Dependente

 

DEPENDENTE - 1

Pelos profundos olhos azuis de Boy George,
vi passar minha juventude,
rasa,
sem viver de amores praticados
com garfo e faca…

Apenas imaginava cenas de sexo sem meio e nem fim,
somente início…
Me masturbar tornou-se um vício,
randômico e contínuo,
sem saciedade…

Quando conheci o sexo real – concretude,
cheiros, fluidos, sons – nada pareceu ser verídico.
Não que isso fosse ruim – sonhava acordado –
corpos vaporizados,
desfeitos pelo prazer…

A diferença sólida
é que as sensações perduram,
ganham direção e sentido – o bom vício
de ter alguém a quem amar –
me tornou dependente de viver…

Ilusionistas

Ilusionista

Normalmente, o Ilusionista atua da seguinte forma – enquanto diz que faz alguma coisa, está a agir de outra, a desviar a atenção do público que o assiste. A intenção é que seja entendido como real a mensagem que expressa. Aquilo que não é visto, naturalmente não acontece abertamente, porém surge no final como verdade, porque é um fato. O bom Ilusionista surge com um simpático manipulador e é saudado como tal, apesar da diferença entre o que anuncia e o que resulta como concreto. Nesse caso, o encantamento com o Mágico é maior e mais efetivo do que a mágica que ele pratica. É como se ele dissesse: “vou enganá-los, vocês se sentirão gratos por isso, apesar de saberem, ao final de tudo, dos truques escusos que cometi para chegar ao resultado – ainda que artifícios de poder curto”…

É preciso um talento raro e natural para levar multidões ao engano por muito tempo, mas mesmo alguns mágicos meia-boca conseguem fazer os seus números ruins e iludir quem os acolhe por algum período, mesmo porque, as pessoas pagam para serem enganadas e preferem acreditar que o crédito que depositaram no seu enganador favorito não tenha sido de todo em vão… A máscara que o Trapaceiro autoproclamado usa, se fosse possível descrever, é composta por um matéria especial, montada com pele grossa e costurada com fios dourados, brilhantes como ouro de tolo, da mesma substância usada por ele para compor a sua linguagem simples, mas direta. Mais do que a mente, chega ao coração e ilude. E faz bem ao espírito de quem o toma como um Mestre dos Magos…

Para além do auditório privado ao qual se acostumou se apresentar, o Ilusionista percebe que tanto as pequenas quanto as grandes plateias podem ser levadas à ilusão coletiva da mesma forma. Aliás, quanto maior a audiência, melhor o efeito da fantasia. Com o treino que aprimorou desde cedo o seu engenho, consegue levar adiante projetos mirabolantes, truques velhos com novas roupagens, números cada vez mais espetaculares, para o júbilo do povo que o assiste. Diante de tamanho impacto de suas ilusões, empresários artísticos buscam contratar o Ilusionista-Mor para várias apresentações, com sucesso retumbante de público. A tragédia se dá quando o palco se agiganta e se torna um País inteiro…

Por mais que esses ilusionistas se repitam ao longo da história do Show Business, o público igualmente se renova, cada vez menos exigente, por consequência do decréscimo patrocinado da erudição da assistência. As ilusões mais chinfrins ganham a marca de extraordinárias e efeitos pífios repercutem na alma dos espectadores como uma inconteste versão da vida que deve ser vivida, embora falsa. Nesse triste espetáculo de ilusionismo para as massas, perde-se a oportunidade de apreciarmos a beleza da ilusão pela ilusão, uma brincadeira com os sentidos e as emoções – uma arte graciosa que se torna ilusória. Ao tomar o que não é verídico como fato, troca-se o sentido do real e perde-se a oportunidade de se ver crescer apreciadores da verdade como bem precípuo da existência humana. O sucesso aglutina em torno de si bajuladores e seguidores e serão eles, guiados pelo Mago, que dividirão a opinião dos espectadores entre fãs e críticos. Do aplauso entusiasmado para a violência do tapa, pode se passar em um rápido movimento das mãos…

Ultimatum

Há cem anos, Álvaro de Campos, um dos heterônimos de Fernando Pessoa, escreveu e Maria Bethânia lindamente declamou… Fiquei emocionado, pois estou a ficar sem anos para contar até que chegue o fim dos meus tempos. Os tempos se renovam em podridão de eternas e humanas doenças do espírito e sei que morrerei sem ver este País grande e justo, como um dia sonhou o menino que um dia eu fui…