Era costume, em tempos idos, nomear ruas e logradouros utilizando referências baseadas em funções, topografias, acontecimentos, entre outras justificações – Curtume, Ladeira Porto Geral, Rio Tietê, Congonhas etc. Bem novo, eu me lembro de ler um poema de Mário de Andrade – que dá nome à Biblioteca Municipal de São Paulo, chamado de “A Serra Do Rola-Moça”, que dizia respeito a um acidente que vitimou uma jovem senhora.
“Ali, Fortuna inviolável!
O casco pisara em falso.
Dão noiva e cavalo um salto
Precipitados no abismo.
Nem o baque se escutou.
Faz um silêncio de morte,
Na altura tudo era paz …
Chicoteado o seu cavalo,
No vão do despenhadeiro
O noivo se despenhou.
E a Serra do Rola-Moça
Rola-Moça se chamou.”
Tudo era mais poético e vibrante. Com o desenvolvimento das cidades, a burocratização das relações, passou-se a usar nomes de personalidades políticas, artísticas, administrativas, históricas e outros. Com a construção de condomínios, para atrair compradores, em já vi um bairro inteiro surgir com o nome de Parque Higienópolis em plena Barra Funda.
No entanto, há circunstâncias que trabalham para criar nomes interessantes. Numa avenida perto de casa – Inajar de Souza, um jornalista – há um empreendimento que está sendo anunciado como Mundo Apto. Pronto! Viajei naquele nome. Um mundo apto a ter uma tendência, uma capacidade natural ou adquirida para realizar qualquer coisa. Obviamente que apto é uma abreviação de apartamento, mas se houve intenção do criador em revelar funções múltiplas com um nome incrível ou mesmo que não tenha sido intencional, o resultado foi inspirador.
A minha rua era numerada – 2 – já que o bairro se formou através de um loteamento de uma antiga fazenda. Depois, chamou-se Santa Bárbara, passou para Arara Azul (nome de pássaro, como outros da região) até assumir definitivamente um nome próprio, de um professor, pelo menos.
Em caminhadas para ir à academia, comecei a passar em frente de uma passagem curta e estreita que houveram por bem dar o nome de uma pessoa que tive que pesquisar para saber de quem se tratava. Manoel Lino de Aveiro Vasconcelos foi um comerciante da região da Vila Nova Cachoeirinha. Dono de uma padaria no bairro, Vasconcelos chegava em casa de carro, na rua Monte São Martinho (onde mora meu irmão), quando foi rendido por pelo menos quatro assaltantes. Os bandidos obrigaram o comerciante a entrar no imóvel. A vítima estava acompanhada da mulher e do filho. O padeiro levou um tiro no peito ao tentar defender a mulher de uma agressão durante o assalto. Ele não resistiu ao ferimento e morreu. Os criminosos fugiram, mas posteriormente foram identificados e presos.
Este texto deveria parecer mais leve, mas grandes nomes de instituições, praças, avenidas, ruas e outros logradouros sofreram violências e foram para as páginas da História justamente por isso, como Tiradentes, enforcado e esquartejado, pela Inconfidência Mineira e o mártir Frei Caneca, fuzilado por ser líder da Confederação do Equador, por exemplo. Ser executado por tiros deveria ser uma situação anômala, principalmente fora de uma guerra. Porém, tem se tornado cada vez mais prosaica na guerra invisível que é viver sob um Sistema que tem os bens materiais como égide de satisfação e signo de sucesso, em que grande parte da população viva em estado de precariedade e desequilíbrio social, ideal… para gerar conflitos na Sociedade.
O Senhor Vasconcelos ter vindo a nomear uma travessa pela qual pouca gente sequer preste atenção no nome tem a ver com o prestígio local que angariou como comerciante conhecido. Seus usuários são pedestres que se encaminham ao terminal de ônibus, ao centro comercial ou quando voltam para a casa. Estão pensando em tanta coisa que talvez nem percebam que estejam pisando no chão. Não fosse eu um arqueólogo das pequenas coisas, jamais saberia que aquele foi um homem com o qual já havia cruzado umas três vezes ou que já vira sair de casa, uma vez. A travessa, se tanto, a atravessei apenas em uma ocasião.