BEDA / Profissão: Brasileiro

Em Agosto de 2011, eu usei esta imagem acima, extraída de um grafite realizado num muro da minha região, como foto de perfil. Justifiquei desta forma: “Imagem de nossa identidade pública, por autor anônimo. Cá, para mim, a chamo de “Brasileiro, uma profissão”. Completei: “Usamos fantasias, jogamos jogos de azar, acendemos velas para falsos deuses, rimos sarcasticamente da nossa “má sorte” e empunhamos a bandeira nacional como um estandarte de guerra!”

Talvez eu já sentisse no ar a guerra surda nos bastidores do poder ou constatasse cabalmente que agíamos contra nós mesmos desde os lares mais simples até os mais glamourizados numa espécie de autossabotagem de nosso destino futuro — hoje. Industrialmente, pelejamos para derrubarmos as nossas melhores chances de melhorar a nossa qualidade de vida como um todo. Quem chegou ao patamar desejável de estabilidade parece ir contra quem queira alcançar esse status, como se não tivesse lugar para todos. Fruto do egoísmo, talvez, é uma opção burra em rumo ao nosso subdesenvolvimento permanente. E que foi transformado em projeto ideológico por parte da população.

Enquanto existem ilhas de bem-estar em vários setores sociais, há aquelas frequentemente açoitadas por tempestades e furacões. Não apenas no sentido figurado, mas igualmente literal, graças ao desequilíbrio ambiental, para qual estou atento há 50 anos, desde o começo da minha adolescência, com a produção de textos pessoais e redações escolares em que insistia mostrar a opção tenebrosa de trabalharmos contra a Natureza. É como se o fato de sermos “brasileiros” — atividade de extração do pau-brasil — se configurasse em um destino irreversível. Atualmente, já liquidamos com 1/3 da nossa cobertura vegetal original. Como fumantes inveterados, estamos queimando o nosso pulmão, a Amazônia. Ao mesmo tempo que reduzimos a cobertura aquática do Pantanal a 4% de antes (!).

Enquanto certos setores produtivos vinculados à produção de comodities jogam contra o patrimônio universal dos ricos biomas, respiramos um ar pior, seco e poluído. Vivemos um clima instável, em que somos impedidos de nos locomovermos por causa das enchentes. Isso, quando não perdemos a vida, simplesmente. Enfim, construímos o paraíso da barbárie na Terra. No chão e fora das cercas que impedem (aparentemente) que os moradores de condomínios sejam afetados, vivendo fora da realidade da maioria. Mas quando se aventuram fora da proteção ilusória, muitos acabam vítimas da violência por causa de suas próprias escolhas na manutenção do elitismo segregacionista, ainda que supostamente inconscientes.

Nunca fui tão pessimista num futuro incerto quanto à sanidade de nossa sociedade. Ainda que muitos de nós procuremos agir de maneira diferente, somos afetados pela produção avassaladora de um modelo de vida que nos levará à catástrofe. Só os loucos de pedra, sobreviverão…

BEDA / Para Fernanda Young*

*Em 26 de Agosto de 2019, escrevi:

“Precisamos sempre confirmar a beleza, mesmo que haja momentos que não a toquemos. Como o crepúsculo de hoje, após dias nublados, ainda que nos faça lembrar que nosso país esteja a arder em chamas. Para Fernanda Young“.

Um dia antes, um domingo, a atriz, escritora, roteirista e apresentadora de TV Fernanda Young, de 49 anos, havia morrido pela madrugada, em Minas Gerais. A autora de séries de sucesso, como “Os Normais”, “Minha Nada Mole Vida”, “Os Aspones” e “Shippados”, teve uma crise de asma, da qual sofria desde criança, seguida de parada cardíaca. O corpo foi velado em São Paulo e o enterro foi no Cemitério de Congonhas, na Zona Sul da Capital paulista. (Fonte: G1)

Estávamos vivendo o desgoverno do Ignominioso Miliciano. Mas nada está tão ruim que não possa piorar. Ao final daquele mesmo ano, surgiria no horizonte a ameaça de uma Pandemia em escala global, que acabou por se confirmar. Poderia se dizer que Fernanda Young tenha sido poupada daquele processo que acabou por gerar quase 800 mil mortos, além de outros tantos atingidos por sequelas. A Covid-19 roteirizou um drama que talvez a escritora inventiva e talentosa não conseguisse superar. Tivemos no Brasil o que poderíamos chamar de “tempestade perfeita” — uma doença de origem externa unida a uma doença de origem interna. A que veio de fora agudizou um processo doentio que jazia subjacente desde a formação do País social e economicamente. Progressivamente, entranhada na mente do brasileiro, a nossa enfermidade jazia subjacente apenas esperando as condições dadas para que eclodisse como pústula.

Fernanda Young, de certa maneira, brincava com as nossas precariedades emocionais e psicológicas. Ríamos das atitudes de suas personagens, em composições em que nos percebíamos com nossas fraquezas estruturais, nossos preconceitos e maledicências. Creio que entendia perfeitamente o brasileiro classe média típico — que carrega todas as contradições de pertencerem a um estrato social amorfo — que se sente perto do Paraíso, que apenas observa da janela de seu carro usado, assim como se sente rei ao passar pelas zonas depauperadas. Classe mal informada ou que preferencialmente é chegada a má informação, recheada de fofoca, falsidades, desejos reprimidos e crimes. Mas seu olhar, apesar do gosto amargo, tendia a perdoar essa caracterização pendular entre o bem e o mal (ou o que é bom e o que é mau) como se fosse inevitável. Talvez, tivesse razão…

Texto participante de BEDA: Blog Every Day August

Denise Gals Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Bob F / Suzana Martins Cláudia Leonardi

BEDA / Profissão: Brasileiro

Imagem de nossa identidade pública, por autor anônimo. Cá, para mim, a chamo de “Brasileiro, uma profissão”.

À respeito do grafite que encontrei em minhas caminhadas pela região da Vila Nova Cachoerinha e que acabei por usar como foto de perfil por um tempo, escrevi: “Usamos fantasias, jogamos jogos de azar; acendemos velas para deuses cujos fiéis se digladiam; supersticiosos, rimos sarcasticamente da nossa ‘má sorte’ e empunhamos a bandeira nacional como a um estandarte de guerra!”… Ocorreu em 2011. Já identificava um comportamento dissociativo da nossa população, dividida em estamentos sociais díspares. E em que a estrutura social apresentava uma certa identificação da injustiça como linguagem comum e a normalização monolítica do ódio.

À época, eu acreditava que o investimento em Educação ajudaria a equilibrar a balança em que muitos sem nada eram governados por poucos com muito – o poder financeiro a dirigir o caminho das regalias e das faltas de grupos setorizados. Apesar de perceber a vertente que falava em tons de voz mais baixo para não ser ouvida fora de seus circuitos relacionais, aqueles que estavam transitando pelo esgoto do pensamento subjacente brasileiro não haviam ainda encontrado um canal para trazerem as suas ideias, palavras, preconceitos e vilipêndios a público.

Num movimento de fluxo e refluxo, o projeto de inclusão social acabou por sofrer um revés, muito devido aos erros de quem os dirigia. Esses desvios, deram oportunidade para que os setores descontentes com os pequenos avanços revidassem. Situações que iam de pessoas de baixa renda a terem acesso a universidades até revolta dos que se consideravam especiais em dividir aeroportos e assentos de aviões com empregadas domésticas em viagens para a Disney.

Estudante de História nos Anos 80, dei de frente com o arcabouço construído ao longo dos séculos pelo sistema de produção em que a escravização de naturais da terra, no início e, depois, de africanos, foi transformado em um negócio rentável e movimentou grandemente a riqueza do Brasil – a busca, transporte e venda de seres humanos. Das muitas justificativas dadas para tal, uma delas era de origem “piedosa”: como foram marcados com a cor escura por Deus, o sofrimento que sofriam ajudaria às suas almas alcançarem o Reino dos Céus.

Sem tanta sofisticação, o sujeito de passado conturbado nas hostes militares, se lançou candidato à vereador no Rio de Janeiro e, graças à votação obtida em redutos milicianos, percebeu que poderia levar a sua voz monocórdica que extravasa ódio e repulsa aos diferentes, à mulher, aos pretos, aos desejosos de uma mudança na estrutura social que penaliza a maior parte da população a viver em condições precárias.

O Ignominioso Miliciano, fascinado desde os tempos de militar por minérios como ouro e diamantes, usando seu tempo de férias em garimpos atrás de metais preciosos. É até singular que após cumprir um percurso em que poderia ser acusado de crimes maiores como Genocídio por sua política intencionalmente desastrosa que vitimou percentualmente um dos maiores números de vítimas de Covid-19 na Pandemia e incentivar a invasão das reservas indígenas para arrancar ouro, agora possa cair em desgraça no caso das joias do Oriente Médio e ser finalmente preso. Principalmente quando se houver, como parece, vinculação à venda da Refinaria Landulpho Alves, na Bahia. para a Mubadala Capital, um fundo de investimentos de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. (Fonte: Agência Senado). As joias, nesse caso, seriam uma espécie de propina pela venda a um pouco mais da metade do valor do que valia para os árabes.

Simbólico, não?

Texto participante de BEDA: Blog Every Day August

Denise Gals Mariana Gouveia / Roseli Pedroso / Lunna Guedes / Bob F / Suzana Martins Cláudia Leonardi

Projeto Fotográfico 6 On 6 / Sobre Os Meus Eus

Muitos, sou.
A cada idade, fui alguns.
Caminhei pela luz da escuridão
e pelas manchas escuras do Sol.
Naveguei por mares azuis
e ares transcendentais.
Viajei por mim e pelo sim.
Passei por vãos e nãos.
Fui profundo e raso.
Nunca deixei de ser nós.
Ainda que todos sós…


Quando tiro os óculos, me vejo bem melhor pessoa. É o caso de miopia seletiva… e o ocaso da culpa.
Marcos do tempo
Riscas de sombra
Riscos de sobra
Marcas ao cento
Resta homenagear
A testemunha solar…
Esta imagem reflete bem o meu olhar de reverência desmesurada ao que vi em meu entorno durante a minha estada em Paraty, no começo de Outubro de 2021, por ocasião da comemoração dos meus 60 anos. 
Sob luzes externas — a natural e a artificial —, em busca da luz interior. No fone de ouvido, “Cajuína“. 

Os Pataxó são um povo indígena brasileiro de língua da família maxakali, do tronco macro-jê. Em sua totalidade, os índios conhecidos sob o etnônimo englobante Pataxó Hãhãhãe abarcam, hoje, as etnias Baenã, Pataxó Hãhãhãe, Kamakã, Tupinambá, Kariri-Sapuyá e Gueren. Apesar de se expressarem na língua portuguesa, alguns grupos conservam seu idioma original, a língua Patxôhã. Praticam o “Xamanismo” e o Cristianismo. Vivem no sul da Bahia e em 2010, totalizavam 13.588 pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro De Geografia E Estatística. A Ingrid trouxe da região onde os portugueses desembarcaram pela primeira vez em Pindorama esse colar de contas. A minha ascendência indígena me permite usá-lo para além de objeto decorativo, por carregar vários significados. Para mim, é como voltar para a kijeme.

O homem e a cidade…

Participam: Roseli Pedroso / Suzana Martins / Mariana Gouveia / Lunna Guedes

Longo Mal Súbito*

Genival Jesus Santos (Arquivo pessoal)

ronco de motores rodovia movimentada
motoqueiro fantasma sem capacete
deve ser parado pária da sociedade
calção chinelos camiseta pobre
desce do cavalo se posiciona com respeito
aqui é autoridade autoritarismo
práticas de tempos passados
por chefes no poder incensados
não reclama não fala se cala
continua sem voz além das muitas na sua cabeça
tomo remédio olha as cartelas
não queremos saber você é fora da lei
eu só quero respeito não cometi crime nenhum
está sem capacete nós estamos protegidos com os nossos
somos senhores da vida e da morte
você deve aprender e quem nos observa também
fica assolado no chão nossas botas na sua canga
vamos aplicar a nossa sentença
culpado por ser brasileiro
sem rumo
sem ganho
sem profissão
para ganhar o pão
um verme como tantos outros
porque essa tortura?
queria voltar para a casa
vai para a nossa casa ambulante
receberá a lição estamos em guerra
contra quem nos interpõe
representamos o topo do poder
nunca mais repetirá a ousadia de contestar
mataram mais de vinte no Rio
um a mais ou a menos
não sou bandido sou trabalhador
tenho família filhos pai mãe primos
todos tem
ratos que se multiplicam
olha a nossa viatura
a chamamos de carro de dedetização
eliminamos pragas as degustamos com pimenta
me tirem daqui
me desamarrem
abram a caçamba
não sou lixo sequer indigente
sou gente
ah! meus filhos mulher não estou aguentando
me perdoem
não consigo respirar
estou deixando a escuridão
vou para um lugar sem luz
e sem resposta
mesmo sendo de Santos Jesus
até quando?

Umbaúba, Sergipe, em 26 de Maio de 2022 – dois anos depois da morte George Floyd em outro Hemisfério e outro “não consigo respirar”…

*Poema produzido em 2022, sob os auspícios de tempos obscuros.