BEDA / Escritor*

aos 6 leio toco violão canto desenho
aos 7 versão hey jude
garoto que amava beatles rolling stones
jovem guarda ronnie roberto erasmo
assistia namorava vanderléa
30 anos trabalho com ela
aos 8 desenho animado filme novela clair
aos 9 amava dança não danço
musicais programas calouros
zorro batman super-homem
aranha de ferro demolidor
aos 10 maysa eliseth elis gal nara
dolores milton caetano gil meu guru
aos 11 verne wells lobato
bach beethoven stravinky list
aos 12 poetas fim do século
barreto azevedo dias alencar
castro abreu varella freire sousândrade
decorava declamava sozinho
aos 13 mautner tom gonzagão tom zé
gonzaguinha djavan lupicício macalé
letras que mergulhava dos anjos
mundo descoberto alternativo
sofria como se fosse comigo
pintura arquitetura história
picasso van gogh hieronymus dali
aos 14 machado se impôs
quem viesse o servia depois
mas amei amado muito
capitães de areia me afetou
escrever ler concorria com vida
era mesma mas outra
para quê por que?
aos 15 não interessava resposta
feliz mistério
infeliz realidade pouco a pouco
tentava reescrever bíblia li inteira
sinais vida extraterrestremeus irmãos
jesus filósofo avatar
mestre emissário outra dimensão
eu ateu emoção com a sua paixão
fé intrigante poderosa talvez vazia
significado conspurcado
ofender lutar matar destruir seitas
orar ação subordinada ao medo
da maior atração da terra morrer
aos 16 escrever ver descrever antever
reverter transcrever transcender
minha forma de ser
quem sou não sou
quem fui serei passei
antes falecer depois nascer
outra vez aos 17
tempos de seca mão não impunha caneta
caçador de dores queria me ferir
me dedicar a outros me salvar
instinto sobrevivência
servir ser a vir melhor autopunição
vaidoso feito santo antão
criminoso por matar amores no nascedouro
de experimentar escapava
vampiro experiências alheias servia
como tema temor ao amor despedaçava
coração infantilizado
maduro mais duro sem flexão
como evadir de mim perpétua prisão?
sozinho casa vazia cães companheiros
acordava dormia quando queria escrevia
madrugadas inteiras escola futebol
síndrome do pânico
crises de ansiedade não sabia
apenas ultrapassava vivia
imaginava que fosse covardia
meus escritos não mostrava cria
fosse somente para mim artesão arte tesão
amava corpos não conhecia pavor culpa
confrontar peles pelos lençóis olhos bocas
penetrar recônditos recantos encantos impossíveis
literatura indenizava a vida
literária sem ser literal de frei sem hábito
a casado decidido a liquefazer o escritor
entre fraldas trabalho som luz movimento ação
20 anos sem compor personagens cenários
tramas vidas mortes sortes
aos 46 educação física voltei a estudar
entre jovens fui aluno professor divisor
de águas textos técnicos prática escrita
sem tempo atração pela palavra comoveu
corpo deslocamento pés cabeça me moveu
prazer escrever como comer
respirar inspirar não expirar
inspiração escritor voltei exalar
redes sociais perfurei crosta
atravessei bolha pessoal defesa descomunal
transpus campos ataquei aldeias
sentimentos emoções alcancei ideias
inéditas sobre mim me conheci desgostei
qual curiosidade maior viver partir?
sem decidir continuo por amor a escrita
finjo amor pessoas?
mas deus é verbo
aos 54 novo cenário publiquei artesanal
nunca pronto tonteio caio levanto deslizo
deito palavra dentro gozo reproduzo
conto cena crônica poema aprendiz
de fecundação aos 56
veio à luz minha realidade
continuei rua 2 confissões
sigo curso de rio caminho do mar
cometo crimes senzala
mentiras ainda que diga a verdade…

*Poema de 2021

Participam: Danielle SV / Suzana Martins / Lucas Armelin / Mariana Gouveia / Roseli Peixoto / Lunna Guedes / Dose de Poesia / Claudia Leonardi / Alê Helga

 
 





 



 

Dependência*

Confesso que sou dependente… de mulher. E o sou, em muitos sentidos, incluindo, aquele associado à dependência química, mas principalmente psicológica. Sou viciado em mulher. Não me vejo sem poder ao menos vê-la em algum momento do meu dia. Obviamente, é um vício controlado, que tento restringir ao meu meio, para não despertar desarmonia.

Quando digo “ver” é na significação de observar detidamente a sua performance, o que ela mostra ou o que ela nos dá a mostrar. Essa ressalva a transforma em um ser dissimulado? Não creio. Eventualmente, “azinimigas” dirão que aquela que se exibe é uma “metida”. Mas quem de vocês, mulheres, não faz a sua apresentação diante do público sem um pingo sequer de preparação? Sempre haverá exceções à regra, mas isso também é motivador de atenção e, muitas vezes, mais profunda.

Convivo de perto com quatro mulheres que, no recesso do lar, se desarmam e exibem um lado menos precavido. No entanto, isso não as deixa menos fascinantes. A cada dia, passeio o meu aturdimento na (vã) tentativa de decifrá-las. Percebi que esse fascínio de algo a se revelar está indissociavelmente ligado ao charme (algo indistinguível) que carregam.

Sempre fui um sujeito encantado pelas mulheres, mas durante quase metade da minha vida detinha uma timidez mórbida, que me impedia de me colocar diante delas sem passar por certo descontrole. Na superfície, porém, não deixava transparecer esse medo. Relato eventualmente, em rodas de amigos, essa história. Adindo que cheguei a imaginar que fosse homossexual.

Foi uma época de prospecção interna muito elucidativa. Observava os homens e me perguntava se eu me sentia atraído por eles. Definitivamente, percebi que não. Essa busca por esclarecer minha identidade sexual apenas provou que sou um heterossexual com todas as suas deficiências. O que não impede que, de forma salutar, me permita achar alguns homens interessantes e/ou bonitos, mas nunca da maneira especial que as mulheres ou homens de personalidade feminina “percebem”. Tenho gostos que, em muitos aspectos, são parecidos com o dos Gays (palavra sensacional!). Mas a minha atração pelas mulheres é indubitavelmente feérica.

Um homem que achava bonito, com um porte que gostaria de imitar, era Rock Hudson, por exemplo. Não perdia um filme dele na Sessão da Tarde ou em outras “sessões” que passavam em outros horários. Fiquei surpreso, quando ele desenvolveu AIDS juntamente com o anúncio de que era homossexual. Nesse momento, me tornei um admirador maior ainda de sua figura. Fiquei a imaginar de onde ele teria buscado forças para continuar atuando, sem deixar revelar totalmente para o grande público a sua natureza. Em uma comédia romântica Pillow Talk, de 1959 com a sua eterna parceira nas telas, Doris “Calamity Jane” Day (a quem amava), e participação pequena e especialíssima de Nina Simone, há um jogo interessante de aparências que só alguém com muita desenvoltura mental conseguiria levar adiante sem parecer denunciador de sua identidade pessoal.

Falo dos Gays masculinos em relação às mulheres porque talvez não existam maiores admiradores de seus atributos do que eles, em que muitos imitam trejeitos ou mimetizam a aparência feminina, afora aqueles com identidades de gênero feminino levado ao extremo da transposição total. Isso, para mim, é uma vantagem desproporcional na compreensão desses seres amados.

Em resumo, pela mulher fui parido, por mulheres sou apaixonado e ficaria feliz de, um dia, morrer por elas…

*Texto de 2015

Foto por Kammeran Gonzalez-Keola em Pexels.com

B.E.D.A. / Cão Perdido No Espaço*

Laika, primeiro terráqueo vivo a ir para o Espaço, em 1967, pelas mãos do homem.

Quando ela se foi,
silenciosa feito um raio sem trovão —
Oyá calada — comecei a cheirar o chão
pelo qual ela teria passado…

Em busca de seu cheiro —
cão perdigueiro —
perdi meu dom,
me perdi…
Fiquei sem casa,
sem dona,
sem domínio
sobre o meu caminho
de perseguidor de seu odor.

Todas as noites,
uivava para as luas
presas aos postes das ruas,
tentando alcançar as estrelas
de seu corpo,
os cometas em seus cabelos,
os asteroides de seu olhar…

Cercado de escuridão,
senti-me como Layka
só na imensidão infinita —
corpo encapsulado,
sem elo
com a Terra de onde provinha,
a não ser pela gravidade
que a ela me prendia…

Sonhei que pela poderosa atração
de seu corpo,
reentrava na atmosfera
em que ela respirava — invasão
em forma de fogo
e risco de luz — pedaço de metal
incandescente
a penetrar na pele da amada… 
Saudade que se apagava
em choque e explosão,
amor e paixão… 

A energia e o ar de meu módulo
aos poucos se esvai…
Por meus pelos,
o calor se retira da pele,
começo a sentir o frio a me invadir,
até que o frio se torna meu,
antes que deixe de respirar…
Ser sem vigor, aberta sorte,
circulo pelo Espaço a conhecer
o belo mistério da morte…

*Em 3 de novembro de 1957, um mês após a missão do Sputnik 1, os soviéticos mandaram o primeiro ser vivo ao espaço: a cadela Laika. O Sputnik 2 deu 2.570 voltas à Terra e ficou 162 dias em órbita. Queimou-se ao tocar na atmosfera terrestre em 14 de Abril de 1958.

Participam do B.E.D.A.:

Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Claudia Leonardi / Darlene Regina / Mariana Gouveia / Adriana Aneli

BEDA / Scenarium / Inteiro Ou Partido*

Inteiro Ou Partido
Divagações à sombra de uma mangueira, da qual espero ver os frutos madurados.

O meu amigo Ivan Rocha passou de “noivo” para “solteiro” no Mural do Facebook. À propósito do fato divulgado de maneira tão direta em seu perfil, comentei: “Ivan está só, está ao sol, está inteiro, está solteiro!”. Ao que ele lembrou que uma vez, de forma similar, brinquei com a palavra “amortecedores”, destacada na propaganda de uma oficina mecânica: “É, o amor tece dores”… À parte o encontro de rimas forçadas ou significados ocultos no que dizemos ou vemos escrito por aí, divaguei à respeito da primeira montagem.

Estar só é estar inteiro? Quando estamos com alguém em realidade nos dividimos. E por que sentimos essa necessidade de sermos apresentados em duas partes? Se somos inteiros em nossa unidade, por que queremos encontrar completude em outro? E se queremos nos completar em outro, que força poderá manter unido um casal, além da ilusão do amor? Em se considerar o amor algo ilusório. Sempre haverá alguém  que considere o desejo ou a paixão como sendo amor, se iludindo que queira unir-se a outro ser pela força dessa ilusão. Quando descobrimos ser só isso e a atração se esvai, o que antes era inteiro, nos deixa partidos, até… juntarmos os cacos, nos fazermos inteiro para depois sermos atraídos para nova partilha.

Bem… como eu disse, são divagações…

*Texto de 2011

B.E.D.A. — Blog Every Day August

Adriana AneliClaudia LeonardiDarlene ReginaMariana Gouveia

Lunna Guedes

Amor Na Feira

Amor Na Feira

Ao vê-lo, logo demonstrou interesse. O seu corpo passou a reverberar a atração, vibrando das pontas dos pés à ponta do nariz. Ele, mais contido, permaneceu estático, mas com o olhar fixo de quem vira a expressão mais excelsa da beleza. Foi amor à primeira vista. Passado o primeiro momento do encontro, ela buscou acariciá-lo. Mais um instante, saíram correndo entre as gentes, contentes com a presença um do outro, alheios aos afazeres prosaicos dos humanos. Foram e voltaram algumas vezes, sempre atentos aos movimentos de seus amigos cuidadores. Mais um pouco, ao chamado destes, se despediram, a se olharem com as cabeças voltadas para os extremos da rua que se alongava cada vez mais. Na próxima terça, dia de feira, talvez voltem a se encontrar…