Junhos

Junho de juras
de amor e muita lenha
para queimar…
O que aquece a alma
é o calor do corpo abraçado,
o desejo de respirar-cheirar
a pele incensada pelos pelos eriçados,
a boca molhada de essências…
Mas que se conheça os olhos…
Sexo sem história
é como teta sem coração,
clitóris sem vibração,
pênis sem pulsação,
beijo sem memória,
gozo sem emoção…

Metalinguagem

Não pise na metalinguagem
Flutue nela
Não suba na árvore da prosódia
A abrace
Não se desvie das ideias
As vista
Não passeie pelos objetos diretos
Os concretize
Não circule pelas temáticas
As atravesse
Não se incline ao entendimento
O seduza
Não projete os seus parágrafos
Os viva
Não caminhe pela transversalidade
O verseje
Não se apoie na leitura
A compreenda
Não creia na ortografia
A ame
Não se circunscreva à parábola
A amplie
Não atinja a compreensão
A saiba
Não use pleonasmos
Os sinta
Não estabeleça a fluidez
A Navegue
Não aposte na realidade
A sonhe
Não espere a palavra
Se dê a ela
Não escreva
Se escreva
Não desafie a boca
Use a língua
Não esqueça do riso
Arme o circo
Não nade no nada
Toque o fundo
Não dialogue com o fim
O conclua.

Cegos

encontrados
cada um por si a cada um de nós
quisemos nos perder em olhares
e fomos tão fundamente
que ultrapassamos a interpretação
das mentes
que mentem desmedidamente
quando se trata de paixão
fechamos os olhos
apagamos a luz
tínhamos que nos unir em corpos
que não nos dizem mentiras
procuramos as nossas bocas
nossas línguas encontrando as suas rotas
exploramos desvãos e precipícios
as permanências oscilantes do desejo
de intensas a mais intensas
tateando as reentrâncias
protuberâncias e volumes
por dedos-mãos, peles, pelos
sede de beber líquidos
experimentando o gosto agridoce do prazer
em cálices e copos
em urros e ais
servidos à cama,
parede, mesa, sofá, tapete, o chão
pela química dos enfim mortalmente
feridos, exangues
de corpos presentes
estirados e velados
em silêncio
à penumbra…encontrados
cada um por si a cada um de nós
quisemos nos perder em olhares
e fomos tão fundamente
que ultrapassamos a interpretação
das mentes
que mentem desmedidamente
quando se trata de paixão
fechamos os olhos
apagamos a luz
tínhamos que nos unir em corpos
que não nos dizem mentiras
procuramos as nossas bocas
nossas línguas encontrando as suas rotas
explorando desvãos e precipícios
as permanências oscilantes do desejo
de intensas a mais intensas
tateando as reentrâncias
protuberâncias e volumes
por dedos-mãos, peles, pelos
sede de beber líquidos
explorar o gosto agridoce do prazer
em cálices e copos
em urros e ais
servidos à cama,
parede, mesa, sofá, tapete, o chão
pela química dos enfim mortalmente
feridos, exangues
de corpos presentes
estirados e velados
em silêncio
à penumbra…

O Vício

O Vício

Enxerguei a bituca sem filtro
grudada na soleira.
A peguei e a acendi.
À fumaça, o meu pulmão recebeu
como a uma querida amiga antiga,
nunca esquecida.

Morto de sede,
absorvi as últimas gotas do copo abandonado
na mesa do bar.
Me senti embalado pelo odor remanescente de álcool.
Todos os anos de abstinência que me impus
se desvaneceram sob o império do vício
nunca debelado.

Compartilhei da agulha do adicto solidário.
Inoculei para dentro das veias a dor
bela e mortal de se perder.
A invasão do mal me alegrou.
Finalmente, me senti o ser mais vivaz —
aquele que está à beira da morte.

O gosto de sangue,
vampiro retirado e arrependido,
arremeteu em minha boca —
voltei a sorver,
voltei a matar,
voltei a amar…
Bastou reencontrá-la…
Bastou beijá-la…

BEDA / Uma Só Asa

Eu, até os meus quatorze ou quinze anos, escutava muito mais músicas brasileiras do que estrangeiras. Corria o início dos anos 70. Era bastante fascinado pelas letras, que em conjunto com as belas melodias, compunham o meu acervo poético, para quem não tinha tanto acesso à literatura em versos para além dos livros didáticos do ginásio.

Entre os compositores que apreciava, Chico Buarque era um dos meus favoritos. As suas composições, falando das mulheres como se fora uma, me influenciou grandemente. Eu, que apenas queria entender aquele ser que se expressa fortemente através da associação do cérebro a uma parte do corpo que os homens nem sequer imaginam o poder – o útero – o usei como referência em muitos aspectos. Quando ouvia “Mulheres de Atenas”, “Com açúcar, com afeto”, “Cotidiano” e “Sem açúcar”, por exemplo, sabia que era apenas um contraponto, já que a minha mãe, minha referência imediata, não se parecia com aquelas mulheres aparentemente submissas.

Nos versos a seguir, que fiz para um projeto musical apenas iniciado, mas nunca levado adiante, tento me colocar no lugar de uma mulher. Espero que as minhas amigas se sintam pelo um pouco representadas por eles. Se não, perdoe a intromissão nesse universo que tento compreender até sempre.
Anjo
Uma Só Asa

Quem quer um anjo em sua vida, quem quer um amor?
Que caia do céu, direto para você, um anjo transgressor?

Um anjo caiu em meu quintal e foi assim
Uma luz, um estrondo… e um rapaz se ergueu
Entre a garagem coberta e o canteiro do jardim
De seus ombros largos, apenas uma asa, a outra se perdeu…

Vestia uma roupa muito branca, quase transparente

Deixava entrever as formas de um corpo esguio
Jeito de menino-homem, com a sua asa pendente
Caminhando decidido, veio direto para mim, bravio

Não tive medo, não pensei neste tempo doentio

Parece até que o esperava, o buscava em meu sonho
Não aguardava que fosse um anjo vindo do vazio
Mas senti que ele seria aquele ser que chegara risonho…

Ao se aproximar, pegou em minha mão, que tremia
Beijou a minha testa e baixou os lábios até a minha boca
Apenas entreabriu a sua e soprou que me queria
Que já há algum tempo me observava e que chegara a nossa época…
Perguntei sobre a asa que não trazia, a que havia sumido
Respondeu que começou a pensar apenas em mim e que caíra em casa
Já amputado, porém feliz, pois fora atendido em seu pedido
E dessa maneira, ganhei o meu homem, um anjo de uma só asa…

Quem quer um anjo em sua vida, quem quer um amor?
Que caia do céu, direto para você, um anjo transgressor?”