#Blogvember / Ondulante

Sombras dançarinas ondulavam pelas paredes (Obdulio Nuñes Ortega)

Foto por cottonbro studio em Pexels.com

São Paulo sofreu com a tempestade da semana passada. Árvores (malcuidadas) desabaram sobre a rede elétrica, deixando vários bairros sem luz. Retornei a minha lembrança de quando a Rua Oscar Freire, de grande circulação de bem possuídos, teve a sua fiação elétrica aterrada, modelo que seria colocado em prática para o resto da cidade. Essa foi a promessa.

A regra vigente era a colocação dos feios postes de vinte metros de altura por vinte de distância, com crucifixos na ponta, como se fôssemos pregar neles quantos Messias aparecessem. Estes se intercalavam com árvores supostamente bem regradas que não cresceriam além do devido, tecendo a trama que se exporia logo mais no tempo adiante como drama.

O alcaide municipal, preocupado com as eleições de daqui a um ano, desviou a verba para a construção de ônibus municipais para a “restauração” de vias asfálticas em vários pontos da cidade, causando transtorno que, supôs, seria esquecido ao longo dos meses, garantindo que o resultado ao longo do tempo lhe traria a visibilidade necessária para ser reeleito. Mas parece que o sujeito não combinou com a Natureza desgovernada que tratou de lhe mostrar que “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa” – como já disse uma vez o grande filósofo nacional, Tim Maia.

Com o modelo de concessão à iniciativa privada – que, como sabemos, visam o lucro – de serviços fundamentais para o funcionamento regular da cidade, a concessionária responsável pelo fornecimento de energia que, estranhamente tem boa parte de suas ações nas mãos do Governo italiano, portanto estatal, entrou em parafuso, deixando milhões de consumidores sem luz por vários dias. Em plena maior cidade da América Latina, com os prejuízos óbvios advindos pelo descongelamento de alimentos, paralização de aparelhos eletrônicos, máquinas de suporte vital e falta d’água por falta de energia para as bombas, entre tantas outras repercussões.

E lá vimos os governantes que colocam o viés ideológico na estruturação de resolução de necessidades básicas do cidadão com caras de tacho, se postando atrás, dando a palavra para os porta-vozes das concessionárias. Para mim, pareceu óbvio que quem manda são eles. Quando falam, atacam a pobre da Natureza, o El Niño, o aquecimento global, o escambau!

Talvez nem se lembrem ou se lembram, “esquecem” de citar que o programa e de seus aliados que os elegeram propõe a devastação ambiental para a busca de ouro, feito modernos Bandeirantes ambiciosos, sem se importarem com o mundo que deixarão para os filhos e netos. E que o planejamento de uma cidade pressupõe a zeladoria para prevenir que situações como a que ocorreu não aconteçam com a gravidade que ocorreram.

Nossa cidade se ergueu sobre uma bacia de rios, riachos e córregos que se comunicam entre tributários e principais, sendo o principal deles, o Tietê – o mesmo que levaram os Bandeirantes interior adentro. Se lhes faltava a capacidade de perceberem o mal que faziam ao matarem gentios da terra ou escravizá-los, fundarem cidades nos moldes de estranhas culturas invasoras, imporem o seu estilo de vida, em contrapartida, se amoldaram ao ambiente. A existência de aglomerações como é a cidade de São Paulo não é saudável. Mas ao fim de tudo, é lucrativa para vários grupos que se locupletam com o abuso de convivências forçadas com a precariedade.

Quando nos mudamos, minha família e eu, então com sete anos de idade, para a Periferia da Zona Norte, numa área praticamente rural que foi loteada, tive que aprender a conviver com a falta dos serviços básicos ao qual estava acostumado. Mas sendo criança, não me lembro de ter sido tão traumático. Puxar água do poço, colocar bacias para esquentar ao Sol para o banho de canequinha, ter como companhia cavalos, sapos, galinhas, patos, vacas, lagartixas (que passei a amar), aranhas (fascinantes) e excepcionalmente cobras, foram experiências que me lembro com carinho. Mas a minha situação era comum à maioria e os recursos, poucos.

A luz faltava frequentemente. Nosso estoque de velas era grande e variado. Algumas delas eram afeitas a rituais religiosos. A cada semana, a minha mãe colocava sete velas brancas para “as almas”. Ficavam protegidas do vento e da chuva, numa espécie de altar. Outras velas ficavam estrategicamente espalhadas pela casa, para quando faltasse luz. Quando isso acontecia, eu ficava fascinado com o bruxulear das velas e as sombras dançarinas que ondulavam pelas paredes. Chego a ter saudade desse tempo e lugar oníricos. É como se estivesse sonhando com o futuro e o ondular dançarino de um corpo que pontua a minha mente…

Participam: Roseli Pedroso / Mariana Gouveia / Suzana Martins / Lunna Guedes

Vale Do Matarazzo*


Quantas informações pode conter uma foto? Nesta, tirada de um posto de Inspeção Veicular (para quem é de fora de São Paulo, era uma inspeção para verificar os índices de emissão de poluentes de um veículo, a ser paga pelo proprietário do mesmo, o qual ele apenas recebe o valor de volta se passar na primeira vez, o que muitíssimas vezes não ocorre já que os parâmetros são muito baixos), podemos ver três velhas chaminés, constituindo a chamada “Casa das Caldeiras” à esquerda.

À direita, um dos prédios de um novíssimo conjunto residencial, fazendo sombra à primeira casa do homem mais rico do Brasil no começo do Século XX, responsável por cerca de 1% do PIB à época. Tratava-se de Francisco (Francesco Antonio Maria) Matarazzo, que construiu no Vale da Barra Funda, ao longo de alguns quilômetros, o primeiro grande parque industrial de São Paulo, o maior complexo da América Latina — as Industrias Reunidas Matarazzo — com fábricas que produziam vários tipos de produtos, de alimentos a condimentos. Linhas de trem, às quais podemos ver as estruturas das torres eletrificadas, recebiam as matérias-primas e levavam os produtos para todos os cantos do País.

Como nada é para sempre, a fortuna construída pelo pioneiro, foi dissipada por seus herdeiros. Ao fundo, ainda vemos parte do Shopping Bourbon e o andamento da construção do novo estádio da Sociedade Esportiva Palmeiras, cujo o terreno onde se localiza foi uma doação do Conde, assim condecorado pelo governo italiano em 1917, tornando-se Don Francesco Antonio Maria, Il Molto Onorevole Conte Matarazzo (Castellabate, 9 de março de 1854 — São Paulo, 10 de dezembro de 1937).

*Texto de 2013

BEDA / Índio*

Pois, é! Esse sujeito de tez branca aí tem sangue dos povos originários de Pindorama (país das palmeiras, nome dado ao Brasil pelos ando-peruanos e pelos indígenas pampianos), mais precisamente Tupi-Guarani. Diz respeito à família linguística (tronco Tupi) com a maior distribuição geográfica no Brasil, estendendo-se por 13 estados e compreendendo cerca de 20 línguas vivas, com pequena diferenciação interna.

A Língua Tupi também é usada na Guiana Francesa, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai e Argentina. O meu pai tinha pele menos clara e os olhos mais puxados. Em uma empresa que trabalhou, tinha o apelido de “japonês”. O que demonstra apenas que as generalizações englobam características e conceitos pré-concebidos que faz com que sejamos chamados pelos norte-americanos de “latinos” — algo que significaria “origem racial indefinida” — o que muito me orgulha.

Tenho igualmente ascendência hispânica, por parte de mãe, portanto, de alguma maneira, sou também latino, não apenas por morar num país da América Latina. Na encruzilhada de referências, também sou originário dos povos europeus que aportaram nas Américas, as invadindo território adentro — espanhóis, portugueses, ingleses, holandeses e franceses — que promoveram um dos maiores genocídios da História humana. Nas ilhas caribenhas, por exemplo, dizimaram os habitantes autóctones e as ocuparam com populações inteiras de africanos escravizados.

Tudo já começou errado, pois o italiano Colombo cria que havia chegado às Índias, denominando aos originários da terra de Índios. A invasão das Américas ocasionou além da morte de pessoas, igualmente promoveu a extinção de culturas, de línguas, de protetores do meio ambiente que dependiam da biodiversidade para sobreviverem. Ainda hoje sofremos, como brasileiros, com a política desatinada que coloca o ganho de capital financeiro em detrimento do ganho de capital humano e das outras diversas formas de vida. Estamos perdendo a chance de nos tornarmos um país diferenciado em termos de desenvolvimento sustentável, fundamentado no que a ancestralidade, na mitologia e na cultura indígena tem a nos oferecer. Há quem sonhe viajar para outros planetas. Podem ser os mesmos que “descobriram” neste planeta chamado Terra — que prefiro chamar de Gaia —, maravilhosos lugares e os tem destruído paulatinamente.

Agimos como um vírus que contamina seu hospedeiro, o mata e contamina outros corpos após outros corpos. Se há uma lição que a mortandade dos Povos Indígenas possa nos deixar é que devemos nos curar do mal de nos colocarmos acima de tudo e de todos. Que sejamos humildes e aceitemos que devemos parar de passar como tratores por cima das áreas reservadas aos povos originários, tratando-as como recursos econômicos à disposição de invasores-destruidores-genocidas modernos hoje patrocinadas por um ignominioso que os representa no poder central do Brasil.

*Texto de 2021, por ocasião do antigo Dia do Índio, atualmente dos Povos Indígenas, macabra e contraditória efeméride, já que desrespeitamos os povos originários todo o santo dia.

BEDA / Índio

Ontem, no proclamado Dia do Índio (criado pelos brancos) 19 de abril postei um texto que busca trazer à luz certas discrepâncias do comportamento dos brasileiros em relação a um dos personagens formadores de nossa nacionalidade, enquanto é promovida sua extinção a olhos vistos sem nenhuma mobilização contrária por boa parte da população. Mesmo porque muitos dos nossos cidadãos botaram olho grande nas terras ocupadas pelos indígenas. Um dia, caso não revertamos o atual processo de destruição de seu lugar de expressão original o próprio território brasileiro nós mesmos extinguiremos a nossa identidade como nação.

“Pois, é! Esse sujeito de tez branca aí acima tem sangue dos povos originários de Pindorama (país das palmeiras, nome dado ao Brasil pelos ando-peruanos e pelos indígenas pampianos), mais precisamente Tupi-Guarani. Diz respeito à família linguística (tronco Tupi) com a maior distribuição geográfica no Brasil, estendendo-se por 13 estados e compreendendo cerca de 20 línguas vivas, com pequena diferenciação interna. A língua Tupi também é usada na Guiana Francesa, Venezuela, Colômbia, Peru, Bolívia, Paraguai e Argentina.

O meu pai tinha pele menos clara e os olhos mais puxados. Em uma empresa que trabalhou, tinha o apelido de “japonês”. Isso apenas demonstra que as generalizações englobam características e conceitos pré-concebidos que faz com que sejamos chamados pelos norte-americanos de “latinos”, algo que significaria “origem racial indefinida” (o que muito me orgulha). Tenho igualmente ascendência hispânica, por parte de mãe, portanto de alguma maneira, sou sim, também latino, não apenas por morar no Brasil, um país pertencente à América Latina. Os povos europeus que aportaram nas Américas, entre eles espanhóis, portugueses e franceses, promoveram um dos maiores genocídios da História humana. Nas ilhas caribenhas, por exemplo, dizimaram os habitantes autóctones e as ocuparam com populações inteiras de africanos escravizados. A invasão das Américas ocasionou a morte de pessoas, de culturas, de línguas, de protetores do meio ambiente que dependiam da biodiversidade para sobreviverem.

Ainda hoje sofremos, como brasileiros, com a política desatinada que coloca o ganho de capital financeiro em detrimento do ganho de capital humano e das outras diversas formas de vida. Estamos perdendo a chance de nos tornarmos um país diferenciado em termos de desenvolvimento sustentável, fundamentado no que a ancestralidade, a mitologia e a cultura indígena tem a nos oferecer. Há quem sonhe viajar para outros planetas. Podem ser os mesmos que “descobriram” neste planeta chamado Terra ou Gaia, maravilhosos lugares e os tem destruído paulatinamente. Agimos como um vírus que contamina seu hospedeiro, o mata e contamina corpos outros após outros corpos.

Se há uma lição que a mortandade dos “índios” possa nos deixar é que devemos nos curar do mal de nos colocarmos acima de tudo e de todos. Que sejamos humildes e aceitemos que devemos parar de passar como tratores por cima das áreas reservadas aos povos originários, tratando-as como recursos econômicos à disposição de invasores-destruidores-genocidas modernos patrocinadas por um ignominioso que os representa no poder central do Brasil.

Lunna Guedes / Claudia Leonardi / Adriana Aneli / Roseli Pedroso
/ Alê Helga / Mariana Gouveia / Darlene Regina