Tarde de início de Primavera
em tons monocórdicos…
Essa estação é parecida comigo…
É o tempo do talvez…
Talvez chova, talvez não,
talvez o vento derrube árvores,
destelhe as coberturas,
talvez o ar pare de circular…
Frutas frutificarão,
pássaros e outros bichos procriarão,
uivos, coaxares, cânticos serão entoados,
quase dá para ouvir outros seres que rastejam,
em intervalos de quando e quando são devorados
enquanto trabalham para sobreviverem.
A Primavera não é uma estação casta.
Vibra a vida, afirma a morte, tempo de renovação,
momentos de contemplação ao incógnito, à voragem
e devoção ao crescimento,
à crise,
à dor,
à cor,
ao coração…
Etiqueta: bichos
08 / 07 / 2025 / Os Peludos*
Vivem conosco em casa cinco peludos permanentes — Domitila, Dominic, Maria Bethânia, Lola Maria e Arya — e mais um eventual, o Bambino Princeso, meu neto que mora num apartamento com a Ingrid e a Luna, sua (nossa) amiga. Quando a sua mãe viaja, deixa o filho conosco.
Aliás, há aqueles que são contra o uso do termo “filho” para designar aos animais que nos acompanham. Seria uma utilização indevida que é vista como uma contraposição a relações humanas saudáveis. Seria o caso de nos abstivermos de amar aos bichos porque são bichos? Ou o amor que damos e recebemos desses incríveis seres na realidade nos humanizam?
Sabendo que têm uma expectativa de vida menor, eu acho que dedicar tanta atenção e carinho a eles torna-se uma lição para que tenhamos em perspectiva a nossa própria finitude. Tudo pode estar por um segundo e a Pandemia veio nos provar isso. O fato de que vemos morrer nossos amores e de, ao morrer, deixarmos quem nos ama, não vejo como motivo para não amar ou não sermos amados. E, em relação a eles tampouco deixarmos de considerá-los filhos do coração.
Como a um filho, devemos educá-los, estipular regras, mostrar diretrizes e estabelecer uma rotina. Se sentirem que não somos firmes em nossos propósitos, tomam conta de nossas vidas como fazem filhos deixados por si só quanto a um modelo de comportamento. Em contrapartida, eles têm sempre muito amor para nos dar. E demonstram isso, como mostram os vários outros sentimentos e emoções. Sem subterfúgios ou falta de clareza.
O resultado de quem se dedica aos peludos (e a outros bichos) é que torna-se necessário organizar a casa para que recebam guarida adequada e alimentação equilibrada. Neste inverno, por exemplo, estão dormindo na sala, apesar das casinhas quentinhas no quintal (esta noite chegou aos 10°C). Faz parte da minha rotina recolher o coco e lavar o xixi no quintal. Além de ter que conviver com os pelos nas roupas e no sofá. Brincando, a Tânia diz cogitar eventualmente construir uma sala só para elas. Não posso deixar de varrer a casa uma vez por dia, do entardecer para a noite.
Ao subir para dormir, antes de deixar três delas no escuro, rotineiramente as acaricio. Parecem pedir isso com o olhar. Maria Bethânia têm dormido com a irmã Romy e Lola Maria com a mãe, Lívia — uma típica e tradicional família brasileira.
*Texto de 2021. A Domitila nos deixou há um pouco mais de um ano. Durante quase dois anos tivemos conosco o Nego, um velhinho cego, com problemas locomotores. E eu resgatei o Alexandre, um pretinho também idoso que estava só pele e osso e que quando ficou aprumado descobrimos se tratar de uma mistura de Pincher, com todas as características da raça — territorial e tremelhique.
Fevereiros
QUARTA
2016. Quarta-feira de cinzas — que nome apropriado! Quase que automaticamente, os nossos olhos começam a devassar a realidade e perceber que o colorido evanescente das fantasias apenas escondia o concretismo do cinza… Ou, não! A esperança é de seja somente a típica sensação da ressaca, marca registrada de quem bebeu sonhos demais…
O PRAZER DA DOR
2021. Ubatuba. Qual o prazer de ser lido? Como escritor, só teria prazer se ou quando fosse, de alguma maneira, compreendido. E mesmo assim, resta saber se a minha palavra permanecerá na memória de quem me leu e/ou compreendeu o meu texto; se fez diferença de alguma forma ou tenha causado, ao menos, alguma passageira emoção — um sorriso ou uma lágrima. Eu diria que, como escritor, devo me desapegar de qualquer expectativa. O que já é um pouco de dor…
INDECÊNCIA
2021. Ubatuba. Hoje, o azul imperou durante a maior parte do dia. E o Sol, posto a nu ou desanuviado, queimou peles e pensamentos. De manhã e à tarde, no entanto, as nuvens o vestiram, deixando a temperatura menos indecente.
ANIMOTEL
2013. Santa Isabel. “Pela estrada afora, eu vou tão sozinho”… mas, caso eu esteja bem acompanhado, sempre haverá o Motel do Cowboy, na Via Dutra. Já imagino o barulho de esporas das botas dos cavaleiros, rivalizando com o relinchar dos cavalos. Logo depois, vim a me lembrar que os modernos cowboys perderam a graça e só devem chegar ao local montados em roncos de motocicletas e pick-ups robustas. Para passar o tempo, começo a pensar em um novo negócio no ramo da satisfação animal — o ANIMOTEL — em que poderão adentrar ao local quem estiver montado em cavalos. Nada impediria que dois amantes ou mais chegassem em um só, mas como sou defensor dos direitos dos bichos, não incentivaria tal prática. Para evitar especulações fora de propósito, a montaria (o cavalo) deverá ficar em um pasto reservado, usufruindo de boa alimentação e água. Viajei demais?…
#Blogvember / O Braço Da Tarde
… levantar cedo e promover andanças por meu tempo de calma (Flávia Côrtes)
Tenho acordado cedo, apesar de estar indo dormir tarde. Mas logo inicio a fazer tarefas deixadas pelo dia anterior e outras que já estavam programadas. É uma rotina que de vez em quando apresenta variações, mas não deixam de ser previsíveis. Parte da manhã tenho costumado escrever. Durante o dia, faço outras coisas e volto a escrever depois da meia-noite, quando a noite normalmente está mais calma. Mas é durante a tarde, que procuro olhar para o horizonte e vivenciar as mudanças de cores e o jogo de impermanências – nuvens, luz e sombra – em movimento.
Algumas vezes, as formações se “humanizam” em figuras de rostos. Pedaços de corpos, pernas, braços, mãos, olhos. Há também os bichinhos – cães, gatos, girafas, elefantes, pássaros, borboletas… até aranhas e formigas. Plantas – árvores, flores – ou seja, o céu habitado por nossa imaginação. Levantar-me cedo e andar por meu tempo de calma não me é permitido. Compenso com as tardes de vacância. Fotografo, faço imagens em série, encontro uma trilha sonora, provoco uma lembrança que reverberará em futuras idades. Como quando surgiu diante de mim braço e mão da tarde crepuscular. Um prémio para o observador tardio.
Participam: Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Suzana Martins / Lunna Guedes
Eu E Os Bichos
Dia de intensa chuva, ao sair para rua, vi junto ao muro um rato correndo em minha direção. Passou por debaixo do portão e subiu em uma pedra de granito junto à entrada. Fez menção de continuar seu trajeto para dentro da garagem e o impedi com o meu pé. Falei para o bicho:
– Descansa um pouco, mas nem pense em entrar. As cachorras vão lhe atacar!
Antes que terminasse de argumentar, a Dominic surgiu como um azougue e abocanhou o pobre rato! Ainda que ela o largasse quase imediatamente alertada por meu grito, logo deixou de se mexer.
Em outra ocasião, após mais um dia de chuva, a porta da sala estava aberta e vi uma barata caminhando lentamente do quintal para dentro. Enquanto escrevia, reparei que ela estava naquele estado em que a energia que movimentava as suas patinhas se esvaia. Tempo de morrer. Tivessem as cachorras acordadas, ela já teria sofrido um ataque. Baratinada, buscava um cantinho para terminar seus dias. Eu apenas a afastei de volta para o quintal e não voltou a entrar.
Vez ou outra, em situações limites, espalmo pernilongos mais atrevidos, mas na grande maioria das vezes, ligo o ventilador para que não tenham equilíbrio no voo, além de esfriar o ar em meu entorno, condições das quais o inseto não gosta. As minhas filhas preferem usar inseticidas e repelentes na pele. Tanto em relação aos pernilongos, quanto às baratas, elas não gostam que eu aja dessa forma. Respondo:
– Meninas, sou franciscano!
Certa vez, varria o quintal e uma conversa entre mim e um marimbondo moribundo, gerou um conto. Na verdade, era Deus, em uma de suas incursões pelo mundo material. Falou comigo porque o respeitei. Ainda que chame de conto, o diálogo interno realmente ocorreu.
O meu ano começou com outra conversa. Dessa vez, com formigas. Estava terminando de carregar o equipamento do Réveillon realizado num hotel em Águas de Lindóia quando fui recolher doces que havia separado e pretendia levar para o pessoal de casa. As atentas formiguinhas estavam rodeando os invólucros dos objetos de desejo de ambas as espécies. Logo que as coloquei num saco plástico, longe do alcance dos insetos. Imediatamente, o sentimento de culpa me assomou. Pedi para que elas esperassem e fui buscar possíveis restos na mesa de doces.
Tive sorte e encontrei restos deixados por humanos. Algumas pessoas abocanharam metades dos doces e os deixaram espalhados. Levei uns três pedaços que achei suficientes para alimentar o formigueiro inteiro. Nem podia imaginar onde se localizaria a colônia, assim como não sabemos de onde surgem as formigas que habitam as nossas casas. Enfim, terminado de carregar o equipamento, fui me certificar que as bonitinhas estivessem fazendo o bom trabalho de carregar pedacinhos para a turma. Satisfeito, voltei para São Paulo pensando o quanto devo parecer fora de órbita, a ponto de relutar em escrever este texto.
Esse comportamento desenvolvo desde pequeno. Minhas paredes eram habitadas por lagartixas, bichinhos que admirava. Desenvolvi, durante um tempinho, um relacionamento de confiança com uma aranha-pega-moscas. Muito inteligentes, em vez de caçarem com teia, essas aranhas saltadoras têm uma excelente memória e detectam as suas presas com a sua excelente visão. Normalmente precavidas contra movimentos bruscos, aquele bichinho em especial confiava em mim.
Conheci várias outras, desde as de abdomens mais desenvolvidos até as de patinhas mais longas. Fascinados por artrópodes, pensei até fazer o curso de Zoologia, mas como as plantas também eram atraentes por considerá-las seres (de funções) superiores, sonhei em ter um sítio para a produção de alimentos naturais, aos 14 ou 15 anos. Um livro ampliou para além da suposição a minha impressão em relação aos seres do Reino Vegetal ̶ A Vida Secreta Das Plantas. Com esse estudo, percebi que toda a vida na Terra estava interligada. Através de Gaia – Mãe-Terra – os seres viventes são potencializados pela energia material, abrigo da anímica.
Ainda sobre as aranhas, mais recentemente, tivemos uma moradora de tamanho mais avantajado – a Waleska. A visão que ela tinha do crepúsculo era a mesma que eu buscava e compartilhamos vários momentos e ideias. Viveu alguns meses na varanda e desapareceu sem deixar vestígios. Mais recentemente, surgiu uma outra, em uma área mais abrigada, a qual as meninas batizaram de Jojo Todynho. Está conosco há alguns meses e parece ter feito um lar em que comida não falta e seus descendentes podem prosperar. Se bem que o equilíbrio natural impedirá que cresçam em número.
Consciente de minha excentricidade, não posso deixar de agir como penso a existência. Somos apenas uma das espécies que vivem neste planeta. Não somos os seus únicos senhores. A Natureza parece estar mostrando que nossas ações negligentes acarretam sérias consequências, podendo nos levar à extinção. Muito cedo para nós. Muito tarde para vários de nossos companheiros de jornada de outras espécies, extintas por nós…











