BEDA / Varejão*

Domingo, na minha região, é dia de Varejão — uma feira de proporções aumentadas, talvez duas ou três vezes maior que uma feira comum. É uma feira popular, a qual não gosto de frequentar. Não porque seja popular, mas porque não ache que seja tão compensatória em termos de preço, lotada demais e, principalmente, por sua desorganização… Ou, melhor dizendo, por sua organização peculiar, mormente devido a uma característica do brasileiro — o seu caminhar “criativo”. Adivinho que seja porque as pessoas, ainda que estejam em público, agem como se estivessem em casa, sozinhas.

Talvez por uma compensação do meu pensamento errante, sou uma pessoa com características cartesianas em minha mecânica de atuação no mundo. Para mim, fica quase impossível adivinhar para onde vai cada um que passa por mim, visto que as mudanças de direção são imprevisíveis, tanto de quem vem pela frente, quanto de quem vem por trás… ou de um lado e de outro… É comum ter que parar algumas vezes até perceber que sentido seguem aqueles que vêm ou que vão.

No entanto, hoje tive que passar por perto para comprar remédios na farmácia para nós, humanos, e para os bichinhos, na Dinossauro (loja de produtos para animais). Sofri um tanto para percorrer algumas dezenas de metros, porém colhi, em meio ao burburinho, uma frase dita por um dos transeuntes: “Amanhã, se eu ganhar, já ‘recebo’ na hora”… Para além do erro do tempo verbal, percebi outra característica típica do brasileiro — a de viver de esperança. Mesmo quando não sabe ao certo se ganhará (no jogo?, no trabalho?), já supõe que receberá (“recebe”) no mesmo instante.

Sem esperança, o brasileiro não sobreviveria. É um ser que não consegue perceber que o futuro se faz no presente. Assim como o nosso presente foi construído no passado. O que me leva a versar sobre outra característica que me impede de frequentar o Varejão de rua de domingo: a “Feirinha do Rolo”, um apêndice daquela. Ela se estende por, pelo menos, um quilômetro na transversal. Esse tipo de comércio de escambo já existe há algum tempo, mas há uns dois anos tem se tornado cada vez mais robusta. Nela, são comercializados produtos usados, muitos de origem duvidosa. Outros, são objetos que as pessoas têm em casa e vendem para conseguir alguma grana em uma época de precariedade — televisores, rádios, pequenos móveis, panelas, roupas, etc.

Fico a conjecturar… Este é o futuro que estamos construindo para o nosso País?


*Texto de 2016. Constante de REALidade, lançado no mesmo ano, pela Scenarium Plural — Livros Artesanais. Hoje, a Feirinha do Rolo mudou de lugar e espichou o rabo, talvez mais uns quinhentos metros… Logo, como a situação econômica está a piorar, esse monstro tenderá a nos engolir…

Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Mariana Gouveia
/ Adriana Aneli / Alê Helga / Claudia Leonardi

8 thoughts on “BEDA / Varejão*

  1. Realmente, não dá pra saber o que nos aguarda nesses tempos tão loucos. Uma ida à feira acaba mostrando muito da nossa frase especial nesses tempos: “brasileiro nunca desiste”.

  2. Feirinha só gosto daquelas de artesanato, mas, hoje em dia existem pouquíssima…Lotada demais?! Antes da pandemia não gostava de lugares aglomerados agora então…
    Meu querido Obduliono sem esperança como sobreviver???
    Abraços

    1. Ale, não é fácil, mas sobrevivo. Por várias circunstâncias que ocorreram em minha vida, busco viver um dia de cada vez. No presente. Abraço apertado!

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