Mais Dois Para A Conta*

Quando temos um condutor de boiada que toca bem o berrante, o gado responde obediente e o segue. Quando o gado se considera pensante, induz que as tocadas do berrante emitem certas orientações para além da simples entonação. Quando o condutor orienta a derrubarem as matas, extrair madeiras, invadir terras virgens, garimpar em qualquer lugar que considere ter riquezas que, ao final de tudo, sem fiscalização ou controle, acabam por enriquecer qualquer um, menos o País, aplaudem.

Quem assume os negócios escusos não são pessoas do povo que deixam tudo para trás em busca de pedras preciosas, madeira, ouro ou um pasto para si. Mas sim grupos criminosos organizados, da mesma estirpe do condutor do gado. Aparelhados de muito financiamento advindo de negociações que envolvem todo tipo de moeda, incluindo drogas, é possível montar estações de extrações de madeira, garimpagem, caça a animais silvestres para venda e todas as maneiras de dizimar populações inteiras de espécies. Sofrem os habitantes originais da Terra Brasilis, espoliados de seus direitos e locais de vivência.

Estamos sendo governados pelo Ignominioso Miliciano há quase quatro anos. Assim como Scar, na história do Rei Leão, que dizimou o local que comandava, que deu poder às hienas que ajudaram a devastar sua nação, seus asseclas agiram no mesmo sentido. Quem me disse isso, num comentário rápido, foi a minha filha mais nova que fez essa assimilação despretensiosa, mas bastante pertinente.

Esse elemento no poder, num texto de 2019 já o chamei de um d’Os Cavaleiros do Apocalipse, representando a Peste. Hoje, a notícia da localização dos corpos de Dom Philipps e Bruno Pereira é apenas mais um dos efeitos da política predatória desse cavaleiro motorizado do Apocalipse.

A chamada “aventura” dos dois ativistas, segundo as suas palavras, demonstra a sua postura de confronto contra quem quer defender as demandas dos direitos indígenas e dos territórios arruinados pelos comandados por sua postura de Scar. As mortes do jornalista e do funcionário do IBAMA são mais duas para a conta desse Ignominioso Miliciano — dois combatentes a menos contra seu projeto de devastação.

Imagem: Jornal da USP

*Texto de 13 de Junho de 2022

Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse

Cavaleiros

02 de junho de 2020. Tempo de Pandemia de Covid-19. Quarentena em São Paulo. Data marcada e demarcada. Momento grave no Brasil. Transição política entre o estado democrático de Direito e eventual golpe de Estado provocado por um político do baixo clero que um dia serviu de ponta de lança ao projeto fascista gestado nos ambientes limpos e degenerados de condomínios de luxo e, esdruxulamente, à beira de mesinhas de plástico, regados à caipirinhas e churrascos.

Ao vivo, bebem leite. Seu bando plagia discursos de Goebbels, brandem tochas, vociferam contra as instituições, apoiam símbolos da supremacia branca e a liberação de armas de fogo. Além dos soldados-milicianos, conta com o apoio de simples de mentes e de corações carregados de ódio. De todas as classes. Uns, crentes-descerebrados ativos, inocentes úteis, culpados por serem tão facilmente usados. Outros, isentos, incapazes de ações empáticas com o lado fraco do elo social e, de certa maneira, simpatizantes de ideias de erradicação dos doentes sem atacar a causa — a doença que os geram e sustenta o sistema.

São a favor da desigualdade econômica, das distorções que servem aos senhores de engenho e se esforçam para manter a moenda rodando. No centro de tudo, um ser tacanho. O “cérebro pensante” é externo ao corpo que o move, sem inspiração ou aspirações culturais. O abominável se alimenta do Caos. Baseia-se em modelos que aplainam a Terra, abominam o Conhecimento e a Ciência. Abdica da humanidade como medida ou, radicalmente, absorve o pior que o ser humano já produziu — elucubração de teorias de exceção racial e afirmação da eugenia numa nação que carrega o dom de ser múltipla e miscigenada. Morte de velhos, tratados como tomadores de recursos; erradicação de direitos da massa que acreditam terem nascido para servir; instauração de privilégios dos grandes empresários (“com eles, ganharemos dinheiro”); tomada dos espaços naturais como bens de consumo (“fazer passar a boiada”); (des)governo das mentiras repetidas mil vezes até se tornarem verdades; desrespeito a Democracia ̶ escada para chegar ao poder — do qual não pretende apear.

Eis um dos cavaleiros do Apocalipse — a Peste. Aquele que se diz superior, beija os pés do grande irmão do Norte e, por ele se orienta ao sul do hemisfério Sul — cucaracha de estimação, cão amestrado que lhe lambe a mão. Programa de exterminação dos bens culturais, do sentimento de igualdade cidadã e da união na pluralidade de identidades. Desejo de extirpar oposições, afastar aquilo que o inferioriza — quase tudo que o rodeia. Revela-se grande somente aos seus seguidores de seita, sem perceber que joga o País na conflagração. Satisfação máxima de quem não tem nada a perder, a não ser sua prole — iguais a ele, reprodução dos outros três cavaleiros do Apocalipse — Guerra, Fome e Morte.

Que coloquemos um basta: a tolerância não deve servir aos intolerantes.

Imagem: Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse, por Viktor Vasnetsov (1887)