Scenarium / Leu… Está Lido / Fim

FIM

FIM é meu objeto de análise instilado pelo tema proposto pela Lunna para esta postagem: “Leu… está lido!”.

De início, FIM nasceu para morrer, aliás como creio tudo que perpassa por nossa existência, nasça. Sem fim, não há razão para existir. Essa ideia de infinitude serve para o Universo… ou não. A não ser que tenhamos total ciência de nossos aprendizados pelos seguidos renascimentos, individualmente somos limitados pela morte. Em existindo renascimentos. Em se considerar que renasçamos sempre seres humanos e não flores de jardim, de vez em quando. Pensando bem, deve ser maravilhoso ser flor.

A proposta diria respeito a um livro já lido que não pretendamos não ler novamente, nunca mais. Tanto quanto os personagens do belo livro de Fernanda Torres, estou chegando a um patamar  ̶  idade e constituição física  ̶  que a velhice está mais próxima de fazer mais uma vítima, do que perto da força juvenil. Ainda que me sinta bem o suficiente para lembrar o deus Ciro, tenho impulsos de Sílvio, a sobriedade do Neto, a perplexidade do Álvaro e a inveja do Ribeiro  ̶  personagens que contam a história de um Rio de Janeiro humano, superficial e profundo.

Fernanda Torres  ̶  filha da imensa Fernanda Montenegro e do grande Fernando Torres  ̶  começa pelo fim de cada um deles para narrar a versão em primeira pessoa, como vozes solos de um coral, do concerto que ocorreu em determinada época sob o sol macabro do Rio, de areias carregadas de histórias em forma de gente. A viagem passeia pelos anos 60, passa pelos estertores do Século XX e finda no início do XXI, quando o último membro da gangue, Álvaro, começa a narrar seus passos finais, relembrando amigos e peripécias daquele grupo que variava de status profissionais, dentro de uma mesma bolha comportamental, reverberando viva felicidade a permear o vazio existencial.

Mas todos têm as suas chances de participar. De Álvaro a Ciro, Sílvio, Ribeiro, Neto conduzem o cortejo fúnebre de forma esplêndida, com a participação de personagens e contrapartes  ̶  as mulheres que fizeram parte de suas vidas. Mais cedo ou mais tarde, todas percebiam que não se envolviam apenas com um homem, mas com todo os cinco. Ciro, o mais icônico e amado do grupo é o primeiro (no tempo) e último a morrer (no livro). Qual homem, já moribundo, consegue ser o homem na vida de uma mulher? Luz de farol para os outros membros, influenciou as suas vidas quando vivo e, talvez, ainda mais, morto. Quando a sua luz se apagou, perdeu-se o lado belo da fealdade em se viver o idílio carioca. Ainda que autônomas, eram como se fossem cenas laterais e complementares  ̶  comentários da ação principal. Com efeito, o livro da Fernanda é vivaz o suficiente para ser dramatizado, talvez influência de seu universo de atuação primordial.

Quando fui chamado para a postagem da Scenarium, quis ler um livro inédito. Seria estranho ter que relembrar um que já tivesse lido e ter que objetivar porque não o leria nunca mais. Teria que folheá-lo, eventualmente relê-lo, voltar a fazer o que que disse que não faria. Preferi um que nem sei como apareceu em minhas mãos. Compro livros na esperança de enveredar por suas páginas e que, muitas vezes, ficam boiando nas prateleiras da biblioteca sem serem tocados. Enquanto outros são relidos como se fossem páginas da Bíblia em dias de culto. FIM, no entanto, é um desses livros que merecem releitura. Que venham outros. Com a unção do Padre Graça, pergunto: “O próximo?”. No mínimo, Fernanda Torres ser lida, além de assistida em peças de teatro, vista series de TV e admirada no cinema.

 

BEDA / Scenarium / Paixão

Domingo

A Páscoa traz diversos significados para mim, além da efeméride religiosa. A Paixão de Cristo sempre me emocionou, desde criança. Aqueles filmes bíblicos, exagerados em atuações e dramas, eram assistidos com avidez em minha televisão em preto e branco. As histórias em tons de cinza, carregavam todas as cores mais fortes da paleta.

No entanto, durante um tempo, passeei pelos caminhos do ateísmo. Muito novo para não entender que houvesse tarefas impossíveis, cheguei a iniciar um projeto em que reescreveria a Bíblia sob a ótica racionalista, se bem incluísse versões em que extraterrestres exerciam um papel preponderante.

Entre os 16 e os 17 anos, li um livro de origem hinduísta que mudou a minha visão de mundo. Eu, que já havia lido a Bíblia, livros kardecistas e de outras vertentes, como excertos budistas, maometanos e outros, percebi que todas as linhas de pensamento convergiam para um mesmo propósito – o conhecimento de Deus. Radicalizei e me tornei vegetariano. O meu lado racionalista me fez pesquisar (em livros) sobre como me alimentar de forma adequada sem carne, visto que já sabia que a proteína animal era “quase” imprescindível para a sustentação do nosso organismo. Organizei um “programa de desintoxicação” progressivo e lá fui eu vivenciar a experiência de viver sem carne. De origem animal, consumia ainda ovos, leite e derivados. Não era “vegano“, portanto.

Devido às minhas várias influências, estabeleci um sincretismo em que a Sexta-Feira Santa tinha um papel especial. Nesse dia, eu fazia jejum completo. Só bebia água. E assim foi durante os 10 anos seguintes, até voltar a comer carne, já que havia me casado e nascera a minha primeira filha, Romy, que pode aprender a gostar de comer de tudo.

Com o casamento, sabia que não poderia impor a minha postura a ferro e fogo, ainda mais que a minha esposa, Tânia, viesse de outra formação e não quisesse deixar a nossa filha sem o consumo daquele tipo de proteína. Além disso, achei também que tinha que abrandar a rigidez dos meus “votos”. Porém, tirante uma churrascada ou outra, não consumo carne vermelha à larga.

Mesmo sem o meu influxo direto, a filha do meio, Ingrid, adotou o vegetarianismo como estilo de vida e, como a corroborar que os nossos filhos ou filhas não somos nós, a mais nova, Lívia, que não gostava de certos alimentos da nossa dieta familiar, também acabou por caminhar na abstinência de carnes.

De qualquer forma, a ideia da ressurreição da Consciência Crística em cada um de nós é algo que me mobiliza ainda hoje e acho que assim sempre será. Porque Cristo morre todos os dias em nossos corações e sempre é tempo de promover o Seu Renascimento em nossas vidas hora a hora.

Beda Scenarium

Ressurreição*

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Segunda-feira. Tempo marcado no relógio. Logo mais, terei que trabalhar. Estou a alimentar as calopsitas, Dulce e Horácio, as porquinhas da Índia – Baleia e Cotoco. Ouço palmas no portão.

Diviso um senhor – chapéu de aba larga, óculos de grossos aros sobre o nariz, bolsa com a alça cruzada no peito e guarda-chuva-sol na mão direita. Sem abrir o portão, pergunto: “Pois, não?”…

Começo a ouvir uma voz de criança, bem articulada e ritmada. Olho para baixo, mais à esquerda, e percebo um garoto de pele amorenada, rosto suave e um sorriso de dentes maiores que a boca. Não devia chegar aos dez anos de idade.

Ele fala sobre algum tema bíblico, que eu não sei identificar qual seja, apesar de suas palavras soarem claras. Eu fiquei mais atendo à cadência do que ao conteúdo do que dizia. Em certo momento, perguntou: “Sim? Não? Talvez?”…

Como que despertado de um sonho, respondi, sem saber ao que: “Sempre talvez!”…

Já disse para alguns, algumas vezes, que o “talvez” permeia a minha vida. Ao contrário do que possam pensar, esse “talvez” é um método especulativo-existencial muito pessoal. Tenho convicções bastante fortes sobre muitas coisas, mas o “talvez” me leva ver sempre o outro lado de uma situação.

Naquele caso, o mocinho respondeu de pronto que um “talvez” era melhor do que um “não”…

Nesse instante, olhei em direção ao senhor que o acompanhava e pude notar um leve sorriso de satisfação pela agilidade mental/verbal do seu pequeno acompanhante.

Logo, o garoto terminou o seu breve discurso e me passou rapidamente um papel pela fresta do portão. Nele, estava estampada a pergunta ao qual respondi sem pensar… Especulava sobre a vida após a vida, com respostas que a Bíblia carrega em suas páginas.

Fiquei a cismar que se a vida possa ser um jorro contínuo de “talvezes” ininterruptos, por que não talvez venha algo depois que ela cesse neste plano?… Sim! Sempre talvez… e o “talvez” será sempre melhor do que um “não” definitivo…

*Texto de 2015

BEDA / A Paixão

Paixão
Cena da Ressurreição e Ascensão de Cristo – Em Nova Jerusalém – Agreste de Pernambuco

A Páscoa traz diversos significados para mim, além da efeméride religiosa. A Paixão de Cristo sempre me emocionou, desde criança. Aqueles filmes bíblicos, exagerados em atuações e dramas, eram assistidos com avidez em minha televisão em preto e branco. As histórias em tons de cinza, carregavam todas as cores mais fortes da paleta.

No entanto, durante um tempo, passeei pelos caminhos do ateísmo. Muito novo para não entender que houvesse tarefas impossíveis, cheguei a iniciar um projeto em que reescreveria a Bíblia sob a ótica racionalista, se bem incluísse versões em que extra-terrestres exerciam papel preponderante…

Entre os dezesseis e dezessete anos, um livro de origem hinduísta mudou a minha visão de mundo. Eu, que já havia lido a Bíblia, livros kardecistas e de outras vertentes, como excertos budistas, maometanos, etc, percebi que todas as linhas de pensamento convergiam para um mesmo propósito – o conhecimento da existência intangível de Deus. Radicalizei e me tornei vegetariano – uma forma de libertação.

O meu lado racionalista me fez pesquisar sobre como me alimentar de maneira adequada, sem carne – tentativa de abrandamento de minha natureza animal – com a abstenção da proteína quase imprescindível para a sustentação do nosso organismo. Organizei um “programa de desintoxicação” progressivo e lá fui eu vivenciar a experiência de viver sem carne. De origem animal, consumia apenas ovos, leite e derivados. Não era vegano, portanto.

Devido às minhas várias influências, estabeleci um sincretismo em que a Sexta-Feira Santa tinha um papel especial. Nesse dia, eu fazia jejum completo. Só bebia água. Assim  como no Natal e meu aniversário, durante os dez anos seguintes perseverei até voltar a comer carne. Com o casamento e o nascimento da minha primeira filha, Romy, sabia que não poderia impor a minha postura a ferro e fogo. A Tânia, de outra formação, não queria deixar a nossa filha sem o consumo daquele tipo de proteína. Além disso, achei também que tinha que abrandar a rigidez dos meus “votos”. Ainda assim, atualmente não consumo carne com frequência.

Mesmo sem o minha influência direta, a filha do meio, Ingrid, adotou o vegetarianismo como estilo de vida e como a corroborar que os nossas crianças não somos nós, a mais nova, Lívia, hoje também abstêmia de carne, não consome certos alimentos que fazem parte da nossa dieta familiar, bem como a própria Ingrid, que é uma vegetariana seletiva quanto a certos vegetais.

Quanto à Paixão, a ideia da ressurreição da Consciência Crística em mim é algo que me mobiliza constantemente e acho que sempre será assim. Vivo momentos em que vagueio nas ondas do Nada e Cristo morre todos os dias em meu coração. E renasce sempre…  A permanente batalha pessoal é cumprir a máxima de amar ao próximo como a mim mesmo. Para isso, meu grande esforço é conseguir me amar para que o mandamento finalmente se cumpra…

Maratona De Outubro | Sobre Gêneros Literários

Gêneros
Todos os gêneros…

Em Etimologia, gênero deriva do latim generu, genere, que significa nascimento, origem. A palavra gênero ganhou ultimamente repercussão extremada. O papel social atribuído ao homem e à mulher e às suas identidades sexuais passaram a ser discutidas até em programas de governo. Aparentemente, há aqueles que creem que possam intervir nas preferências pessoais humanas, a partir do Estado. Esclareço que tratarei sobre minhas preferências… literárias. São gostos que, muitas vezes, não deixam de ser conflituosos. Ao ser perguntado sobre qual gênero literário prefiro, fiquei em dúvida.

Antes de responder a essa questão aparentemente simples, percebi o quanto o temor de não esclarecer totalmente nossas predileções, de maneira geral, avança sobre quase todos os assuntos da vida. Qualquer resposta que dermos estará sob judicie por quem a recebe. Ao dizer que comecei pelas histórias em quadrinhos, talvez fosse desacreditado. Minha iniciação na literatura foi igualmente escudada por ficção científica e fantástica, mitológica, através de Monteiro Lobato, Júlio Verne e outros. Concomitantemente, adorava ler enciclopédias e dicionários.

Eu me lembro que, quando garoto, desejava a aprovação das pessoas quanto ao meu comportamento. Na adolescência, a minha evidente incongruência nos grupos, familiar e amigos, passava despercebida pelas boas notas na escola e no futebol, entre os colegas, apesar da minha miopia. Gostava de poesia. Carlos Drummond de Andrade era o meu preferido, entre todos, mas, antes dele, tive contato com Gonçalves Dias, Augusto dos Anjos e Castro Alves, que me impressionaram bastante, além dos poetas românticos Fin De Siècle brasileiros. Ao mesmo tempo, o romancista Machado de Assis invadira minha vida e meu discurso de escritor, então já iniciado, que também sentiu a força da expressão de Jorge Amado.

Mais tarde, ao buscar uma postura cada vez mais alienada do sistema, fui ficando cada vez mais misantropo, ajudado pelo fato de começar a frequentar a faculdade de História, curso em que ninguém se conhecia. As divisões por classes diferentes a cada semestre, colaborou para impedir que permanecêssemos muito tempo juntos com os mesmos colegas. Passei a ler, além dos livros da matéria, os de Filosofia e místicos-religiosos de várias vertentes. No mesmo balaio metia Michel Focault, Paramahansa Yogananda, Emile Durkheim, Os Vedas, Santo Agostinho, Nietzsche, Boris Fausto, Kardec, Claude Lévi-Strauss, Sérgio Buarque de Holanda, Reich e Gilberto Freyre, bem como a sempre presente Bíblia.

De novo, o futebol me salvou de ser um esquisito calado. Escalado para o time da História, dentro do campo estranhamente meu estilo de atuação mudou. Os jogadores humanistas da História, forçou-me a transformar o médio-volante elegante em um arranca-toco, distribuindo pancadas a torto e a direito. Cheguei a lembrar de Ernest Hemingway. Aflorou o jogador da periferia, que jogava “contras” nos campos mais inóspitos da cidade. Sabia de minha capacidade em me dividir em outras personalidades sob determinadas circunstâncias, temperatura e pressão. Cheguei a recear certa tendência esquizoide, mas em reunião com os outros habitantes em mim, decidimos que não fosse algo preocupante…

Desde que tomei contato com os livros, alguns autores fizeram morada em meus olhos e mãos – Rosa, Wolf, Pessoa, Borges, Lispector, Cortázar, Cecília Meirelles, Garcia Marques, Nelson Rodrigues, Rubem Braga, J.M. Coetzee. Mais recentemente, voltei a minha atenção para os escritores da Scenarium, que perfilam seus trabalhos em um recanto especial em minha biblioteca. Postagens em blogues da Internet – poesia, crônicas, contos, artigos científicos e psicologia – foram acrescidas ao meu dia a dia.

Em resumo, sejam crônicas, poesias, romances, contos, livros de filosofia, religiosos, biografias e históricos, eu prefiro ler sem fronteiras. Já passei por várias fases de preferência. Em momentos específicos, exerceram ampla influência na estruturação de meu pensamento e de minha postura como ser humano. As palavras adentram por nossos olhos e se instalam em nossa alma, fazem morada permanente, ainda que não lembradas. É como se fossem as paredes de nossa casa, ainda que caiadas de branco, são estruturas que nos guardam. Gênero preferido: o vital.

Participam também desta Maratona:

Ana Claudia | Ale Helga | Cilene Mansini | Fernanda Akemi | Mari de Castro | Mariana Gouveia | Lunna Guedes