lançado pela Scenarium Plural – Livros Artesanais em 2016.

Lunna Guedes / Claudia Leonardi / Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Alê Helga / Adriana Aneli

BEDA / Tempestade E Bonança

As cachorras estão dentro da morada
Lá fora, a chuva cai forte e constante
Elas se deitam pelo chão refrescante
Da sala, da cozinha, em frente à escada

O outono se faz presente e atuante
Deita as folhas secas pelo quintal à fora
Sinto que não preciso de nada, agora
A não ser que o tempo pare de ir avante…

Nada como um minuto após o outro…
Cessada a chuva, abriu-se a paisagem clara
O sol a descortinar a sua luz de ouro
Comprovou que o tempo não para…

Mariana Gouveia / Lunna Guedes / Alê Helga / Roseli Pedroso /
Darlene regina / Adriana Aneli / Claudia Leonardi /

BEDA / Varejão*

Domingo, na minha região, é dia de Varejão — uma feira de proporções aumentadas, talvez duas ou três vezes maior que uma feira comum. É uma feira popular, a qual não gosto de frequentar. Não porque seja popular, mas porque não ache que seja tão compensatória em termos de preço, lotada demais e, principalmente, por sua desorganização… Ou, melhor dizendo, por sua organização peculiar, mormente devido a uma característica do brasileiro — o seu caminhar “criativo”. Adivinho que seja porque as pessoas, ainda que estejam em público, agem como se estivessem em casa, sozinhas.

Talvez por uma compensação do meu pensamento errante, sou uma pessoa com características cartesianas em minha mecânica de atuação no mundo. Para mim, fica quase impossível adivinhar para onde vai cada um que passa por mim, visto que as mudanças de direção são imprevisíveis, tanto de quem vem pela frente, quanto de quem vem por trás… ou de um lado e de outro… É comum ter que parar algumas vezes até perceber que sentido seguem aqueles que vêm ou que vão.

No entanto, hoje tive que passar por perto para comprar remédios na farmácia para nós, humanos, e para os bichinhos, na Dinossauro (loja de produtos para animais). Sofri um tanto para percorrer algumas dezenas de metros, porém colhi, em meio ao burburinho, uma frase dita por um dos transeuntes: “Amanhã, se eu ganhar, já ‘recebo’ na hora”… Para além do erro do tempo verbal, percebi outra característica típica do brasileiro — a de viver de esperança. Mesmo quando não sabe ao certo se ganhará (no jogo?, no trabalho?), já supõe que receberá (“recebe”) no mesmo instante.

Sem esperança, o brasileiro não sobreviveria. É um ser que não consegue perceber que o futuro se faz no presente. Assim como o nosso presente foi construído no passado. O que me leva a versar sobre outra característica que me impede de frequentar o Varejão de rua de domingo: a “Feirinha do Rolo”, um apêndice daquela. Ela se estende por, pelo menos, um quilômetro na transversal. Esse tipo de comércio de escambo já existe há algum tempo, mas há uns dois anos tem se tornado cada vez mais robusta. Nela, são comercializados produtos usados, muitos de origem duvidosa. Outros, são objetos que as pessoas têm em casa e vendem para conseguir alguma grana em uma época de precariedade — televisores, rádios, pequenos móveis, panelas, roupas, etc.

Fico a conjecturar… Este é o futuro que estamos construindo para o nosso País?


*Texto de 2016. Constante de REALidade, lançado no mesmo ano, pela Scenarium Plural — Livros Artesanais. Hoje, a Feirinha do Rolo mudou de lugar e espichou o rabo, talvez mais uns quinhentos metros… Logo, como a situação econômica está a piorar, esse monstro tenderá a nos engolir…

Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Mariana Gouveia
/ Adriana Aneli / Alê Helga / Claudia Leonardi

BEDA / A Decaída

Flor solta de um ramalhete,
cortada de sua origem,
a trouxe para casa
e a pus em um pequeno vaso
com água…

Ainda que fosse por alguns dias,
a bela decaída passeou
ressurgida
o seu poder sedutor
por meus recintos…

Antes de juntar os seus átomos
decompostos
aos outros que pairam no ar,
a pus para ver o sol decair.

Pode perceber que tudo ao nosso redor
nasce, vive, se transforma
e completa o seu ciclo…

A flor,
sem ressentimentos,
cumpriu o seu destino:
a de inspirar e morrer…

Alê Helga / Roseli Pedroso / Claudia Leonardi / Lunna Guedes
/ Adriana Aneli / Mariana Gouveia