Imagens Dispersas de 2012

Na mesma época, há dez anos, fui à cidade da Tânia. Como então, a família pôde passar a semana no interior do Rio de Janeiro, no distrito de Arrozal, Piraí, junto à Dona Floripes. Ela está com a saúde claudicante e quisemos ficar perto dela por alguns dias. Lembro-me da primeira vez que fui à cidade, acho que em 1988 ou 1989, antes de casarmos. Cheguei de ônibus na Praça São João Baptista e caminhei os cerca de 500 metros que me separava da casa da família Oliveira, na expectativa de que me recebessem de forma acolhedora. E foi o que aconteceu. O seu Neneco, o pai e seu Dindinho, o avô, eram vivos. Pude perceber ao longo dos anos que ainda que não estivessem fisicamente mais presentes, é como se nunca tivessem partido. A casa foi construída aos poucos pelos dois, tijolo por tijolo, com improvisações criativas que a precariedade estimula, marcando as suas passagens no Tempo materialmente. Aqui, coloco a reportagem, com imagens, dessa ocasião em que a minha família usufruiu da hospitalidade arrozalense.

“Imagem da família Ortega, junto com a Dona Floripes, mãe da Tânia, e avó das meninas — Romy, Ingrid, e Lívia — no dia 24 de dezembro de 2012

À época, escrevi:
“O ano de 2012 se esvai entre os dedos como a fina areia da ampulheta do Tempo que marca a nossa existência. É muito estranho que muitas ocasiões só consigamos materializar através de referências externas, como fotos, por exemplo. Essas imagens, no entanto, apenas indicam as possibilidades de emoções e sentimentos de quem vivencia a experiência. Estas últimas que estou postando já fazem parte do Passado e o que tento (sempre tentamos) é torná-la eternamente presente. Adeus 2012!”

Estive de volta à cidade há alguns dias, agora, em 2022. Ano após ano, estas portas continuaram fechadas ao meu olhar curioso, enquanto o tempo ia deixando os seus sinais sobrepostos…
O 27 de dezembro de 2012 foi um dia de calor infernal. Tomamos caminhos estranhos, na busca de um local para refrescar nossos corpos suados”.
Uma alma piedosa, amiga de juventude da Tânia, permitiu que um grupo de paulistanos pudesse se refrescar em sua piscina. O que salvou a nossa vida…
“Esse cãozinho, alheio à idade da pedra em que pisa, chamou a minha atenção por sua esperteza. Quando o grupo voltava para a casa, ele tomava o caminho mais reto, enquanto os seus cuidadores ziguezagueavam, assolados por suas decisões inconstantes. Há de se ter muita paciência com esses humanos!”
Praça São Jão Baptista, onde pássaros e crianças (que jogavam bola do lado da igreja), assumiam a sonoplastia do dia…”
“Voltamos para casa com o Sol sempre no horizonte à oeste. Antes de se deitar completamente, o fotografei na altura de Itaquaquecetuba“.

A Revelação*

Os misteriosos caminhos da Sabedoria são normalmente tortuosos. Não é por outro motivo que a maioria das pessoas prefira permanecer no caminho reto da ignorância. Além do que, não são poucas as ocasiões em que a ignorância demonstra ser uma benção…

Por que saber demais se, ao final de tudo, acabamos por descobrir que quase nada sabemos? Enquanto isso, na busca da Sabedoria, o homem “inventa” a roda e a pólvora, atravessa os mares e funda civilizações, desenvolve a comunicação e se isola com seus “telefones espertos”, cura doenças e descobre como matar eficientemente…

Vez ou outra, nos deparamos com a ilusória sensação da onisciência ou o real ônus da Ciência… e com revelações, como esta que vi na parte detrás de um banco de ônibus. Não sei se pela urgência em escrever ou pela trepidação comum à nossas ruas irregulares, ela me parece quase indecifrável na parte final. Gostaria que alguém me ajudasse a desvendar: “O mal do homem é sempre agir…”?…

*Neste texto de 2015, postado no Facebook, a resposta mais plausível tem a ver com uma frase mais longa. Foi dada pelo companheiro escritor-poeta Joaquim Antônio: “Se conselho fosse bom, não se dava, vendia. O mal do homem é viver na judaria”. Nesse caso, seria agir como Judas Iscariotes, apóstolo traidor de Jesus. O que é incrível é que esse discípulo apenas estava cumprindo as linhas traçadas antes. Alguns defendem que ele queria que O Nazareno usasse seu poder para expulsar os Romanos da Judéia, ou seja, seria uma ação política. De qualquer maneira, passados mais de dois mil anos, os impérios surgem, erguem-se e desaparecem e os vendilhões do Templo-Terra negociam tudo no balcão de negócios – conselhos, florestas, solos, mares e espaço – não apenas por trinta Talentos, mas por qualquer quantia.

Desvarios Vários E Variados

Lunna, cara mia,

sou daqueles que também envida esforços tremendos para manter a mente no Presente. Porém, tenho plena consciência de que o Passado nos atravessa hoje paralelamente ao agora, assim como o Futuro se mostra evidente neste momento que estamos vivendo. Como somos analfabetos na sua língua, mal conseguimos ler o que se apresenta evidente e que apenas logo mais ficará claro. Como observador da vida, é verdade que acerto muitas vezes o que ocorrerá, porque quando colocamos em movimentos certas forças, como num jogo de xadrez, quase inevitavelmente os resultados se apresentam após as peças ocuparem as suas posições. Mas isso não me traz satisfação. Ao contrário, já que temos jogadores de má índole em profusão. São manipuladores de todas as ordens que jogam sujo para obterem vitórias à custa de muito sofrimento.

Nós costumamos comemorar datas marcadas no Calendário nas quais as pessoas pautam as suas vidas. Seguem as festividades sinalizadas na folhinha sem saberem exatamente a razão dessas comemorações. Muitas carregam um simbolismo poderoso, ainda visíveis atualmente. Outras, tiveram seus significados desvirtuados e, mesmo assim, costumam-se soltar fogos em nome de abstrações. Conversamos na última ocasião que estivemos juntos que o dia de hoje me causava assombro quando garoto porque não entendia a intenção de ser saudado como o do nascimento do menino Jesus – sete dias antes do primeiro dia do ano – já que por ele o Calendário se iniciava. Até descobrir que a intenção era vinculá-lo aos antigos calendários pagãos ligados à agricultura e às estações.

O Natal – decretado no Solstício do Inverno no Hemisfério Norte – ganhou através dos tempos uma poderosa marca econômica. Eu, por exemplo, estou em atividade remunerada graças à essa ocasião de congraçamento permeada por recebimento de regalos. A minha mãe apreciava demais essa data e apenas após o seu passamento, comecei a trabalhar nas comemorações dos outros. Nunca mais montei presépios ou árvores de pinus artificiais. As minhas meninas preferem se reunir com os amigos e apenas no almoço do dia 25 nos permitimos estar juntos. Este ano, isso não ocorrerá. A minha sogra está doente e estaremos separados – elas, lá, eu, em Sampa. Quando for viajar para visitar Dona Floripes, elas estarão voltando por conta de compromissos profissionais. Por sorte, não carrego pejo por viver na contramão dessa sacralidade formal e sem sentido.

Agradeço imensamente por Hopper ter nos colocado em contato e ter me “desviado” de meu destino de escritor de si para si. Um sujeito que não estava entre os seus, emprestando momentos fugidios de conexão em salas escuras de cinema, teatros ou bibliotecas em que apenas compartilhava olhares atravessados entre prateleiras. A moça que se sentia no sótão, desvinculada de suas muitas identidades, colocou como propósito escrever e editar escritas. Assim procedendo, invadiu o caminho de incautos que se sentiram inseridos no contexto de um cenário em que livros são tratados como bens artesanais. Hoje, renascido, sei valorizar a natividade.

De seu escritor,

Obdulio.

Manhãs E Tardes Permanentes

Nesta mesma data, em 2014, nós, da Ortega Luz & Som, saímos cedo para trabalhar. Quando os primeiros raios solares iluminavam o dia, lá estava esse casal de cães ora sentados, ora brincando juntos durante o tempo que estivemos abastecendo os carros para seguirmos viagem. Formavam um lindo casal. Essa cena se espraiou pelo resto do meu dia. E hoje, ao relembrá-la, melhorou a minha manhã. Apenas os bons romances resistem à luz do dia…

Rio de lavas
passeiam pela tarde
lavada de chuva,
sob o oceânico céu
do verão
deste final de ano…
Cores e fogo espraiados
em intensidade líquida
de nebulosas ondulantes que serpenteiam
no horizonte do sem fim
no fundo de meus olhos…
Que sejam prenúncio de alvíssaras,
ainda que saibamos que serão tempos
tempestuosos…

O Jacaré

Em 2020, no auge da Pandemia de Covid-19, um tal que se tornou presidente deste País, por motivos que um dia a História marcará como uma das mais funestas, disse que quem se vacinasse poderia se tornar Jacaré. Na verdade – está gravado para quem quiser rever – ele disse que viraria “ma…” Porém, ao perceber que cometeria mais um dos crimes aos quais acostumou-se perpetrar em série, sem ser obstado, mudou de espécie. Assim, surgiu o Jacaré – símbolo de salvação e de confrontação – em bom nome da vida. No dia da minha vacinação, escrevi uma quadrinha…

Em 2020, um Jacaré imunizado…

Quem é você, quem sou eu?
Sou homem, mas não filisteu.
Sou de Libra, sou de cabaré.
Sou menino, sou Jacaré.
Aquele que cocou sete vezes,
não pagou, enfrentou revezes.
Sou um tanto estimado,
um pouco odiado.
Tranquilo em minha raiva,
barco a vela à deriva.
Sou réptil a sobreviver
de resto, do frágil, de cadáver.
Melhor símbolo pantaneiro não poderia haver,
agora me tornei opositor ao poder.