Em 2015, o que era virtual se tornou real. Das páginas do Facebook, saltaram personas que se encontraram pessoalmente, principalmente através de um ser sofisticado e de intricada personalidade – Luiz Coutinho – um veneziano nascido em Minas. Depois, o visitamos em Brasília, onde se esconde e onde se expõe por trilhas da escrita. Lá, redimensionei a cidade estranha, de arquitetura transcendente e povoada por uma gente incrível, onde encontramos menos brasilienses de nascimento do que por opção. De forma indireta, o meu percurso de escritor ganhou direcionamento nessa época quando, ao visitarmos o estúdio de Maria Cininha, a maravilhosa criadora das Marias, Edward Hopper me uniu à editora da Scenarium Plural – Livros Artesanais, Lunna Guedes. O mestre da solidão visualmente escancarada foi, pessoal e simbolicamente, o patrono de um grande encontro.
Fotos: Deborah Matt
*Texto de 2015, participante de BEDA: Blog Every Day August
Você me chamou e não a ouvi Estava absorto na faina cotidiana Navegava pelos rios de asfalto da cidade Percorria os túneis de fuga terra adentro Para fora de mim mesmo Sempre apartado do meu corpo
O que poderia ser um sinal de independência Não se cumpria Pois os pensamentos arquitetados Por outras mentes Eram absorvidos pelos meus olhos Invadiam o meu cérebro E eram caminhados por minhas pernas Se incorporando à minha rotina Como se meus fossem através do poder de intervir Consumado pela arquitetura citadina Realizada pelos planejadores do ir e vir
Estava partindo para um lugar certo Porém não pensava nisso Mesmo querendo parecer borboleta Ainda que formada e liberta Voltava para o meu casulo Que me atraía Como tal, as minhas asas voavam um voo curto Mais decorativas do que eficientes E termino sendo um simples humano ser Fingindo um próprio querer…
O texto chamado Amor & Ser suscitou em mim lembranças de quando comecei a me interessar mais profundamente sobre Literatura e sobre o processo da criação da escrita. Mesmo porque a escrita se tornou para mim uma espécie de “imperativo categórico” –necessária por si mesma. Com a ação contínua, comecei a perceber que era através dela que eu me reconhecia ao reconhecer que caminhava por padrões da arte humana. Tudo passou a me interessar.
Em resposta ao texto, a Lunna falou sobre a criação de classificações de categorias e subcategorias para o amor, com regras distintas para homens e mulheres. O amor romântico, o amor de mãe, o amor de amigo – que cria ser um problema. Eu acabei por retomar os princípios desse tipo de expressão, principalmente na tradição do Trovadorismo português, mas não só, já que foi um movimento relevante do Século XII ao XIV em toda a Europa.
“A Linguagem do Trovadorismo é musical, poética, popular, dialógica, crítica, lírica e satírica. Os trovadores eram os autores das cantigas, enquanto os jograis eram os cantores. Já os menestréis, além de cantarem, tocavam as músicas, as quais eram acompanhadas por alaúdes, violas e flautas. Em meio ao contexto do Feudalismo, o Teocentrismo (Deus como centro do mundo) foi sua principal característica. Em Portugal, o Trovadorismo tem início em 1189 (ou 1198) com a publicação da Canção Ribeirinha, de Paio Soares de Taveirós. Esse movimento literário vai até 1434, quando começa o Humanismo”. (https://www.todamateria.com.br/cantigas-trovadorescas/)
As Cantigas Líricas se dividiam em cantigas de amor e cantigas de amigo. As Cantigas Satíricas, em cantigas de escárnio e cantigas de maldizer. Na prosa são subdivididas em Novelas ou Romances de Cavalaria, versando sobre relatos de heróis e seus cavaleiros. Nobiliários ou Livros de Linhagem, sobre árvores genealógicas de nobres. Hagiografias, sobre biografias de santos. Cronicões, que detalhava narrativas históricas.
Mas o que me interessava mais intensamente eram as Cantigas de Amor e de Amigo. Os compositores dessas cantigas se apresentavam como homens, mas na primeira vertente o eu poético era masculino, enquanto que na segunda, feminino. Característico do Patriarcalismo português, o homem tinha esse privilégio de expressar o seu amor de uma maneira mais aberta do que a mulher. Mas não duvido que mulheres viessem a criá-las sob pseudônimos – uma possibilidade que creio ser um fato – ainda que improvável documentalmente. Li certa vez poemas dessa época feitos por freiras que devotavam seu amor ao noivo – Jesus. A linguagem era claramente erótica, bem construída. Se retirássemos o endereçamento à figura de Cristo, faria corar o Nazareno pregado na cruz.
A influência do Trovadorismo em Portugal persistiu a ponto de o Fado, gênero musical português por excelência, carregar muito de sua melancolia nas canções de amor “que nem às paredes confesso”. Essa influência reverberou no Brasil com as Cantigas de Amor, que “são escritas em primeira pessoa do singular (eu). Nelas, o eu lírico, ou seja, o sujeito fictício que dá voz à poesia, declara seu amor a uma dama, tendo como pano de fundo o formalismo do ambiente palaciano. É por este motivo que ele se dirige a ela, chamando-a de senhora”. Em minha educação sentimental, as músicas que me influenciaram tinham muito desse distanciamento em relação ao objeto amado. Quanto mais impossíveis os romances, mais atraentes. Sentimento que levei para a vida prática. A minha timidez me auxiliou nesse afastamento.
Ao acessar o Spotify, apareceu com uma das sugestões, o álbum lançado em 1971 de Roberto Carlos. A minha mãe fez questão de comprar esse disco para tocar na nossa eletrola portátil. Eu o ouvia sempre que podia. Uma das canções que me pegou pelo lado sentimental um tanto passadista, mas muito intenso no pré-adolescente de 10 anos foi “De Tanto Amor”. Eu já observava as meninas que me encantavam de uma forma que as colocava num pedestal, sublimes, inatingíveis. A reprodução “De Tanto Amor” que escolhi quem a canta é Nando Reis, que sofreu como eu a inspiração do romantismo avassalador de RC, contemporâneos que somos. Quem os considera um tanto “brega” não está distante da verdade. Mas não passo vergonha. Traçando um paralelo sobre o sentimentalismo musical desbragado para a Literatura de qualidade reconhecida, chamo Álvaro de Campos, versando sobre o sentimento mais cantado no mundo:
Todas as cartas de amor são ridículas
Todas as cartas de amor são Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor, Como as outras, Ridículas.
As cartas de amor, se há amor, Têm de ser Ridículas.
Mas, afinal, Só as criaturas que nunca escreveram Cartas de amor É que são Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia Sem dar por isso Cartas de amor Ridículas.
A verdade é que hoje As minhas memórias Dessas cartas de amor É que são Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas, Como os sentimentos esdrúxulos, São naturalmente Ridículas.)
Eu me casei com uma enfermeira que é apaixonada pelo que faz. Com ela, pude aprender o quanto essa profissão pode ser um divisor de águas entre a vida e a morte. Saber que a minha esposa pode fazer a diferença na existência de muitas pessoas, ao exercer essa atividade essencial para a saúde pública, me deixou, desde sempre, orgulhoso.
Sem falar que a “minha” enfermeira é uma excelente profissional, que saiu de uma pequena localidade do interior do Rio de Janeiro – Arrozal, um distrito de Piraí – para chegar, depois de passar por Volta Redonda, a São Paulo e trabalhar em uma grande entidade como o Hospital Israelita Albert Einstein, nele permanecendo por vinte anos, até assumir um cargo no COREN-SP.
Depois de uma segunda passagem pelo Albert Einstein, decidiu diminuir o ritmo, mas continuou a trabalhar com dedicação e afinco em um hospital municipal da Prefeitura de São Paulo. Mal sabiam os doentes que chegavam àquele local a boa sorte que tinham em encontrar uma profissional tão gabaritada – o seu Curriculum Vitae preenche três ou quatro páginas apenas de cursos que realizou – além do carinho e atenção que dedica a quem atende.
Crianças, jovens, adultos e velhos puderam presenciar a mão visível do Bem quando houve a intervenção da Enfermeira Tânia Ortega naquele momento tão delicado em que se encontravam fragilizados por alguma doença.
Mas eis que a sagitariana, instada por companheiros de profissão, dada a sua influência entre os profissionais da Saúde, ampliou a atividade para além de sua atuação assistencial no hospital. Tornou-se aglutinadora de ideias em torno das quais busca melhorar as condições de trabalho dos enfermeiros, técnicos e auxiliares.
Com a chegada da Covid-19, percebeu que, por ela, mãe de família e por todos os que enfrentam a pandemia na linha de frente, que as condições e cuidados com os itens auxiliares no atendimento aos pacientes devem ser otimizadas. Como, por exemplo, buscar soluções para o aprimoramento dos EPI – Equipamentos de Proteção Individual – sugerindo, indicando, explicando, divulgando sobre a correta utilização dos materiais.
Devemos lembrar que a cada profissional afastado por infecção pelo novo coronavírus, muitos pacientes acabam por ficar sem cuidadores preparados para enfrentar a guerra contra o inimigo invisível do vírus, apesar do descaso com relação à Saúde Pública patrocinada por muitos governantes.
Casado com a Tânia, não tento competir com a sua paixão. Compreendi que meu apoio à sua luta se configura na contribuição que posso oferecer, ainda que ínfima, na luta contra um sistema que prioriza o lucro financeiro em detrimento da vida humana. Enquanto for possível, estarei ao seu lado para caminharmos para muito além da melhoria da saúde física e mental – para que igualmente transformemos o mundo um lugar de mais paz e amor.
*Texto de 2020, nos tempos tenebrosos da Pandemia. Participante do BEDA: Blog Every Day August
há momentos em que me desconfiguro como ser pensante passo a ser um animal que quer não ser apenas agarrar parte de mim me tornar tornado pelo toque me satisfazer por inteiro em frêmito arrepio arrancar galhos folhas troncos raízes árvores bosque sem identidade pedaço de carne seios em pele recobertos corpo esponjoso antros cavernosos lado a lado rios a se preencherem de sangue vou por uma única mão em direção ao prazer solo chão sentido centro-periferia todas as forças concentradas fantasio a outra pessoa em intenção ausência presente feito saudade dor desejo de auto compensação de proximidade consciência da imensa distância entre mim e o sim permaneço em êxtase suspenso resisto à chegada do fim pressão entre os dedos me agarro em respiração profunda permaneço corro é quando por ele eu-falo sou totalmente certeza vigor anima em movimentos cada vez mais rápidos fibras retesadas veias intumescidas talo rigidez da madeira troncos separados imagino invadir a fenda do tempo-templo macio escuro com a delicadeza de quem morre tão livre e brevemente feito vida e voo de borboleta expulsando pelos canais condutores lágrimas de quem chora um choro solitário…